No momento, tudo indica que os recursos militares e de segurança nacionais não são suficientes para garantir a retomada e manutenção das áreas afetadas pelo terrorismo jihadista internacional. Artigo de Jaime Nogueira Pinto para o Observador:
A
crise que se vive no Norte de Moçambique, com a assustadora progressão
dos elementos jihadistas que vão ocupando, com alguma continuidade,
localidades como Mocímboa da Praia, constitui uma pesada ameaça para o
futuro do país. E vem chamar a atenção para aquele que continua a ser o
problema mais grave da África subsaariana: o défice de segurança em
muitos dos Estados.
É
um círculo vicioso e viciado. A pobreza e o subdesenvolvimento de
muitas regiões, a persistência e predominância de vínculos e lealdades
tribais ou clânicas sobre outros vínculos, nomeadamente nacionais e
estatais, a corrupção endémica de algumas burocracias, criam fenómenos
que a corrente pandemia vem agravar.
A15
de Setembro, o continente africano tinha um registo de 1.360.366 casos e
de 32.789 mortos, sendo os países mais atingidos em termos de vítimas a
África do Sul, o Egipto, a Argélia, Marrocos e a Nigéria. A lista de
contaminados seguia mais ou menos esta ordem, mas a Etiópia figurava em
4º lugar, com mais de 60 mil casos. Para termos uma noção relativa das
coisas, a Itália, com mais de 35 mil mortos, contava, nessa data, com
mais vítimas do que toda a África.
Isto
para lembrarmos que os flagelos tradicionais de África – a fome e a
subnutrição, as guerras, a insegurança e outras epidemias, como a SIDA, a
Malária, o Tifo e a Cólera – continuam a matar infinitamente mais gente
do que a Covid.
Voltando
a Moçambique. O problema de insegurança que o país apresenta, tem raiz
numa agressão externa, político-religiosa, agravada por fenómenos de
narcotráfico e outros ramos de crime organizado e por dissidências
tribais. Segundo algumas teorias que podem aparecer como conspiratórias
mas que traduzem uma possível realidade, tudo isto pode também estar a
ser alimentado por interesses económicos, que pretendem adiar ou evitar a
entrada no mercado de um concorrente. Ou seja, a grande riqueza em
hidrocarbonetos, neste caso no gás natural do off-shore de Cabo Delgado,
pode também estar na raiz da campanha que o país vem sofrendo.
O Nuno Rogeiro, que estudou as várias fases da agressão e do progresso da guerrilha no seu livro O Cabo do Medo: o Daesh em Moçambique (Junho de 2019-2020),
diz-nos que esta guerra silenciosa já causou milhar e meio de mortos,
milhares de feridos e dezenas de milhares de deslocados e que os números
estão em escalada. Mas o que também ressalta do livro de Rogeiro e de
uma atenta análise da história do conflito é a fragilidade dos corpos de
defesa e a consequente vulnerabilidade da segurança.
Da
minha ligação ao processo de paz e reconciliação nacional em
Moçambique, lembro-me que, mal se concluiu a paz, se pôs desde logo a
impossibilidade de cumprir uma das directivas dos Acordos de Roma –
criar um Exército de 30 mil homens a partir das forças militares e dos
guerrilheiros. E tal não foi possível pois não houve, de parte a parte,
voluntários suficientes para o fazer. Mais tarde, os quadros militares
superiores oriundos da RENAMO foram sendo marginalizados ou
marginalizaram-se e houve um clima de crescente desconfiança.
Isto
em contraste com a situação em Angola onde, a partir da guerra, se
daria uma integração dos oficiais da UNITA nas FAAS, criando confiança
entre vencedores e vencidos da guerra civil, ou seja, mitigando a
desconfiança.
O
presidente Nyusi procurou melhorar a situação e conseguiu recuperar um
bom entendimento com Afonso Dhlakama. Mas com a morte brusca do líder da
RENAMO, com uma crise diabética, e um processo de eleição do sucessor
que acabou contestado, nasceu uma nova dissidência na RENAMO, que actua
agora no centro do país.
Moçambique
está assim a braços com uma crise muito séria: além dos problemas que a
partir de 2014 começaram a atingir e a desgastar a sua boa imagem –
como o dos chamados empréstimos fantasma –, sofre agora a com a expansão
regional da pandemia, que faz estragos na vizinha África do Sul, e o
terrorismo jihadista internacional, que ali encontrou uma área
vulnerável para ensaiar uma penetração na África Austral.
A
estratégia de resposta terá de ser de várias ordens. De momento, tudo
indica que os recursos militares e de segurança nacionais não são
suficientes para garantir a retoma e manutenção das áreas afectadas.
Essa reconquista e conservação do terreno requer meios humanos e
materiais de vulto, que devem ser seguidos e acompanhados por uma acção
psicossocial junto das populações que as traga de volta para apoiarem a
lei e a ordem. Para tal, precisam de segurança, isto é, da garantia de
que, uma vez restituído o poder ao Estado, a ordem, a lei e a segurança
que garantem a normalidade sejam repostas – e que não vão ser deixados à
sua sorte e sofrer retaliações e vinganças dos terroristas.
Conseguido
isto, é preciso um apoio efectivo à melhoria do seu quotidiano. Até
porque, até agora, as populações que sofreram deslocações forçadas em
função dos projectos ligados à exploração do LNG não parecem ter sido
beneficiadas ou sequer compensadas. O que não deixa de ser revoltante
para gente de fracos recursos que se vê deixada à sua sorte enquanto à
sua volta se criam e expandem grandes riquezas. E a subversão explora
sempre estas situações.
Na
ausência ou deficiência desta capacidade pública, a tentação do Estado
pode ser confiar às companhias privadas a gestão da segurança e dos seus
interesses, isto é, do seu pessoal e dos seus limites territoriais de
crescente exploração. É aquilo a que alguns estudiosos chamam “economia
de enclave”, e que foi comum nestas regiões nos tempos coloniais, ou até
de pré-ocupação efectiva. Mas aí a soberania do Estado recua e
fragmenta-se.
Finalmente
há a solução da protecção externa por terceiros, regionais ou
internacionais. Se bem que a Pandemia absorva uma parte muito
significativa da atenção dos Estados, a vida tem de continuar e o
inimigo jihadista tem de ser combatido. Do mesmo modo que há várias
missões internacionais a intervir e a ajudar situações deste tipo – como
no Tchade ou na República Centro Africana –, fazia sentido que, quer a
nível da região (SADC), quer a nível internacional multilateral, dentro
dum critério de luta anti-terrorista global, se pensasse na melhor forma
de apoiar Moçambique e coordenar forças internacionais, regionais,
nacionais e a própria segurança das empresas exploradoras para evitar o
caos.
Nos
últimos dias, parece que o governo moçambicano formulou um pedido de
ajuda a nível regional e global. Mas para que tudo se passe de acordo
com as regras e as boas práticas, é preciso esclarecer e reprimir os
actos de violência e violação dos direitos humanos das populações por
elementos das forças “estabilizadoras”. Embora neste tipo de “guerras
sujas” seja difícil evitar em absoluto casos deste género, os elementos
do Estado ou ao seu serviço não podem comportar-se assim com as
populações. Deste modo, não só tornarão mais difíceis os apoios, como
estarão a lançar o seu povo nos braços da guerrilha.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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