Lentidão na vacinação na Grã-Bretanha, obstáculos burocráticos da União Europeia e discordâncias sobre as festas de fim de ano azedam o clima. Vilma Gryzinski:
Por
alguns momentos, Margaret Keenan foi mais fotografada do que a rainha
Elizabeth. Primeira pessoa do mundo a receber, no dia 8, como paciente
comum, a vacina da Pfizer/BioNtech, a inglesa de 91 anos virou uma
imagem da esperança.
Sete
dias depois, as imagens de enormes multidões recebendo a salvação
ficaram só na imaginação dos acostumados a filmes-catástrofe.
Apenas
140 mil pessoas foram vacinadas no Reino Unido desde que o país se
tornou o primeiro a iniciar as campanhas de imunização.
Se
a média de 20 mil vacinados por dia não acelerar, estará muito longe a
meta de ter todos os idosos e grupos de risco vacinados até o fim do
inverno.
A
ideia de “vários milhões” de imunizados até o Natal, mencionada por
Matt Hacock, o ministro da Saúde, entra para a grande gaveta de
promessas irrealizáveis. Se o ritmo atual for mantido, serão no máximo
400 mil.
Um
complicador a mais, fora as condições altamente delicadas de
armazenamento da vacina da Pfizer, é a decisão de manter sob observação,
por quinze minutos, todas as pessoas que são vacinadas.
Faltam
espaço e mão de obra para esta etapa, um excesso de cautela diante de
dois episódios de choque anafilático – e o receio de que outros casos
extremos e raros de reação à vacina alimentem os que já se opõem a ela
de qualquer maneira.
Com todos os problemas, pelo menos a vacinação já começou na Grã-Bretanha, da mesma maneira que nos Estados Unidos e no Canadá.
Nos
27 países da União Europeia, a burocracia dos processos de aprovação
está retardando todo mundo e provocando reações de ansiedade.
O sentimento é especialmente forte na Alemanha, que passou a considerar a vacina como “sua”,
Foi
o casal de cientistas alemães Ugur Sahin e Ollem Tureci, médicos de
origem turca que criaram a BioNTech, que concebeu a vacina aprimorada
pela Pfizer.
“É simplesmente além da imaginação”, reclamou o jornal Bild.
“O
mundo celebra a vacina da BioNTech desenvolvida na Alemanha.
Grã-Bretanha, Estados Unidos e Canadá já iniciaram a vacinação, enquanto
nós assistimos isso tudo boquiabertos”.
A
União Europeia decidiu que a vacinação terá início simultâneo em seus
27 integrantes – um sinalizador de união no comento em que a
Grã-Bretanha tropeça para os estágios finais do Brexit.
Mas
na Alemanha não existe muito clima para manifestações de fraternidade
no momento em que o país volta para o lockdown e o número de vítimas da
Covid-19 dá uma tétrica acelerada, bem adiante da primeira onda, com o
risco de arruinar o esforço comparativamente positivo de combate à
doença.
“Esse
absurdo da demora da vacina vai custar cerca de 15 mil vidas”, disse ao
Bild o economista Paul Welfens, sem explicar exatamente como fez o
cálculo (ao todo, nos onze meses de pandemia, a doença matou 25 mil
alemães; ou 291 por milhão de habitantes).
Antes
da notícia de que Emmanuel Macron está com Covid-19, uma boa parte da
imprensa francesa estava dedicada, talvez com mais entusiasmado do que o
necessário, a destacar o agravamento da situação na Alemanha.
Justamente o país onde existe uma palavra insubstituível para isso,
schadenfreude, a alegria secreta de ver a desgraça dos outros.
A
pressão da Alemanha fez com que a Agência Europeia de Medicamentos
antecipasse em uma semana, para a próxima segunda-feira, o início da
vacinação.
“Sejamos
prudentes e pacientes, mas confiantes”, apelou o primeiro-ministro
francês, Jean Castex. A última palavra é a mais importante. Ao contrário
da Alemanha, onde a demora da vacina provoca ansiedade, na França
cartesiana existe uma enorme fatia da opinião pública que não quer tomar
a vacina.
Segundo uma recente pesquisa, 59% dos franceses não fariam a imunização, um dos maiores níveis de rejeição do mundo.
Nos Estados Unidos, 40% dizem que tomariam a vacina assim que disponibilizada e 44% que esperariam um pouco antes de tomá-la.
O
vice-presidente Mike Pence vai tomar a vacina amanhã, em público, para
incentivar os relutantes. Num recorde dramático, os Estados Unidos
registraram 3 700 mortos na quarta-feira.
O
tão esperado milagre de Natal está sendo confrontado com a realidade e o
vírus tem boas chances de sair ganhando, pelo menos no curto prazo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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