Caricatura de Tocqueville. |
Apesar das
efetivas ameaças contidas na nova coligação radical na Itália, o normal
funcionamento do sistema parlamentar constitui o melhor remédio para
tentar domesticar essas ameaças. Artigo do professor João Carlos Espada,
publicado pelo Observador:
Os
episódios políticos em torno da formação do mais recente governo
italiano geraram legítimas preocupações. É sem dúvida motivo de
apreensão a excêntrica aliança governamental entre dois partidos
radicais, um à direita (Liga Norte) e outro à esquerda (Movimento Cinco
Estrelas).
Mas esta
preocupação ainda foi mais acentuada quando o Presidente da República
italiana anunciou a intenção de recusar a coligação e nomear (mais) um
governo tecnocrático de gestão. Esta iniciativa (que acabou por ser
superada) teria levado à vitimização dos dois partidos radicais
impedidos de governar. Como as sondagens já apontavam, teria levado ao
reforço das suas votações e à ainda maior radicalização da vida política
italiana.
Por
outras palavras, apesar das efectivas ameaças contidas na nova coligação
radical, o normal funcionamento do sistema parlamentar constitui o
melhor remédio para tentar domesticar essas ameaças.
Alexis
de Tocqueville forneceu um valioso contributo nesta matéria (além de
muitas outras). Na sua reflexão sobre os excessos radicais da revolução
francesa de 1789, Tocqueville detectou a “embriaguês com ideias gerais”,
que ele também justamente identificou como uma das principais fontes de
radicalismo e um dos principais obstáculos ao espírito de reforma
gradual:
“Quando
se estuda a história da nossa Revolução, vê-se que ela foi conduzida
precisamente no mesmo espírito que a fez produzir tantos livros
abstratos sobre o governo. Vemos a mesma atração pelas teorias gerais,
os sistemas completos de legislação e a simetria exata nas leis; o mesmo
desprezo pelos factos reais; a mesma confiança na teoria; a mesma
vontade de refazer de uma só vez toda a Constituição seguindo as regras
da lógica e segundo um plano único, em vez de procurar emendá-la nas
suas várias partes. Um espetáculo assustador! De facto, o que é uma
qualidade num escritor é, por vezes, vício num estadista; as mesmas
coisas que fizeram muitas vezes belos livros podem conduzir a tremendas
revoluções.” (O Antigo Regime e a Revolução, 1856).
Tocqueville
observou depois com argúcia que a era democrática da igualdade estimula
o gosto pelas ideias gerais. E observou também que a democracia
americana apreciava mais as ideias gerais do que a democracia
aristocrática inglesa – sendo que esta última não as apreciava de todo.
No entanto, observou ainda que “os americanos nunca se apaixonaram tanto
quanto os franceses pelas ideias gerais em matéria de política”.
É muito
curiosa a principal razão a que Tocqueville atribuiu essa diferente
intensidade das ideias gerais entre os americanos, por um lado, e os
franceses, por outro. Chamou-lhe a “arte da liberdade política”:
“Os
americanos são um povo democrático que sempre dirigiu por si próprio os
assuntos públicos e nós somos um povo democrático que durante muito
tempo só conseguiu sonhar na melhor maneira de o fazer. O nosso estado
social já nos levava a conceber ideias muito gerais em matéria de
governação, mas a nossa Constituição política continuava a impedir-nos
de rectificar essas ideias por meio da experiência, descobrindo, pouco a
pouco, a sua insuficiência; no caso dos americanos, pelo contrário,
ambas as coisas se equilibram constantemente e se corrigem
naturalmente.” (Da Democracia na América, Vol. II, 1840).
Esta
observação levou Tocqueville a concluir que a melhor terapêutica para o
radicalismo associado à paixão pelas ideias gerais é a experiência
política da alternância democrática:
“Por
conseguinte, quando existe um assunto sobre o qual é particularmente
perigoso os povos democráticos aplicarem cega e desmedidamente as ideias
gerais, o melhor corretivo consiste em procurar que se ocupem dele
todos os dias e de forma prática; assim, serão forçados a passar aos
pormenores, e os pormenores farão com que tomem consciência das
fragilidades da teoria.” (Da Democracia na América, Vol. II, 1840).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário