O Pantanal queima e inunda há séculos, num ciclo virtuoso para o
ecossistema. Mas isso não impede a esquerda de instrumentalizar a
questão, escreve Paulo Polzonoff Jr. em sua crônica diária para a Gazeta do Povo:
Todo inverno é a mesma coisa. Há milênios – e muito antes de haver
seres humanos por essas bandas. Uma imensa planície alagável, quase no
centro geográfico da América do Sul, depois de meses de estiagem, pega
fogo. No verão, depois de chuvas dignas de um dilúvio, ela inunda. E
depois pega fogo. E inunda. E não adiantará nada tirar de lá todas as
pessoas, fazer uma cerca bem alta e talvez até colocar uns barcos
militares do Greenpeace para patrulhar os rios próximos. O ciclo vai se
repetir, independente da minha vontade, da sua ou da Greta Thunberg.
Ah, mas neste ano os incêndios estão acima do normal. Prova
incontestável de que o homem pantaneiro é um piromaníaco incorrigível.
Ou que o governo fascista faz vistas grossas a garimpeiros, grileiros e
pecuaristas viciados no cheiro do Pantanal queimando ao amanhecer. Não
passa pela cabeça desses arautos da catástrofe ambiental que este foi um
ano atipicamente seco na região. E que a ação humana é apenas um
elemento a mais neste ciclo natural de destruição e renascimento.
Flora e fauna estão adaptadas. Sim, dá peninha ver fotos de animais
tostados ou mortos por inalarem fumaça. Agora mesmo, ao fazer uma pausa
durante a escrita deste texto, acabo de ver a triste imagem de uma linda
onça-pintada que precisou ter as patas enfaixadas. Mas convém,
novamente, ter um pouco de perspectiva darwiniana. O Pantanal e as onças
que o habitam enfrentam o fogo e a água todos os anos há séculos e
séculos. Umas morrem; outras tantas sobrevivem.
Entendo que hoje em dia seja uma tentação quase irresistível pôr a
culpa no homem branco do mal. No chucro semicivilizado que invadiu a
natureza pristina e tirou o sossego de tuiuiús, jacarés e sucuris. Tudo
para criar bois que depois serão “assassinados” para alimentar os
malvadões consumidores de carne. Tudo pelo vil metal. Ah, antes é que
era bom!, pensa o xiita ecológico com seu reacionarismo socialmente
aceito.
Uma pena que os fatos insistam em refutar tanto bom-mocismo. Porque
antes da chegada do malvado homem branco os índios, ou melhor, os
nativos, ou melhor, os brasileiros-natos já botavam fogo nas roças para
limpar o terreno (coivara). Mas imagine o nó que dará na cabeça do
ambientalista quando ele descobrir que a agropecuária moderna, aquela
mesma que usa agrotóxicos e que maneja cientificamente a terra e os
animais, é a que mais protege ecossistemas sensíveis.
É muito fácil cair no sentimentalismo ecológico, embora ele não
condiga com a lógica mais elementar do próprio capitalismo agrário. Para
um pecuarista do Pantanal, este mesmo que agora está sendo acusado de
pôr fogo no mato porque talvez sofra de “piromania patriarcal” ou coisa
assim, as queimadas representam prejuízo em imagem e em insumos. Sem
pasto (porque o fogo não consome apenas a plantinha nativa), o gado é
obrigado a ficar confinado, comendo ração. E com o comprador estrangeiro
todo revoltadinho, não há como ele vender sua produção.
Lógica, porém, não rende likes, emojis lacrimejantes ou embargos de
países importadores de carne (que agora está na moda chamar de
proteína). Tampouco serve de sustento à narrativa primitivista segundo a
qual a tecnologia está a serviço da destruição do meio ambiente e só o
conhecimento dos povos nativos será capaz de nos salvar. Aliás, vai um
golinho de cauim?
Os psolistas Marcelo Freixo e Sâmia Bonfim já correram para acusar o
governo de Jair Bolsonaro de botar fogo no Pantanal. Talvez o próprio
presidente tenha ido lá e jogado uma bituca de cigarro acesa no mato
seco. Só para ver o bioma pegar fogo. Fico me perguntando o que eles
proporão quando, daqui a alguns meses, o verde retornar às áreas
naturalmente queimadas e quando os rios e lagoas transbordarem e os
bichinhos deixarem de morrer queimados para morrerem afogados. Será que
as inundações também são causadas por um homem branco cis hétero
desalmado que esqueceu a torneira aberta?
Até entendo que os populistas de esquerda façam uso dessa narrativa
sem qualquer conexão com a realidade, sem qualquer base na ciência que
eles só obedecem quando convém. Afinal de contas, rende votos, sobretudo
do jovenzinho urbano que acha que leite brota de árvore, que o ovo
surge de uma máquina que mistura gema e clara numa embalagem frágil de
cálcio, e que a carne simplesmente surge na prateleira do supermercado. E
note que citei itens que uma pessoa plenamente consciente e em sintonia
com Gaia jamais consumiria.
O que não entendo é ver essa historinha para boi (do Pantanal) dormir
replicada por pessoas esclarecidas, que sabem que basta abrir o
computador e fazer uma pesquisa rápida para descobrir que o Pantanal
pega fogo e inunda desde que o mundo é mundo. Ou melhor, entendo.
Afinal, o barulhinho dos aplausos é muito sedutor.
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BLOG ORLANDO TAMBOSI
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