Sebastião Nery
No dia 3 de novembro de 1966, Veneza acordou debaixo d’água. Uma violenta “mareggiata” (ressaca com ventos fortes), vinda do Adriático, caiu sobre a cidade, jogando em seu labirinto de canais uma quantidade de água dois metros acima do nível do mar. A água invadiu tudo, destruiu a rede elétrica, encheu os canais de lixo, ratos e pombos mortos.
O desastre pôs dramaticamente a nu uma dolorosa realidade: a frágil cidade estava lenta mas inexoravelmente afundando nas águas da própria lagoa que a fez nascer e a mantinha viva. Era uma gôndola afogada. E todos se lembraram do belo e profético poema de Byron, que nela morou:
DIZIA BYRON – “Veneza, oh, Veneza!, quando teus muros de mármore forem cobertos pelas águas, levantar-se-á um lamento das nações sobre tuas praças submersas, um alto lamento longo como o mar devastador”.
Veneza não é bem uma cidade. É um museu universal, cercado de água por todos os lados, todas as praças, todas as casas. São 18 ilhas, 400 pontes, 117 canais. Não por acaso, no século 18 ela transformou-se no maior centro de diversões da Europa, com um carnaval que humilhava o da Bahia: 6 meses.
O primeiro grande teatro fechado do mundo está aqui: o Grande Teatro Fenice, de 1792. O palácio dos Doges, em estilo gótico renascentista, tem mestres da pintura como Carpaccio, Veronese, Tintoretto. A basilica de São Marcos, com suas peças em dourado, seus mosaicos e cúpulas, no mais puro estilo bizantino, não parece com nenhuma igreja ocidental. Todo ano, em junho, eles têm a Bienal de Artes e em setembro o Festival de Cinema.
CRAVADA NA HISTÓRIA – A Republica de Veneza é uma das mais curiosas, surpreendentes e duradouras experiências políticas da história humana. Durou de 697 a 1797. Mil e cem anos. O historiador Antonio Carlos de Amaral Azevedo conta:
– “Os Doges eram eleitos. E havia uma “Assembleia Popular”, um “Conselho de Sábios”, o “Grande Conselho”. Do século 7 ao 12, esses magistrados foram os verdadeiros dirigentes da sociedade, da economia e da política, dotados de plenos poderes. Suas tentativas visando a hereditariedade do cargo ocasionaram mudanças no sentido de ser limitada a sua autoridade”.
“A partir do século 12, a aristocracia veneziana criou órgãos constitucionais que se encarregaram de algumas funções administrativas antes centralizadas nas mãos do doge. Este, porém, continuaria a ser escolhido entre as famílias mais influentes da cidade, ocupando o posto até a morte. A ele competia solucionar todas as divergências internas, bem como proteger a cidade contra qualquer ameaça externa”, diz o historiador.
SALVAR VENEZA – As centenas de milhares de turistas do mundo inteiro, espremendo-se pelas praças e passeando nos barcos e gondolas, nem desconfiam como esta maravilha está ameaçada. Mas o mundo vai acordando: é preciso salvar Veneza. Se os gelos polares derreterem, os tornados e nevascas se despejarem, as águas se rebelarem, os mares enlouquecerem, Veneza será a primeira grande vítima.
Depois de 66, muita coisa foi feita. Mas os cientistas estão com medo e com pressa. A “The Venice in Peril Fund” (Fundação Veneza em Perigo”), da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, publicou estudo magnífico de 130 cientistas de todo o mundo, advertindo e apresentando soluções, que estão no livro “La Scienza per Venezia”,de Caroline Fletcher e Jane da Mosto.
DIAS CONTADOS – Os cientistas avisam: “16 milhões de pessoas que todo ano vêm a Veneza vêem as restaurações sendo feitas. Mas a realidade é menos rósea do que parece. A cidade mais bela do mundo tem os dias contados. A frequência da “água alta” aumenta e hoje Veneza não está em condições de defender-se de uma catástrofe maior do que o grande aluvião que sofreu em 66”.
“O alarmismo dos ecologistas tem fundamento. Veneza não poderá ser salva sem investir tanto nas “barreiras móveis” como na lagoa. As mudanças climáticas provocadas pelo homem ameaçam Veneza: em 2100, o nível do mar pode estar aumentado de 12 para 72 centímetros”.
“A lagoa de Veneza é geralmente pouco profunda : o nível médio da água é de um metro. Nos fundos da lagoa, foram escavados canais de navegação, alguns com até 20 metros de profundidade. Cerca de 60% da lagoa é perenemente submersa. 25% emergem periodicamente com as baixas marés. O resto (15%) é constituído de ilhas teoricamente sempre elevadas (acima do nível do mar), mas hoje ameaçadas pela “água alta”.
AFUNDANDO – “A cidade desce, o mar sobe. Veneza abaixa 0,5 milimetros por ano. Estudos arqueológicos, sobretudo na basílica de São Marcos, calculam uma perda de altitude de 1 a 1,5 milimetros todo ano, prevendo uma redução da diferença altimétrica, entre a terra e o mar, de 14 centimetros cada século”.
– “Em menos de 50 anos, dos anos 20 aos anos 70, Veneza afundou 10 centÍmetros mais do que Trieste (ali ao lado, também no mar Adriático).
E no dia 12 de novembro de 2019, há menos de um mês, Veneza acordou assustada com uma histórica “acqua alta”.
No dia 3 de novembro de 1966, Veneza acordou debaixo d’água. Uma violenta “mareggiata” (ressaca com ventos fortes), vinda do Adriático, caiu sobre a cidade, jogando em seu labirinto de canais uma quantidade de água dois metros acima do nível do mar. A água invadiu tudo, destruiu a rede elétrica, encheu os canais de lixo, ratos e pombos mortos.
O desastre pôs dramaticamente a nu uma dolorosa realidade: a frágil cidade estava lenta mas inexoravelmente afundando nas águas da própria lagoa que a fez nascer e a mantinha viva. Era uma gôndola afogada. E todos se lembraram do belo e profético poema de Byron, que nela morou:
DIZIA BYRON – “Veneza, oh, Veneza!, quando teus muros de mármore forem cobertos pelas águas, levantar-se-á um lamento das nações sobre tuas praças submersas, um alto lamento longo como o mar devastador”.
Veneza não é bem uma cidade. É um museu universal, cercado de água por todos os lados, todas as praças, todas as casas. São 18 ilhas, 400 pontes, 117 canais. Não por acaso, no século 18 ela transformou-se no maior centro de diversões da Europa, com um carnaval que humilhava o da Bahia: 6 meses.
O primeiro grande teatro fechado do mundo está aqui: o Grande Teatro Fenice, de 1792. O palácio dos Doges, em estilo gótico renascentista, tem mestres da pintura como Carpaccio, Veronese, Tintoretto. A basilica de São Marcos, com suas peças em dourado, seus mosaicos e cúpulas, no mais puro estilo bizantino, não parece com nenhuma igreja ocidental. Todo ano, em junho, eles têm a Bienal de Artes e em setembro o Festival de Cinema.
CRAVADA NA HISTÓRIA – A Republica de Veneza é uma das mais curiosas, surpreendentes e duradouras experiências políticas da história humana. Durou de 697 a 1797. Mil e cem anos. O historiador Antonio Carlos de Amaral Azevedo conta:
– “Os Doges eram eleitos. E havia uma “Assembleia Popular”, um “Conselho de Sábios”, o “Grande Conselho”. Do século 7 ao 12, esses magistrados foram os verdadeiros dirigentes da sociedade, da economia e da política, dotados de plenos poderes. Suas tentativas visando a hereditariedade do cargo ocasionaram mudanças no sentido de ser limitada a sua autoridade”.
“A partir do século 12, a aristocracia veneziana criou órgãos constitucionais que se encarregaram de algumas funções administrativas antes centralizadas nas mãos do doge. Este, porém, continuaria a ser escolhido entre as famílias mais influentes da cidade, ocupando o posto até a morte. A ele competia solucionar todas as divergências internas, bem como proteger a cidade contra qualquer ameaça externa”, diz o historiador.
SALVAR VENEZA – As centenas de milhares de turistas do mundo inteiro, espremendo-se pelas praças e passeando nos barcos e gondolas, nem desconfiam como esta maravilha está ameaçada. Mas o mundo vai acordando: é preciso salvar Veneza. Se os gelos polares derreterem, os tornados e nevascas se despejarem, as águas se rebelarem, os mares enlouquecerem, Veneza será a primeira grande vítima.
Depois de 66, muita coisa foi feita. Mas os cientistas estão com medo e com pressa. A “The Venice in Peril Fund” (Fundação Veneza em Perigo”), da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, publicou estudo magnífico de 130 cientistas de todo o mundo, advertindo e apresentando soluções, que estão no livro “La Scienza per Venezia”,de Caroline Fletcher e Jane da Mosto.
DIAS CONTADOS – Os cientistas avisam: “16 milhões de pessoas que todo ano vêm a Veneza vêem as restaurações sendo feitas. Mas a realidade é menos rósea do que parece. A cidade mais bela do mundo tem os dias contados. A frequência da “água alta” aumenta e hoje Veneza não está em condições de defender-se de uma catástrofe maior do que o grande aluvião que sofreu em 66”.
“O alarmismo dos ecologistas tem fundamento. Veneza não poderá ser salva sem investir tanto nas “barreiras móveis” como na lagoa. As mudanças climáticas provocadas pelo homem ameaçam Veneza: em 2100, o nível do mar pode estar aumentado de 12 para 72 centímetros”.
“A lagoa de Veneza é geralmente pouco profunda : o nível médio da água é de um metro. Nos fundos da lagoa, foram escavados canais de navegação, alguns com até 20 metros de profundidade. Cerca de 60% da lagoa é perenemente submersa. 25% emergem periodicamente com as baixas marés. O resto (15%) é constituído de ilhas teoricamente sempre elevadas (acima do nível do mar), mas hoje ameaçadas pela “água alta”.
AFUNDANDO – “A cidade desce, o mar sobe. Veneza abaixa 0,5 milimetros por ano. Estudos arqueológicos, sobretudo na basílica de São Marcos, calculam uma perda de altitude de 1 a 1,5 milimetros todo ano, prevendo uma redução da diferença altimétrica, entre a terra e o mar, de 14 centimetros cada século”.
– “Em menos de 50 anos, dos anos 20 aos anos 70, Veneza afundou 10 centÍmetros mais do que Trieste (ali ao lado, também no mar Adriático).
E no dia 12 de novembro de 2019, há menos de um mês, Veneza acordou assustada com uma histórica “acqua alta”.
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