Para Burnham, a cultura ocidental é uma herança preciosa a ser defendida, e o comunismo uma tirania assassina a ser derrotada. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
Dois
livros com o mesmo título – “O suicídio do Ocidente” – chegaram às
livrarias este mês, praticamente ao mesmo tempo. O primeiro é o já
clássico ensaio de James Burnham, lançado originalmente em 1964; o
segundo é de Jonah Goldberg, o mesmo autor de “Fascismo de esquerda”,
obra fundamental para se entender o significado e as distorções do
conceito de fascismo. Escreverei sobre os dois, começando pelo livro de
Burnham.
Apesar
de ter sido escrito há mais de 50 anos, “O suicídio do Ocidente – Um
ensaio sobre o significado e o destino do esquerdismo” permanece
atualíssimo em sua análise do liberalismo (no sentido norte-americano do
termo). Em mais de um momento, ao examinar o processo de erosão
deliberada dos pilares intelectuais, morais e espirituais das
democracias capitalistas, o autor parece estar se dirigindo ao leitor do
século 21, perplexo diante do bem-sucedido esforço de sabotagem e
destruição dos valores da nossa cultura
Então
como agora, o “suicídio” de que fala Burnham não se refere a um
atentado desesperado do Ocidente contra a própria existência, mas a um
processo de metástase, a uma autodestruição lenta e gradual, habilmente
provocada e conduzida pelos agentes de uma ideologia indiferente ao
indivíduo e inimiga da liberdade – e diretamente responsável por mortes
que se contam às dezenas de milhões, no século 20.
É
um livro de advertência: o objetivo de Burnham é alertar o leitor para
não confiar em slogans idealistas que mascaram realidades cruéis: boas
intenções, ele afirma, são frequentemente o escudo para a promoção de
políticas malignas e intolerantes. Ainda que muitos inocentes embarquem
de boa-fé nessa canoa furada – sobretudo na juventude, motivada pelo
sentimentalismo narcisista e pela necessidade de pertencimento e
aceitação social – o fato inescapável é que, concretamente, todos os
experimentos sociais fundados nas premissas do marxismo resultaram, mais
cedo ou mais tarde, em doses cavalares de sofrimento e morte.
Para
os conservadores, por sua vez, jamais existirá um mundo ideal em nome
do qual vale a pena destruir e matar: o máximo a que podemos aspirar é
atingir um equilíbrio precário, no qual recursos escassos sejam alocados
pelo mercado de forma a maximizar resultados em um ritmo lento e
seguro, sem colocar em risco a estabilidade de conquistas, valores e
instituições cuja consolidação consumiu séculos de História. Não convém
trocar o real pelo ideal, ainda que este seja mais agradável aos olhos. É
preciso enxergar o ser humano tal como ele é, com suas imperfeições,
egoísmo e ambição.
Em
uma época na qual grupos minoritários radicais se sentem à vontade para
censurar obras de arte canônicas e vandalizar estátuas de Colombo e
Churchill, a grande lição de Burnham é que toda liberdade política é
liberdade imperfeita, conquistada com luta, preservada com dificuldade e
sempre sujeitas a ataques dos inimigos da democracia. A cultura
ocidental é uma herança preciosa a ser defendida, e o comunismo uma
tirania assassina a ser derrotada – pois seu triunfo representaria o fim
de todas as liberdades que consideramos sagradas, mas que não estão, de
forma alguma, asseguradas.
Sempre
segundo Burnham, a melhor forma de reduzir a desigualdade social é
criar oportunidades e premiar o mérito e a inovação, de forma que
incentivos gerem criatividade, trabalho e emprego, beneficiando a todos.
Afirmar que os conservadores e a direita se comprazem com a
desigualdade é uma estupidez e uma desonestidade intelectual; apenas
sociopatas – e eles existem na esquerda e na direita – torcem pelo
sofrimento alheio. Todas as pessoas normais gostariam que não houvesse
miséria nem fome. O que importa é verificar que caminhos são viáveis
para reduzir esse sofrimento, e quais riscos cada caminho envolve.
Geralmente,
argumenta Burnham, quando o destino da sociedade está em jogo, é melhor
se basear na experiência que na esperança; é melhor reformar que
destruir e reconstruir tudo do zero; é melhor ser pessimista que
otimista. Não há atalhos nem fórmulas mágicas: cada problema precisa ser
examinado objetivamente, sem as lentes da ideologia. Mas é mais fácil,
sem dúvida, viver em um cercadinho ideológico no qual se acredita ter
todas as respostas – e do qual sou autorizado a olhar com superioridade
moral para todos aqueles que não concordarem comigo.
O
autor – que, aliás, foi trotskista na juventude, tendo rompido com a
esquerda na época do pacto germano-soviético – denuncia a “qualidade
gelatinosa do esquerdismo contemporâneo: hipócrita, bonzinho e cheio de
culpa”. Suas imprecações politicamente incorretas provocaram seu
cancelamento “avant la lettre”, já na década de 60 do século passado. A
esse respeito, vale transcrever aqui um trecho da introdução assinada
por Roger Kimball, outro autor que merecia ser mais publicado no Brasil:
“...chamar alguém de politicamente incorreto tornou-se um método popular para desacreditar suas opiniões sem a inconveniência de permitir que sejam ouvidas. É um truque retórico esperto, para não dizer covarde. (...) O objetivo é silenciar alguém sem proibi-lo de falar, mas negando-lhe quem o escute”.
Burnham
tratou indiretamente desses mesmos temas em seus livros mais famosos –
“The managerial revolution“ (1941), “The Machiavellians: Defenders of
Freedom” (1943) e “A luta pelo mundo” (1947) – mas “O suicídio do
Ocidente” é seu livro mais enfático. Ele não foi o primeiro, é claro, a
sinalizar a decadência da civilização ocidental – muito antes Oswald
Spengler e Ortega y Gasset já tinham examinado a tese, respectivamente,
em “O declínio do Ocidente” (1918) e “A revolta das massas” (1930), para
só citar duas obras clássicas.
Lendo
Burnham, é inevitável pensar que, de um ponto de vista conservador,
esse processo de decadência do Ocidente deu uma acelerada forte nos
últimos anos: basta dizer que, seguramente, Spengler e Ortega y Gasset
hoje seriam cancelados, se fossem nossos contemporâneos e ousassem
escrever o que escreveram. Se não fossem presos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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