"A vice-presidente de
negócios da CBS, Hayley Geftman-Gold, foi demitida após dizer em seu
perfil do Facebook que “não estava nem aí” para os mortos porque fãs de
música country normalmente são republicanos. Para Hayley e,
infelizmente, para uma parte significativa da imprensa americana atual,
se você não é de esquerda você não é gente, e mesmo na morte não merece a
menor empatia". Ana Paula Henkel, em texto publicado no Estadão, sobre o massacre de Las Vegas:
Meu coração ainda
aperta quando lembro do estádio do Atlético Nacional da Colômbia lotado
para homenagear os 71 mortos da tragédia com o vôo da Chapecoense.
Setenta famílias devastadas pela irresponsabilidade humana, por um avião
que ficou sem combustível em pleno vôo. Homicídio culposo por
negligência e imprudência, imperdoável e inaceitável. Sentimentos
inevitáveis quando as mortes são evitáveis.
Chorei quando vi
Medellín cantando “vamos, vamos Chape”, chorei quando Galvão Bueno
narrou com toda emoção o gol imaginário de Ananias para sua esposa
Bárbara, realizando o sonho do jogador que se foi na queda do avião. A
humanidade se renova nestes pequenos gestos. Galvão não trouxe Ananias
de volta, mas deu um pouco de conforto para uma jovem viúva no seu
momento mais difícil e lembrou ao mundo que solidariedade e bondade
também operam milagres.
Como atleta, perdi a
conta de quantos minutos de silêncio já participei. Naquele momento,
todos são convidados a esquecer as diferenças e divisões, superar a
mesquinhez das nossas imperfeições e pecados, das disputas e
preocupações do dia, para elevar o pensamento e o espírito. Somos
chamados a entrar em sintonia como uma grande família que perde junta
alguns dos seus entes mais queridos. Somos todos, ao menos por um
minuto, humanos.
Enquanto escrevo,
mais de cinquenta famílias choram seus mortos num episódio devastador,
como duas jovens que moravam a menos de cinco quilômetros da minha casa.
Rachel Parker era policial, Sandy Casey era professora e cuidava de
crianças especiais. Duas mulheres jovens que moravam na vizinhança, que
frequentavam os mesmos lugares que eu e que foram celebrar a vida num
show em Las Vegas e que agora voltarão em caixas de madeira pra casa.
Não há nada, nunca, que vá curar a dor de quem deixaram aqui em
Manhattan Beach.
Os corpos das vítimas
ainda sangravam ao serem envolvidos em plásticos pretos quando
políticos, ativistas e jornalistas oportunistas, insensíveis à dor da
tragédia, voavam para as redes sociais salivando e gritando suas agendas
ideológicas. As motivações do atirador, mesmo dois dias depois do
atentado, ainda não estão claras, o que se sabia naqueles instantes logo
após os disparos é que mais de cinquenta inocentes, pessoas comuns como
eu e você, foram brutalmente assassinadas. A política pode e deve
esperar.
A vice-presidente de
negócios da CBS, Hayley Geftman-Gold, foi demitida após dizer em seu
perfil do Facebook que “não estava nem aí” para os mortos porque fãs de
música country normalmente são republicanos. Para Hayley e,
infelizmente, para uma parte significativa da imprensa americana atual,
se você não é de esquerda você não é gente, e mesmo na morte não merece a
menor empatia.
Desconheço as
filiações partidárias de Rachel Parker e Sandy Casey, mas sei que moro
numa das regiões mais fiéis ao Partido Democrata do país. Mesmo que
Rachel e Sandy fossem republicanas, o que é improvável, que diferença
faz? Que diferença faz se eram contra ou a favor da Segunda Emenda da
Constituição Americana? Se as famílias de Rachel e Sandy choram a morte
das suas filhas, os parentes e amigos de Hayley Geftman-Gold da CBS têm
motivos para ficar de luto também. Covardes morrem várias vezes antes da
sua morte, como disse o Julio César de Shakespeare.
Se não pudermos
concentrar nosso respeito nas vítimas, nos mortos e feridos e nos seus
familiares durante tragédias, se não pudermos vencer a pulsão de
empurrar narrativas quando precisamos nos unir no abraço às vítimas,
falhamos como sociedade. Se os mais destacados membros da população,
estes com acesso privilegiado aos canais de comunicação de massa, não
amolecem seus corações quando vidas se esvaem em sangue de modo tão
brutal e estúpido, é preciso repensar para que tipo de pessoas
entregamos estes microfones e canetas.
Depois de dias de
infâmia e desrespeito de atletas aos veteranos que perderam suas vidas
na defesa da pátria em tantos conflitos com atitudes desrespeitosas aos
símbolos do país, a América merece a chance de enterrar seus mortos de
Las Vegas com a devida reverência ao luto dos que ficaram. Não é hora de
gritar, mas de levar conforto, mesmo nas inóspidas terras das redes
sociais. Nestas horas, por que não lembrar de São Francisco e levar um
pouco de amor onde há ódio e um pouco de luz onde há trevas? Em um mundo
tão polarizado como o atual, é na morte que deveríamos nos unir e
tentar renascer um pouco melhores.
Ninguém é obrigado a
ajudar, ser fraterno ou amável, mas todos podem silenciar quando não têm
nada de bom para oferecer. A bondade pode não estar ao alcance de
todos, mas o silêncio misericordioso e muitas vezes precioso, está. São
quase sessenta famílias destroçadas por um ato que não tem, e jamais
terá, explicação, independente da sua ideologia política ou partidária.
Ativistas e
militantes de qualquer esfera terão a vida toda para gritar suas
palavras de ordem e desordem, são livres para isso. Em dias de luto e
dor, ainda cabe pedir e respeitar um minuto de silêncio.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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