Parece
um filme de Hollywood. Não é um filme de Hollywood. A partir de 2024,
só haverá indicação ao Oscar de melhor filme para obras que promovam a
“diversidade”. Existem quatro exigências que a Academia divulgou. Os
filmes devem obedecer a pelo menos duas. Não vou cansar o leitor com seu
conteúdo. Simplificando, da trama aos atores, dos diretores aos
técnicos, sem esquecer os roteiristas, a ideia é atingir um determinado
porcentual de representação das minorias. Caso contrário, adeus Oscar.
Eu
prefiro dizer: adeus, arte. Não é grave. Fora de Hollywood, haverá
cinema em abundância para consumir. Como diria Humphrey Bogart, teremos
sempre Paris. Só estranho a forma eufórica como a medida foi recebida
pelos profissionais da sétima arte, eles que serão as primeiras vítimas
da nova ortodoxia.
Será
que não entendem que a existência de um código ideológico sancionatório
é uma ameaça à liberdade criativa? E que dificilmente encontrarão
trabalho, pelo menos nos grandes estúdios, se não se submeterem ao
chicote da “diversidade”?
O
ponto, ao contrário do que imaginam os novos zelotes, não está em
gostar ou desgostar da real diversidade. Muito menos em gostar ou
desgostar da justiça que ela deseja promover. Pessoalmente, prefiro
viver numa sociedade mais pluralista e justa a viver numa tribo
homogênea e radicalmente iníqua.
O
ponto é outro: tentar impor uma única concepção do mundo em matéria
artística não é um gesto pluralista ou justo. É uma repetição das
tristes experiências estéticas do século 20. Lemos as diretrizes da
Academia, em particular a determinação de que a trama do filme deve se
centrar em minorias raciais, sexuais ou étnicas, e lembramos de imediato
os prêmios da velha União Soviética. Quem não respeitasse os cânones do
realismo social podia dizer adeus a uma carreira. Ou, então, optar pelo
exílio, antes que a Sibéria batesse à porta. Com o fascismo, a mesma
coisa. Quantos artistas e escritores “decadentes” não tiveram de
abandonar a Alemanha porque se recusavam a aceitar as imposições do
ministro Goebbels em busca de uma cultura finalmente ariana?
Eis a moral da história: a verdadeira arte é sempre destruída quando a política mete a pata.
Mas
o novo código de Hollywood não é apenas um atentado à liberdade
artística. É uma exibição de virtude que não sobrevive a certos fatos.
Um deles lida com a relação cada vez mais próxima entre Hollywood e
Pequim. Informa a revista Economist que, em 2005, a China representava
US$ 275 milhões no faturamento da indústria de cinema. Em 2019,
representou US$ 10 bilhões. De igual forma, o número de salas de cinema
no país passou de 4 mil para 70 mil no mesmo período. Depois do mercado
americano, o mercado chinês é o segundo pulmão da indústria.
Isso
significa, em termos práticos, que o regime ditatorial de Pequim tem
uma palavra importante, e por vezes decisiva, sobre o conteúdo dos
filmes americanos que são exibidos na China. Não falo apenas da
proscrição de temas heréticos, como Tiananmen, Taiwan e Tibete (nenhum
dos grandes estúdios se atreve a tocar nesses três Ts). Falo de
conteúdos mais anódinos, como cenas de nudez ou representação de figuras
sacras, que são cortados com diligência e cobiça pela mesma indústria
que gosta de vender virtude aos outros.
Se
a defesa da “diversidade” é para levar a sério, será preciso recordar
que a China não é o melhor parceiro em matéria de democracia e direitos
humanos? E, falando de minorias, será preciso lembrar o triste destino
da minoria uigur, que apodrece nos campos de concentração de Xinjiang?
Pelo visto, é preciso: a Disney esteve em Xinjiang para filmar Mulan, o
blockbuster sino-americano de 2020. Estranhamente, não escutou nada e
não viu nada.
Parafraseando
George Orwell, todas as minorias são iguais, mas algumas são mais
iguais do que outras. Se, por delirante hipótese, houvesse um filme
sobre as tribulações dos muçulmanos uigures na China, ele até poderia
cumprir todas as diretrizes de Hollywood. Mas jamais seria premiado pelo
simples motivo de que jamais seria produzido.
Reacionários
de esquerda ou de direita entendem que a arte deve servir à política do
momento. Eu prefiro uma arte que sirva a individualidade de um criador.
Se essa individualidade se preocupa com minorias, maiorias ou
extraterrestres, é de secundária importância. Últimas modas nunca
salvaram medíocres artistas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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