MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Com fundo bilionário em caixa parado, Ricardo Salles pede recursos na Europa para Amazônia


Salles quer pelo menos US$ 10 bilhões por ano para ações ambientais
Leandro Prazeres
O Globo
 Enquanto o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está na Europa pedindo dinheiro para a floresta , o Fundo Amazônia deverá fechar 2019 com R$ 2,2 bilhões parados, nenhum projeto aprovado e o menor valor desembolsado em seis anos.
As atividades do fundo foram paralisadas depois que o governo destituiu os comitês que faziam a seleção dos projetos apresentados ao fundo, em abril. Salles defende mudanças na estrutura de governança e seleção das propostas. O governo também queria que recursos, que são geridos pelo IBGE, pudessem ser usados para ações de desapropriação em áreas protegidas.
CONFRONTO – As medidas desagradaram aos dois principais financiadores, Alemanha e Noruega. O embate entre Brasil e os governos estrangeiros fez com que os dois países suspendessem investimentos em meio ambiente no Brasil.
Esta semana, em Madri, onde participa da Conferência do Clima da ONU, a COP-25, Salles informou que entregou uma minuta para os doadores, que estariam avaliando a proposta de reestruturação do Fundo Amazônia traçada pelo governo Bolsonaro. O ministro afirmou ainda que a Alemanha “já topou” as mudanças . Procurados pela reportagem, representantes dos dois países não reagiram às declarações do ministro.
CONTRADIÇÃO – A paralisia do fundo criou situação curiosa: o governo participa da COP-25 em Madri e pede recursos à comunidade internacional para financiar a preservação da Amazônia ao mesmo tempo em que o fundo criado em 2008 está com dinheiro em caixa parado. O objetivo de Salles seria assegurar em Madri pelo menos US$ 10 bilhões por ano para ações ambientais no Brasil.
Os dados do Fundo Amazônia obtidos pelo O Globo mostram que, entre janeiro e novembro de 2019, o fundo repassou R$ 87 milhões a projetos. É o menor volume de recursos desembolsado desde 2013, quando houve repasse de R$ 80 milhões.
Além do menor nível de repasse em seis anos, o fundo registrou, em 2019, o menor número de projetos em sua história. Neste ano, apenas dez projetos foram apresentados e nenhum aprovado. É a primeira vez que o Fundo Amazônia termina um ano sem aprovar projetos. Entre 2008 e 2018, foram apresentados 642 projetos, o que equivale a uma média de 64 projetos por ano. Em 2018, por exemplo, foram apresentados 70 projetos.
APOIO A BRIGADAS –  O Fundo Amazônia foi criado em 2008, durante a gestão Luiz Inácio Lula Silva (PT). Sua principal função é receber recursos de doadores nacionais e estrangeiros e direcioná-los a projetos para a preservação do meio ambiente.
Desde sua criação, o fundo recebeu R$ 3,4 bilhões em doações e já financiou projetos como o apoio a brigadas de incêndio do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que atuam no combate às queimadas na Amazônia.
A redução no volume de projetos enviados à análise do fundo pode ser explicada, em parte, pela suspensão para apresentação de propostas, imposta em outubro deste ano.
EM CAIXA – Dos R$ 3,4 bilhões arrecadados pelo Fundo Amazônia desde 2008, R$ 1,15 bilhão já foi repassado, e R$ 2,2 bilhões seguem em caixa. Desde sua criação, 103 projetos já foram aprovados, totalizando uma previsão de repasse de R$ 1,8 bilhão. Desse total, a grande maioria deverá ser destinada a projetos apresentados por atores do setor público.
União, Estados e Municípios aprovaram projetos que, somados, chegam a R$ 1,11 bilhão, ou seja: 63% do total. A diferença entre o valor aprovado e o total repassado ocorre por conta do cronograma de desembolso de cada projeto.
POLÍTICA DE GOVERNO – Para o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, Márcio Astrini, a redução nos desembolsos e na apresentação dos projetos ao Fundo Amazônia está relacionada à política do governo do presidente Jair Bolsonaro para o meio ambiente.
“Sem os conselhos que selecionavam os projetos não houve quem pudesse aprová-los. Além disso, o discurso do governo também contribuiu. Em vários momentos, Brasília disse que poderia extinguir o fundo”, afirmou Astrini.
EMBARAÇO – Ele considera que a situação do Fundo Amazônia cria um embaraço à atuação de Ricardo Salles na COP-25, na Espanha. Isto porque o ministro bate na tecla de que pretende conseguir recursos de países estrangeiros para financiar projetos no Brasil.
Astrini pondera que será difícil convencer outros governos a injetar dinheiro no Brasil para esse tema quando há recursos disponíveis não usados, como é o caso do Fundo Amazônia.
“É como se ele fosse a um banco pedir empréstimo tendo dinheiro de sobra na conta. Não parece que ele está em busca de recursos, mas, sim, de uma desculpa. Se ouvir um “não” da comunidade internacional, o ministro terá o álibi perfeito. Vai dizer que, para ajudar, ninguém aparece, mas, quando o desmatamento aumenta, todo mundo cobra”, disse Astrini.
REDUÇÃO MAIOR – Procurado pelo O Globo, o BNDES respondeu, por e-mail, que já é esperada a redução no volume de projetos apresentados em anos que marcam o início de gestões federais e estaduais. “É comum, nesses períodos, a postergação da elaboração e apresentação de novos projetos por parte dos entes públicos”, afirmou o banco.
No entanto, mesmo considerando apenas os anos inaugurais de novas administrações federais, os dados de 2019 revelam inflexão maior do que a dos demais. Em 2011, primeiro ano do governo Dilma, foram apresentados 37 projetos. Em 2016, no início da gestão Temer, foram 25. Neste ano, apenas dez.
O BNDES informou ainda que os governos do Brasil, da Alemanha e da Noruega “estão em negociação para redefinição da governança do Fundo Amazônia”. E que é “compreensível que os proponentes a projetos também aguardam essas definições para tomar a decisão de estruturar novos projetos”. Também procurado, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu às questões enviadas pelo GLOBO.

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