O quarto ministro da Educação do governo Bolsonaro concedeu entrevista à Gazeta, que segue na íntegra:
Nomeado
em 10 de julho, Milton Ribeiro, ministro da Educação, tem fugido dos
holofotes. O quarto a chefiar a pasta sob a gestão Bolsonaro, Ribeiro
chegou ao MEC com a promessa de pacificar ânimos exaltados, e garante
que assim tem sido: “Não sou o dono da verdade, vou ouvir a todos”. O
ministro recebeu a Gazeta do Povo em seu gabinete, em Brasília, nesta
segunda-feira (14), e concedeu a primeira entrevista exclusiva a um
jornal do país.
Mesmo
ressaltando a importância do diálogo, a postura no comando da pasta
ficou clara: “Contudo, a decisão final que prevalecerá é oriunda da
eleição de 2018”, afirmou Ribeiro. “O povo escolheu Bolsonaro, por voto,
porque queria alguma coisa diferente”.
Enquanto
o MEC tem sido cobrado para coordenar uma estratégia para a volta às
aulas, em um contexto de pós-pandemia, o ministro também destacou que a
gestão do retorno é responsabilidade de estados e municípios, como
determinou o Supremo Tribunal Federal (STF). "Apesar de todos esperarem
uma diretriz da pasta, o STF já determinou que o ministério não manda.
Não podemos ficar nos intrometendo", diz.
À
Gazeta do Povo, Ribeiro também falou sobre os desafios estruturais da
Educação do país, tais como o baixo desempenho dos alunos da educação
básica, a qualidade insuficiente da formação de professores e a guerra
cultural que permeia o ambiente acadêmico.
Leia a íntegra da entrevista:
O
senhor tem histórico em uma instituição que está entre as mais
conceituadas do país. Quais são suas principais experiências no campo da
educação?
Minha
decisão, no passado, ao invés de entrar para uma linha de
aperfeiçoamento na área teológica - natural de quem faz Teologia -, foi
optar pela área não ideológica, mas a área comum. Fiz meu mestrado em
Direito Constitucional e Doutorado em Educação, já que, na época, eu era
vice-reitor da universidade [Mackenzie]. Eu queria ter uma visão mais
aprofundada da área de Educação. Por isso a escolhi. Essa é minha
trajetória.
Como isso contribui com sua gestão do MEC?
Eu
não diria que o MEC é a pasta mais complicada, mas é o mais complexo
dos ministérios. Em primeiro lugar, há uma visão equivocada, por parte
das pessoas, de que o MEC é o responsável pela educação. Nós somos, no
máximo, indutores de políticas educacionais. O ensino infantil e a
educação dos primeiros anos, via de regra, deveriam ser responsabilidade
dos municípios. O ensino médio, dos estados. O MEC não tem poder de
gestão sobre isso e, quando vê que algo está errado lá na ponta, não tem
nenhuma capacidade de ingerência.
Quando
o ensino vai mal, as pessoas falam que a culpa é do governo. Porém,
quando muito, somos responsáveis pelas políticas, por alguns conteúdos
e, por fim, por repassar grande parte dos recursos a estados e
municípios, através do Fundeb – [cuja contribuição da União] saiu de 10%
para 23%, e isso terá um impacto muito positivo na ponta.
Os
indicadores da educação básica brasileira não são animadores. Alunos
ainda figuram nas últimas posições do Pisa e, além disso, mais da metade
das crianças chega o 3º ano do ensino fundamental sem saber ler,
escrever ou fazer contas. Em sua perspectiva, quais são as prioridades
da pasta neste momento? E quais são os maiores desafios?
A
política passada era focada em ensino superior e legou-se ao ensino
infantil apenas questões quase sociais, como estrutura, comida, merenda.
O ensino foi relegado a uma posição acessória. Não quero esquecer da
universidade, mas vou me voltar ao ensino básico, porque não se constrói
uma casa pelo telhado, mas pelo alicerce.
Alunos
egressos da escola pública sofrem muito pela maneira como eles têm sido
ensinados. Há estudantes que, com nove anos, são analfabetos. Pelo
último Pisa, descobrimos que há meninos de 15 anos que não sabem fazer
uma regra de três simples e são analfabetos funcionais.
Em
geral, universidades federais não fazem barulho a respeito da educação
infantil porque elas têm privilégios, tais como o sustento do governo
federal e, devido à seleção do vestibular, de 10 [estudantes], elas
pegam, digamos, a matéria-prima de primeira. Há faculdades, como
Medicina, que têm mais de 100 candidatos por vaga. Imagine: de 100
meninos, a universidade seleciona um. Quando alunos com baixo desempenho
chegam até o vestibular, a universidade diz que não é problema dela,
mas, sim, do MEC.
Como tem sido o diálogo do MEC com ONGs, empresas de educação e com a comunidade acadêmica em geral?
Hoje,
por exemplo, estou sendo criticado na mídia por ter tido uma reunião
com uma fundação tida como de esquerda e crítica ao governo. Dias atrás,
recebi uma professora do PT no meu gabinete. Eu tenho que ouvi-los,
mesmo que não aproveite tantas coisas. Eles têm legitimidade, precisam
ser ouvidos.
Logo
nas minhas primeiras decisões, fui elogiado por representantes da
educação, recebi vários e-mails. Eles precisam ser ouvidos. Uma das
minhas primeiras reuniões foi com a Andifes, por exemplo, que reúne, em
grande parte, representantes de esquerda. Ficou claro que não iríamos
concordar com tudo e que minha visão de mundo é diferente. Mas em uma
coisa concordamos: todos querem o melhor para a educação.
Mas
como superar as notórias diferenças políticas e ideológicas entre
governo e organizações que trabalham com educação, muitas delas
parceiras do MEC em outros momentos?
Primeiro,
ouvindo. Eu não sou o dono da verdade, vou ouvir a todos. Contudo,
deixo claro que a decisão final, que prevalecerá, é oriunda da eleição
de 2018. Não tem como ser diferente. Eles tiveram a oportunidade deles,
durante 13 anos, sob uma visão mais à esquerda. Agora, estamos em outro
momento, justamente com uma nova visão. O povo escolheu Bolsonaro, por
voto, porque queria alguma coisa diferente.
O
MEC tem sido cobrado para coordenar uma estratégia para o retorno das
atividades escolares. Até onde o ministério pode ir e o que está sendo
feito?
Tivemos
coisas positivas. Até pouco tempo, havia uma discussão muito forte
sobre o homeschooling, modelo que era muito criticado, mas, agora, as
pessoas estão vendo que ele funciona. Com relação ao retorno, vamos
emitir um novo protocolo em breve. Embora todos esperem uma diretriz do
MEC, o STF já determinou que o ministério não manda. Não podemos ficar
nos intrometendo.
O que deve mudar com relação ao último protocolo da pasta, ministro?
O
protocolo de higiene sanitária terá de ser reformulado em comparação
com o primeiro. Mas como fazer uma regra única para o retorno em um país
continental como o nosso? Estamos com crise em Minas; e lá em Manaus,
por exemplo, não mais. Mesmo que eu quisesse, a decisão final é dos
entes federados. O máximo que podemos fazer é emitir uma opinião e
subsidiar financeiramente.
Em
seus primeiros discursos, o senhor enfatizou a importância da figura
docente e lembrou das dificuldades que um professor enfrenta no chão da
escola atualmente. O que a pasta pretende fazer para valorizar os
professores?
Através
de uma metodologia interessantíssima, o Inep reuniu, recentemente,
todos os dados de salários de professores. Acabamos descobrindo que
alguns estados pagam, e muito. Outros, não pagam nada. Há estados que
podem falar que não, mas essa é a verdade. Outros estados pagam muito
bem, às vezes muito acima daquilo que a lei determina e, mesmo assim, há
sindicatos que entram em greve. Temos conhecimento de professores que
ganham R$ 12 mil.
Professores da educação básica?
Sim.
E como o MEC pretende agir diante disso? Como equilibrar essa discrepância a fim de valorizar a profissão?
Primeiro,
precisamos desconstruir alguns discursos e, quanto a aqueles [estados]
que estão pagando abaixo do piso legal, nossa intenção é vincular essa
exigência à regulamentação do Fundeb.
Por
outro lado, o que fazer para melhorar a formação de professores e o
contexto das faculdades de Pedagogia que, pelo menos nos últimos 20
anos, permaneceram refratárias aos achados científicos?
Teremos
parcerias com a Capes para dar treinamento aos professores e queremos
vincular isso ao Fundeb. Não vale a pena, hoje, fazer licenciatura,
tendo em vista que o professor ganha muito mal. É um grande desafio. O
que quero fazer, ao longo do tempo, é tirar o protagonismo do aluno, do
método, do ensino e da estrutura. O mais importante é o professor. Se o
docente é bom, ele reúne alunos embaixo da árvore e dá uma ótima aula.
Mas o protagonismo do professor se perdeu ao longo dos anos.
As
melhores cabeças não querem ser professores. Para ganhar tão pouco,
pela remuneração não satisfatória e não digna, essas pessoas pensam em
ser outra coisa na vida. Só permanecem mesmo os idealistas.
O
senhor acaba de citar uma parceria com a Capes. Há planos de melhorar a
formação continuada, então? E quanto à formação inicial?
Existem
duas palavras que são tabu na vida universitária: autonomia
universitária e autonomia pedagógica. Eu não posso entrar em uma
universidade e dizer que vou mudar a ementa do curso, pois eles possuem
autonomia sobre isso.
Como o senhor analisa a chamada guerra cultural no ambiente acadêmico?
O
que aconteceu foi que grupos mais à esquerda entenderam, através do que
se chama de marxismo cultural, que esse era um caminho de entrar na
mente e no coração da população. Eles investiram tempo e há, inclusive,
projeto sobre isso. Entraram através do ensino, da escola, desde os
pequenos até as universidades. Muitas instituições estão repletas dessa
visão de mundo. Eu sou partidário dessa visão [contra a ideologização do
ensino]. Há, sim, uma guerra cultural.
A
luta contra a ideologização do ensino foi uma das principais bandeiras
sob a gestão anterior. O senhor pretende atuar nesse sentido?
Eu
sou uma espécie de maestro, mas ninguém é obrigado a seguir os meus
movimentos. O que eu puder fazer, eu farei. Precisamos, por exemplo,
reestudar a BNCC. Há muitos interlocutores que viram que nós já
percebemos o problema, e o que eles puderem fazer para nos barrar, eles
farão.
O
MEC deve sofrer um corte de R$ 4,2 bilhões em 2021 e, em decorrência
disso, universidades terão R$ 1 bilhão a menos. Como o senhor tem visto a
proposta de orçamento da pasta para o próximo ano? Será possível fazer
educação com o que está previsto?
É
praticamente o segundo maior orçamento da Esplanada. Nunca será
suficiente, considerando todo o nosso atraso. Mas diante da pandemia, é o
que temos. Não quero deixar as universidades órfãs, não quero voltar as
costas para elas. Precisamos, por exemplo, voltar com a ideia de naming
rights. Os mais radicais podem achar um absurdo. Mas temos que caminhar
nesse sentido.
Cientometria:
os dados têm mostrado que o Brasil produz e investe em muitas pesquisas
científicas, ao passo que seu impacto é pífio. Especialistas apontam
que a grande produção de artigos por ano, causada pelo crescimento
descontrolado de recém-doutores, ofusca a qualidade desses estudos. Como
mudar isso?
Já
tenho sido cobrado a respeito disso. Precisamos abrir oportunidade para
que a ciência aplicada tenham maior incentivo. É o que quero fazer. O
grafeno, por exemplo, é uma área através da qual poderíamos ter muito
progresso.
Sua
nomeação causou estranhamento por parte de alguns educadores pelo fato
de o senhor também ser um pastor. Como o ministro responde às críticas?
Se
eu fosse apenas um pastor, tudo bem. Mas sou um pastor com mestrado e
doutorado em Educação. Estive 12 anos em uma grande instituição e tenho
três anos como vice-reitor.
Em
geral, quando se nomeia alguém, não é falada a religião da pessoa. Não
se fala, por exemplo, que "acaba de ser nomeado o ministro da ciência e
tecnologia que é um pai de santo". Acontece que estão assustados com o
número crescente de evangélicos. Somos quase 40% da população.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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