A mais recente manifestação da “bondade” de rede social é da lavra de Felipe Neto, menino-foca, líder intelectual da esquerda brasileira, garoto-propaganda do combate às “fake news” e guru de ministro do STF. Flavio Gordon para a Gazeta do Povo:
“Ai
de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como
sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de
ossos e de todo tipo de imundície.
Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade” (Mt,23: 27-28)
Em No Caminho de Swann, primeiro volume de Em Busca do Tempo Perdido, Proust tece as seguintes considerações sobre a bondade:
“Quando
tive mais tarde ocasião de encontrar, no curso da vida, em conventos,
por exemplo, encarnações verdadeiramente santas da caridade ativa,
tinham geralmente um ar alegre, positivo, indiferente e brusco de
cirurgião apressado, essa fisionomia em que não se lê nenhuma
comiseração, nenhum enternecimento diante da dor humana, nenhum temor de
feri-la, e que é a fisionomia sem doçura, a fisionomia antipática e
sublime da verdadeira bondade”.
Há
aí evidentes ecos bíblicos. O trecho faz recordar, por exemplo, a
passagem dos Evangelhos em que Jesus Cristo trata da verdadeira
caridade, também ela discreta, sem comiseração, sem doçura:
“Guardai-vos
de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes
vistos por eles; doutra sorte não tereis galardão junto de vosso Pai
Celeste. Quando, pois, deres esmola, não toques trombetas diante de ti,
como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem
glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a
recompensa. Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua esquerda o que
faz a tua direita, para que a tua esmola fique em segredo; e teu Pai,
que vê em segredo, recompensar-te-á" (Mt,6: 1-4).
Nada
mais distante do que se passa no Brasil de nossos dias. Vivemos uma era
da “bondade” escandalosa, uma “bondade” autocomiserada, narcísica e
vaidosa de si. A fisionomia da “bondade” brasileira é hoje adocicada e
enjoativa. Não exibe a ágil e prosaica indiferença descrita por Proust,
senão o peso solene de quem vive todo o tempo mirando-se no espelho da
aprovação alheia. Temos uma “bondade” acusatória. Sou bom, logo, tudo me
é permitido.
Que
se dê uma espiada nas redes sociais e as faces da “bondade” artificial
lá estarão, como máscaras grotescas, carrancas afetadas e cabotinas,
destilando o seu pervertido senso moral e o amor de dois tostões pelos
oprimidos do mundo. Censura-se por “bondade”, difama-se por “bondade”,
persegue-se por “bondade”... O rosto da “bondade” brasileira é disforme e
pavoroso, como o de Freddy Krueger.
Os
monopolistas da “bondade” – infestados no mundo político, na grande
mídia, nas agências de esquerdagem de fatos (left-checking) e nas Big
Techs – determinam as informações e as opiniões permitidas. Há opiniões e
informações “verdadeiras”, e delas não se escapa. São elas: o aborto é
um direito humano inalienável das mulheres; a Igreja Católica é nazista;
há excesso de democracia na Venezuela; ditaduras de esquerda são
essencialmente morais; vítimas de latrocínio são culpadas porque
ostentam demais; homens são estupradores em potencial; negros podem
discriminar brancos por conta da dívida histórica; policiais militares
são racistas e fascistas; Bolsonaro é um ditador; devemos todos ficar em
casa, menos eles etc.
Todas
as opiniões acima, entre outras, foram expressas por personalidades
que, no Brasil, se autodenominam “progressistas” – termo relativo a
pessoas cuja “bondade” a priori lhes confere um salvo-conduto para fazer
qualquer coisa contra os “maus” – que seriam, pela lógica, os
“regressistas” (ou reacionários). O termo “progressista” aplica-se não
apenas a pessoas, mas também a uma infinidade de coisas. Assim, a
bicicleta é um meio de transporte progressista, opondo-se ao carro, que é
regressista. Ciclistas – ou, segundo a mentalidade politicamente
correta, talvez devêssemos chamar de cicloafetivos – são progressistas;
motoristas de carros, regressistas. Alimentos também são classificados
como progressistas ou regressistas, sendo a salada de broto de bambu com
quinoa essencialmente progressista, e a carne vermelha, odiosamente
regressista. Maconha é progressista; tabaco, regressista. Vacina chinesa
é progressista; hidroxicloroquina, regressista; festinha em ilha
privativa é progressista; missa, regressista. E assim por diante. Sempre
adiante.
Os
progressistas reconhecem-se pelo olhar e pelo lirismo em comum.
Conquanto, vez ou outra, deixem verter uma lágrima ao som de uma canção
do Chico, que os faz lembrar – mesmo os que à época não haviam nascido –
os terríveis anos de chumbo em que, bem, jornalistas eram presos por
emitir opiniões. Eles logo recobram a fortaleza e eterna indignação:
–
Calem o “blogueiro bolsonarista”! Expulsem os “fascistas” das redes
sociais! Desmonetizem os “negacionistas”. Eles não são dos nossos... Os
nossos são bons, e trazem a bondade na fisionomia beata do perfil da
rede social, na indignação coletiva que inflama os olhares dos ungidos. E
que toquem as trombetas diante de nós, e que elas sejam um sinal de
pavor para os reacionários em fuga, esmagados e vencidos sob o peso da
nossa bondade.
A
mais recente manifestação da “bondade” de rede social é da lavra de
Felipe Neto, menino-foca, líder intelectual da esquerda brasileira,
garoto-propaganda do combate às “fake news” e guru de ministro do STF.
Pego no flagra por um repórter amador em pelada de fim de ano, sem
máscara e sem respeitar o isolamento social (que ele passou os últimos
meses pregando de maneira histérica), a criatura mimética por excelência
– cuja mera existência depende inteiramente da aprovação alheia –
correu ao Twitter para pedir perdão e dizer que errou.
É
claro que, como todo “justo” de rede social, o sujeito tinha que se
promover um pouquinho durante o pretenso mea culpa: “Errei. Decidi jogar
um último futebol do ano. Como goleiro, indo e voltando de máscara, sem
contato com ninguém e passando álcool em tudo. Ainda assim, é um erro.
Não cometerei novamente até a vacina. Peço perdão pelo mau exemplo”.
Também
no Twitter, o jornalista Rica Perrone, que costuma jogar pelada no
campinho ao lado, tratou de desmentir o falso moralista em versão teen.
“Você jogou muitas vezes na pandemia. Eu vi... Seja homem, irmão”. Para
confirmar o que disse, Perrone postou a filmagem de um amigo e fotos de
Felipe Neto aglomerando alegremente sobre a grama sintética. Mas, como
Perrone mexeu com um dos “bons”, o vídeo foi estigmatizado como
“discurso de ódio” e sumariamente censurado no Instagram.
Em
suma: ao contrário da bondade autêntica, tão bem descrita por Proust e
pelo evangelista, a “bondade” dos quarentenistas gourmet – também
conhecidos como ultra-fique-em-casistas – é espalhafatosa,
sentimentalista e orgulhosa. Toca trombetas diante de si, imita focas e
tem o cabelo cor de rosa-choque.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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