Por alguma razão, parte do Brasil resolveu se pautar pela discussão da
obra (que consiste em tuítes) do youtuber stalinista Jones Manoel,
levado aos holofotes por Caetano Veloso. Bruna Frascolla, via Gazeta do Povo:
A vida é curta demais para ler tudo o que queremos. Um contemporâneo
de Marco Túlio Cícero poderia ter a expectativa de ler tudo o que há de
bom, pela simples razão de que poucas coisas haviam sido escritas. Ele
tinha Platão. Nós temos Platão e Machado de Assis. E Gógol, e Swift, e… E
tem gente que lê Jones Manoel.
Mas vá lá: nós não lemos todos os clássicos perenes que queremos, e
ainda assim lemos uma porção de coisas de curta duração. Precisamos ler
jornais para nos inteirarmos das coisas que nos afetam, e convém ler
textos que pensam as coisas que despertam nossa curiosidade. Para que um
texto desse último gênero seja útil, é preciso que lance luz sobre as
coisas. Quem pretende que Jones Manoel esclareça alguma coisa?
Por alguma razão, porém, parte do Brasil resolveu se pautar pela
discussão da obra (que consiste em tuítes) do youtuber stalinista.
Taxonomia do stalinista
Em mim, Jones Manoel desperta um profundo tédio. Daí não querer falar
dele, nem ir analisar seus tuítes com a curiosidade de quem se depara
com uma bizarrice. A única vez em que consegui me surpreender com a
aceitação do stalinismo foi quando de fato vi um universitário na
estadual de Feita de Santana usando um broche com a cara de Stálin. Ele
cuidava de uma urna numa eleição e eu tinha ido lá fazer seleção de
professor substituto. Fui tirar satisfação e perguntei o que ele achava
do Holodomor. A resposta é que era tudo invenção da CIA. Se não me falha
a memória, era um militante de um tal PCR, Partido Comunista
Revolucionário, que tenta obter registro junto ao TSE.
A acompanharmos Paim, um stalinista não é diferente de um
marxista-leninista, pois Stálin era um bom discípulo de Lênin, e foi ele
quem sistematizou a “vulgata marxista” difundida pela propaganda
soviética. Com o Relatório Kruschov, Stálin foi transformado em bode
expiatório post mortem, e todos os males da União Soviética foram
atribuído à pessoa de Stálin, como se não houvesse nada de errado em
suas ideias. No entanto, o Relatório Khrushchov desencadeou uma série de
rachas e rupturas no comunismo internacional: alguns abandonaram o
comunismo e se converteram à democracia; outros se subdividiram entre
uma miríade de tiranos e tiranetes comunistas. O herdeiro óbvio era o
“Grande Timoneiro” Mao, e quem o siga se diz maoísta. O PCdoB resolveu
seguir o obscuro “Farol do Socialismo” Enver Hoxha, ditador da Albânia,
sendo portanto um partido hoxhaísta. Hugo Studart, em seu novo livro
sobre a Guerrilha do Araguaia (Borboletas e Lobisomens, ed. Francisco
Alves, 2018), conta que os militantes do PCdoB receberam como apoio da
Albânia, não armas, não dinheiro, senão programa de rádio: jovens
desmiolados na Amazônia brasileira ouviam uma rádio sediada em Tirana
tecendo maravilhosos elogios à sua guerrilha em português. E já que
falamos em guerrilha, o Sendero Luminoso, do Peru, idolatra Marx,
Engels, Lênin, Mao e Abimael Guzmán, um professor de filosofia e líder
terrorista outrora conhecido como Presidente Gonzalo.
Resumindo: as facções marxistas soem ser
marxistas-leninistas-fulanistas. A variável (Fulano) é o tirano que
assumiu ou pretendeu assumir a liderança de uma guerrilha vitoriosa.
Como os comunistas são metidos a intelectuais, o Fulano terá uma obra em
que prega um método de tomar o poder e dá lições de economia. Na
ausência de um Fulano, ou seja, quando se diz apenas
“marxista-leninista”, trata-se de um stalinista velado, que ainda usa a
vulgata marxista sistematizada pelo “Guia Genial dos Povos” (Stálin). Os
stalinistas velados são muito mais frequentes do que os stalinistas
desavergonhados.
Na era petista, a New Left começou a pipocar pelas federais. É um
elemento relativamente novo na fauna universitária, mais frequente na
imprensa e no Projac do que nas federais. A nova esquerda não é
propriamente marxista; ela abandonou a luta de classes e só quer saber –
à maneira nazista – de luta de raças, ou então de guerra dos sexos. A
homossexualidade passa a ser vista como revolucionária, enquanto que
para os comunistas era o “vício burguês”.
Aí está, portanto, a taxonomia do militante de esquerda. Jones Manoel é um tipo banal.
Como ganhou holofotes?
Com tamanha banalidade, é de admirar que muitos estejam falando dele
agora. A explicação para isso são os holofotes que lhe dera Caetano
Veloso. Como a Nova Esquerda está acachapante na cultura, um stalinista
pode parecer novidade.
Enquanto isso, Caetano está sob os holofotes por causa do filme
Narciso em Férias. Lacrimoso, olha para as câmeras e conta como sofreu
muito na ditadura por ter ficado dias preso sem espelho (daí o título) e
por terem cortado o seu cabelo sem consentimento. Quem vê as inserções
da Globo até pensa que a tortura da ditadura era problema sanável por
salão de beleza. Antigamente, os opositores da ditadura que não foram
torturados tinham algum pudor em se fazer de grandes vítimas, e
apontavam com respeito quem de fato sofreu.
Dá vontade de despachar Caetano para um gulag de Jones Manoel.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário