MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

PARLAMENTO QUE NÃO PARLAMENTA

por Percival Puggina. Artigo publicado em

 No início dos anos 60, estudante secundarista em Porto Alegre, eu escapava da zoeira característica do apartamento em que moravam o casal Puggina e seus sete filhos e ia refugiar-me naquele que, na minha perspectiva, era o melhor lugar do mundo para estudar: a Biblioteca Pública do Estado. Ali eu encontrava escrivaninhas livres e silêncio obrigatório, controlado por uma bibliotecária cujo olhar se fazia severo ao mais tênue sussurro. A uma quadra de distância ficava a Assembleia Legislativa do Estado, ainda funcionando no velho prédio de 1790. Era para lá que eu ia, findas as tarefas escolares, com livros e cadernos debaixo do braço. Sentava-me nas galerias e assistia, com prazer, os debates que se travavam entre os deputados.
 Faço esta menção para dizer quanto aprendi sobre democracia e vida pública naquelas sessões do parlamento gaúcho. Ali, homens de inteligência e cultura (sim, à época esse era o perfil mais comum dos deputados) debatiam os temas estaduais e nacionais e, nesse afã, faziam a política de seu gosto. Eu participava dela, em escala estudantil, no Colégio Júlio de Castilhos, onde também tínhamos nossas assembleias. Aprendia em ambas sobre a importância do parlamento e da ação parlamentar. Aquilo era significativo! O debate entre posições antagônicas trazia a verdade à superfície. Em 1963 meu pai entraria para aquele plenário onde atuaria, com destaque, por 16 anos. Minha vida, porém, seguia noutra direção.
  Nunca tive dúvidas, contudo, sobre a importância dos parlamentos, ainda que padecendo das perdas qualitativas de representados e representantes. Não concordo com aqueles que dizem ser melhor manter os parlamentares em casa porque, como gafanhotos, fazem menos mal quando dispersos. Tivemos uma experiência assim com o AI-5. Ele fechou os parlamentos do país durante dez meses, entre dezembro de 1968 e outubro de 1969. Lembro-me bem disso. Foi desligado o disjuntor do contraditório; o parlamento ficou às escuras; os parlamentares não parlamentaram. E avultou a desinformação.
Entre as rotinas inusitadas destes nossos dias de covid-19 está a dos parlamentos que não parlamentam e suas consequências. A falta de debate favorece a ocultação da verdade e das posições pessoais, a construção da versão, a insegurança sobre as motivações, a proliferação das suspeitas, a relevância dos palpiteiros de plantão. Saibam quantos me leem: isso é gravíssimo! Estamos há seis meses sem o barulho dos plenários, sem o noticiário de corredor. Para quem quer desinformar ou ocultar algo, nada melhor do que uma sessão em quadrinhos.
 Temo pelas consequências políticas deste prolongado silêncio. Sinto-me realmente num déficit democrático.
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Integrante do grupo Pensar+.

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