Coordenador e símbolo da operação que mudou o Brasil, o procurador
Deltan Dallagnol deixa a força-tarefa, que muda de mãos e terá mais
influência de Brasília. Reportagem de capa da Oeste, por Silvio Navarro:
No final de 2015, quando milhares de brasileiros comemoravam nas ruas
a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, na
esteira de uma onda de manifestações em defesa de uma faxina política no
país, um enorme cartaz foi estendido sobre as vidraças do pomposo
edifício da Procuradoria-Geral da República em Brasília.
“#CorrupçãoNão”, dizia a faixa, em alusão ao lançamento do site www.combateacorrupcao.mpf.mp.br,
por meio do qual os cidadãos passaram a poder registrar denúncias, ter
acesso a ferramentas de controle de gastos públicos e revisitar casos
como Banestado, Sanguessugas e Mensalão, que retratam um velho Brasil.
Além do processo em curso contra a presidente petista na Câmara dos
Deputados, o país também convivia com a euforia de uma operação do
Ministério Público de Curitiba (PR) que parecia varrer um a um
políticos, empreiteiros e operadores que sangraram os cofres públicos
durante décadas. A Lava Jato não só destronou essa quadrilha como
continuou levando multidões às ruas em defesa do fim da corrupção.
Eram outros tempos. Passados seis anos e 72 fases do início da
operação, ela parece arrefecer a passos largos. Na avaliação de
integrantes do próprio Ministério Público e de alguns advogados, a saída
nesta semana do procurador Deltan Dallagnol, que liderava a força-tarefa, pode ser a resposta definitiva à pergunta que muitos fazem até hoje: a Lava Jato terá um fim?
“Deltan honrou o Estado do Paraná permitindo que pudéssemos assumir
uma posição de destaque no combate à corrupção, o que muito nos
orgulha”, afirmou a procuradora-chefe do MPF no Paraná, Paula Cristina
Conti Thá.
Pressionado por quase duas dezenas de representações que questionam
sua atuação no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Dallagnol
vinculou sua decisão à necessidade de cuidar do tratamento médico da
filha, o que é um motivo indiscutível. A escolha do seu sucessor,
Alessandro José Fernandes de Oliveira, contudo, deixa dúvidas sobre o
controle das investigações. Oliveira integra o grupo do Ministério
Público que orbita ao redor do procurador-geral da República, Augusto
Aras, e da procuradora Lindôra Maria Araújo. É um especialista nas
chamadas delações premiadas — como a do ex-dirigente da empreiteira OAS
Léo Pinheiro, amigo do ex-presidente Lula. Caberá a Aras dar a palavra
final sobre renovar ou não o tempo de trabalho da força-tarefa de
Curitiba — que expira no próximo dia 10 de setembro.
No mesmo dia, a subprocuradora-geral da República Maria Caetana
Cintra Santos, do Conselho Superior do Ministério Público Federal, pediu
a extensão da operação por mais um ano. A decisão foi monocrática, sem o
aval do Conselho Superior. O argumento do grupo favorável à
continuidade é que há acordos de leniência e cooperação em curso que
podem resultar em R$ 3 bilhões.
Movimentos sociais e grupos de procuradores apontam riscos para o futuro da operação
Nos bastidores de Brasília, a aposta é que Aras deve esticar a
permanência do grupo de trabalho na semana que vem, até que tome corpo a
proposta de criação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (Unac),
um órgão que unificaria as forças-tarefas, subordinado à Brasília — o
que poderia resultar em perda de autonomia de equipes como a que atua há
seis anos em Curitiba.
“Não acredito que haja algo orquestrado nesse sentido, seja por
pessoas, por instituições e muito menos por autoridades”, disse
Alessandro Oliveira em entrevista à CNN.
A opinião de milhares de pessoas nas redes sociais e de alguns
movimentos que foram às ruas no passado é diferente. O Vem Pra Rua,
conhecido por ser “lava-jatista”, organizou carreatas em 20 cidades para
o próximo domingo, 6. “O movimento não poderia assistir inerte às
seguidas tentativas de desmonte da operação, que vêm ocorrendo
sistematicamente, seja por parte de ações do Ministério Público e do
ministro da Justiça, seja por perseguição e campanhas regulares de
difamação dirigidas aos principais atores da operação”, diz o ato de
convocação.
Outra reação foi o pedido de demissão coletiva de sete procuradores
da Lava Jato que atuam em São Paulo. Em ofício endereçado ao
procurador-geral da República, apontaram “incompatibilidades insolúveis
com a atuação da procuradora natural dos feitos da referida
força-tarefa, dra. Viviane de Oliveira Martinez”, indicada por Aras.
Também argumentaram em documento encaminhado ao Conselho Superior do
Ministério Público Federal que Martinez “não teve qualquer iniciativa no
sentido de chamar reuniões para compreender quais as linhas de
investigação que vinham sendo conduzidas […] e que, não bastassem essas
omissões, em dado momento a atual titular do 5º ofício passou a adotar
ações que, na prática, foram criando obstáculos ao trabalho que vinha
sendo desenvolvido”.
Embate entre Brasília e Curitiba — nomes graúdos no meio da crise
A troca de guarda na matriz da Lava Jato ocorre num cenário de embate
entre a equipe que Dallagnol chefiava e o time de Aras. O estopim da
crise foi o envio de uma diligência de Brasília para buscar informações
colhidas no Paraná, procedimento autorizado pelo presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, depois revisto pelo relator da
Lava Jato na Corte, Edson Fachin. No ofício, a Procuradoria-Geral da
República justificava o acesso aos documentos “com o objetivo de obter
as bases de dados estruturados e não estruturados utilizadas”.
A canetada de Toffoli, com a chancela de Aras, jogou luz sobre
suspeitas de que os procuradores poderiam ter rastreado informações
incômodas aos integrantes do STF ou aos presidentes da Câmara, Rodrigo
Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ambos citados na
lista de codinomes das empreiteiras corruptas, porém detentores do
chamado foro privilegiado.
“A situação já estava difícil fazia muito tempo, com diversas
decisões negativas à operação no STF. E o procurador-geral piorou essa
situação. Os poderosos não têm interesse na manutenção da Lava Jato”,
afirma uma ex-integrante da força-tarefa.
O anúncio de Dallagnol, aliás, teve enorme repercussão nas redes
sociais — com uma série de manifestações de apoio por sua atuação e
também festejos pela saída. Sobre o legado da maior ação anticorrupção
da história, os números apresentados a seguir falam por si sós. Sobre os
críticos, basta uma rápida olhada na trajetória política de quem
comemorou.


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