Há os que acalentam sonhos de eliminação dos que pensam diferente. Mas será que existe uma alternativa que não o silêncio forçado do adversário? A crônica de Paulo Polzonoff para a Gazeta do Povo:
Chegou
às minhas mãos na segunda-feira o comunicado de um conhecido dizendo
que tinha rompido várias relações por causa de política e que não se
arrependia disso. “São pessoas más”, concluía o missivista sobre aqueles
que têm uma opinião diferente da dele em questões como racismo,
transexualidade e pandemia, para em seguida desfiar todo um novelo de
vitimismo. O conhecido, obviamente, adere ao consenso artificial do
progressismo, do politicamente correto e do socialismo com únicos (e
convergentes) caminhos para se alcançar a felicidade.
O
tempo passa, o tempo voa e eu, sem querer, não consegui parar de pensar
na mensagem dessa garrafa de aresta afiadas jogada ao mar. Na
arrogância que é considerar a opinião contrária ou dissidente fruto de
uma maldade inata. Lembrei da passagem do “quem não tem pecado que atire
a primeira pedra” e me dei conta de que o problema está justamente em
identificar o pecado em si mesmo e, depois, se relacionar de uma forma
sadia com esse pecado. Ou seja, sem a culpinha burguesa expiada por meio
do apedrejamento.
Pensei
ainda nessa terrível tendência que temos de procurar culpados para os
dissabores da nossa vida. Se fomos demitidos, a culpa é do Bolsonaro ou
da Dilma. Se ficamos doentes, a culpa é da China ou, mais uma vez, de
Bolsonaro. Se a tela do computador quebra é porque o capitalismo
predatório economizou dez centavos na produção do equipamento - e também
é culpa do Bolsonaro, por que não? Se não tenho uma conversa animada
com meus amigos é porque eles são inerentemente maus. E assim por
diante.
Ora,
ninguém chega a quatro décadas de vida sem sofrer alguns revezes na
vida e sem se arrepender de começar uma frase com “ora”. Por isso fiquei
me perguntando quantas vezes, em meu processo eternamente incompleto de
amadurecimento, usei do expediente de culpar os outros, conhecidos e
até desconhecidos, de ascensoristas a deputados e até presidentes desta
ou de outra república, pelos meus infortúnios menores e passageiros. Mas
o pior viria em seguida.
Experiência de quase morte
Foi
quando, ao passear rotineiramente pelas cercanias, como faço sempre que
termino o trabalho, me peguei procurando uma solução para o impasse do
convívio harmônico entre ideias diferentes. É, eu tenho dessas. Ando
pela rua e às vezes acaricio um gato vira-lata, às vezes olho as moças
de vestidos coloridos, às vezes bato um papo com um mendigo. Mas às
vezes também me fecho em elucubrações que são becos sem saída. E quase
morro atropelado.
Sério.
Ontem eu andava pensando nessas coisas e estava praticamente chegando a
uma conclusão que revolucionaria o convívio entre os diferentes e
apaziguaria o coração do ressentido que deu origem a essa reflexão toda
quando ouvi uma buzina que me salvou de um atropelamento, mas quase me
matou de susto. Pedi desculpas a um motorista enfurecido com aquele
pedestre vagabundo (palavras dele!) que não sabe por onde anda e segui
com meu passeio. Mas a solução acabou se perdendo no emaranhado de
sinapses, umas mais, outras menos úteis.
Antes
da buzina e do susto, porém, eu pensava na solução que certamente passa
pela cabeça dessas pessoas que consideram as outras más por pensarem
diferente: a eliminação pura e simples. Sim, porque a alternativa à
eliminação do homem “mau” seria a transformação dele, pelo
convencimento, em homem “bom”. O que é inviável para uma pessoa que
considera os adversários "pessoas más". E porque a transformação pela
força, seja ela por meio de uma estadia nada agradável num campo de
reeducação, de sessões de tortura ou do contemporaníssimo cancelamento,
nunca dá certo.
Mas,
se eliminarmos todas essas “pessoas más” que discordam da gente, o que
teremos? É Paraíso ou inferno que se chama esse lugar? Imagine a
“delícia” que seria abrir as redes sociais todas as manhãs e se deparar
com aquele marasmo de concordância. Que seria sair para votar sabendo de
antemão que o seu candidato, que todos concordam ser o melhor em tudo,
está eleito. Que seria ir ao estádio e concordar com todas as
substituições do técnico do seu time na goleada que ele sofreu para um
adversário que jogou pior, mas teve sorte nos lances decisivos.
É
na discordância respeitosa que o homem prospera. Sempre foi. João, é
melhor semear aqui, diz o Joaquim. Joaquim, é melhor semear ali, diz o
João. E juntos eles chegam a um acordo sobre qual o melhor lugar para
semear. E assumem os riscos e a responsabilidade pela semeadura. E
colhem os frutos bons ou maus de suas escolhas feitas com a melhor das
intenções, mas nem sempre acertadas. Porque o erro também tem um
objetivo nobre, que é o de ensinar.
Para
isso, contudo, é necessário que haja, no João e no Joaquim, vontade
humilde e sincera de aprender. O que me traz a uma pergunta que faço
desde que me entendo por gente e subia as ladeiras do Bairro Alto para
desafiar a morte na banguela – e sem as mãos: por que algumas pessoas
estão sempre insatisfeitas com o que sabem enquanto outras se dão por
satisfeitas com seu conhecimento a ponto de impô-lo aos outros?
— Biiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Olha por onde anda, seu maluco!
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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