O ato terminou com todos de mãos dadas cantando “Imagine” em português, na versão de Odair José. Via Gazeta do Povo, a crônica de Paulo Polzonoff Jr.:
*Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
Foi
bonita a festa, pá. Liderados pelos veteranos Caetano Veloso e Chico
Buarque, dezenas, não!, centenas, não!, milhares de artistas se reuniram
em frente à Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, para pedir a
libertação do jornalista, não!, blogueiro, não!, jornalista Oswaldo
Eustáquio. “A interdependência da estaquilização e da oswaldilização num
prisma de repressão anarcojurídica me preocupa. Ou não”, afirmou
Gilberto Gil, para delírio da plateia que, entre os atos, gritava “vem
pra rua! Covid não pega ativista!”.
O
ato começou tímido, por volta das 18 horas. Só depois das palmas para o
pôr-do-sol no Arpoador é que o centro do Rio de Janeiro começou a se
encher de camelôs vendendo miçangas para aquela gente compromissada com a
democracia e as liberdades individuais – e que sabia de cor a letra de
Circuladô de Fulô. De acordo com o Datafolha, às 21 horas o ato reunia 5
mil pessoas. Segundo os organizadores, eram 50 mil.
Querelas
matemáticas à parte, o fato é que todos se emocionaram quando Márcia
Tiburi subiu ao palco enrolada na bandeira brasileira e puxando o Hino
Nacional na versão do Olodum. “Musicalmente horrível, mas politicamente
menos horrível”, disse a cantora Zélia Duncan. Depois do Hino, Tiburi
encarnou a incansável professora para explicar a todos que o
“tecnoturbomachofascismo” também está no centro da decisão que mandou
prender Oswaldo Eustáquio por promover “pautas antidemocráticas” – se é
que foi por isso mesmo.
Logo
em seguida, subiu ao palco o escritor João Paulo Cuenca. “Também eu
estou sendo perseguido por pastores evangélicos. Mas por que o STF não
vem aqui me prender? Porque eles sabem que estou do lado certo da
história, que faço parte dessa esquerda privilegiada, com voz dentro das
redações de jornal”, disse ele. No dia seguinte, o discurso de João
Paulo Cuenca seria visto como “um marco da autocrítica necessária ao
PT”. Já o PCO considerou o discurso “coisa de burguês”.
Os
atos pedindo a liberdade de Oswaldo Eustáquio continuaram com artistas
de maior ou menor relevância, todos expressando seu compromisso com a
democracia, o Estado de Direito e, claro, a liberdade de expressão.
“Liberdade de expressão aqui? Ha/ Não existe/ Eu fiz "hoje eu tô feliz" e
fiquei triste/ Pois já não posso mais nem sair em paz/ Os fdp confundem
artistas com marginais/ Mas eu não sou um marginal/ Isso é um grande
erro/ Sou apenas um artista como todo brasileiro/ E o meu erro foi dizer
o que não devia/ Acreditei que existia o quê: democracia”, cantou
Gabriel o Pensador. Que, infelizmente, saiu do palco vaiado após se
recusar a cantar “Lôraburra”, com medo de ser cancelado.
Por
volta das 22 horas, um homem usando roupas pretas subiu ao palco,
causando desmaios entre a multidão que, segundo os organizadores, já
passava de milhão. Era o ex-juiz, ex-ministro e ex-indicável ao STF
Sergio Moro. Pela primeira vez na vida, Moro abandonou os cincunlóquios e
o juridiquês com sotaque maringaense para dizer com todas as letras que
Oswaldo Eustáquio merece a liberdade e que o inquérito secreto do
Supremo é, no mínimo, imoral. “E, para reforçar a mensagem, chamo para o
palco meu amigo Luiz Inácio Lula da Silva!”, anunciou Moro. Mas era só
uma brincadeira.
Por
fim, Chico Buarque e Caetano Veloso entraram juntos no palco. Gilberto
Gil, que pretendia entoar refrões como “Andá com fé eu vou/ Que a fé não
costuma faiá”, infelizmente passou mal no camarim ao comer um churrasco
de melancia preparado por sua filha Bela. Preta Gil se ofereceu para
substituir o pai, mas os organizadores acharam melhor não. Alguém gritou
que era gordofobia e, por alguns minutos, o kissuco de dendê ferveu nos
bastidores. Os ânimos se acalmaram depois que Fernanda Montenegro,
impostando a voz sempre muito grave, lembrou a todos, recitando um
filósofo/poeta qualquer cujo nome me foge agora, que “a liberdade de
nossos inimigos políticos é causa mais nobre do que esse negócio de
gordofobia aí, tá ligado?”.
Caê
foi o primeiro a falar. E falou e falou por duas horas. Contou suas
agruras na prisão, reconheceu o caráter antidemocrático da esquerda
déliciosamente festiva daquele tempo e afirmou estar aprendendo muito
com “esse menino” Jones Manoel, antes de gritar: “Eustáquio Livre!” Já
Chico preferiu pegar o violão e simplesmente entoar um “Apesar de você/
Amanhã há de ser outro dia”.
O
ato terminou com todos de mãos dadas cantando “Imagine” em português,
na versão de Odair José. A multidão se dispersou tranquilamente, cada
qual em paz, consultando o Twitter de segundo em segundo e ansioso pela
notícia de que Oswaldo Eustáquio finalmente seria libertado. O que, até o
fechamento desta edição, não aconteceu.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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