A Gazeta do Povo publica artigo de Filipe Martins sobre "Donald Trump e a face oculta da Unesco".
A desconfiança em relação a este órgão da ONU é uma tradição de pelo
menos três décadas na política externa norte-americana, recorda o
articulista, ressaltando o passado da Unesco - antro de esquerdistas e
autoritários dos vários continentes:
Em harmonia com a agenda antiglobalista do presidente Donald Trump, o governo dos Estados Unidos informou que irá se retirar da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Segundo a
notificação do Departamento de Estado, a decisão será efetivada no dia
primeiro de janeiro de 2018 e foi motivada, dentre outras coisas, pela
percepção de que a Unesco necessita de reformas profundas, capazes de
solucionar não apenas seus problemas financeiros e administrativos, mas
também de corrigir o escandaloso desvio de função que a converteu em um
instrumento da agenda de demonização do Estado de Israel.
O que
pode haver de surpreendente nessa decisão é rapidamente desfeito à luz
do histórico da relação do país norte-americano com a agência da ONU e,
de modo ainda mais definitivo, mediante uma análise detida das ações que
essa instituição tem realizado, ao longo dos anos, em nome da educação,
da ciência e da cultura.
EUA e Unesco – Uma relação complicada
Foi o
presidente Ronald Reagan quem primeiro retirou os EUA da Unesco. Isso
ocorreu em um momento decisivo da Guerra Fria, em 1984, devido a
politização excessiva da agência, que havia sido convertida em um
instrumento do antiamericanismo e do antiocidentalismo, uma espécie de
câmara de ressonância das estratégias e dos objetivos soviéticos
revestida por um verniz terceiro-mundista.
Essa
decisão só foi revista 18 anos depois, em 2002, quando o Presidente
George W. Bush decidiu retomar os laços com a agência da ONU na
esperança de cooptá-la para a agenda neo-conservadora, resumida, à
época, de modo bastante vago, como uma missão para promover a democracia
e os direitos humanos. Na ocasião, Bush garantiu aos seus críticos que a
agência havia sido reformada e que já não era possível encontrar nela
nenhum dos elementos que, duas décadas antes, haviam motivado a decisão
de Reagan.
Mais
recentemente, por ocasião do ingresso da Palestina na Unesco, houve
outro revés, quando o presidente Barack Obama se viu forçado a cortar
22% do orçamento destinado à agência, em razão de uma lei americana que
proíbe o financiamento de qualquer órgão do Sistema ONU que reconheça a
Palestina como um Estado.
A
natureza conturbada e intranquila desse relacionamento revela que, longe
de ser uma excentricidade do presidente Donald Trump, a desconfiança em
relação a Unesco é uma tradição de pelo menos três décadas na política
externa americana, observada sobretudo por políticos conservadores ou
mais próximos ao conservadorismo. Mas, afinal, quais são as razões dessa
desconfiança e por que ela insiste em retornar?
Os vínculos autoritários da Unesco
Ao
contrário do que uma análise superficial possa sugerir, nem tudo se
resume ao caráter francamente anti-israelita adotado pela agência em
resoluções como a que foi aprovada em 2016 com o intuito de negar o
vínculo milenar de Israel e do povo judeu com a cidade de Jerusalém.
Este certamente é um fator relevante, mas há muitos outros motivos.
Já em
1978, a Heritage Foundation produziu uma série de relatórios que
demonstravam que, entre os quadros da Unesco, havia um número
desproporcionalmente elevado de militantes marxistas e um número
insignificante de intelectuais e cientistas capazes de dar alguma
contribuição efetiva para a promoção da educação e da cultura.
Em 1980,
em uma nova série de relatórios, o think tank americano mostrou que a
situação estava se deteriorando ainda mais sob a gestão de Amadou-Mahtar
M’Bow, sétimo diretor-geral da agência, um fã declarado de ditadores
socialistas e um dos mais ferrenhos defensores da famigerada “Nova Ordem
Mundial da Informação e Comunicação”, um projeto que tinha como
objetivo declarado “reorganizar e controlar os fluxos globais de
informação”.
Sob a
desculpa de tornar mais equânime e justa a troca de informações entre
países desenvolvidos e em desenvolvimento, na prática esse projeto
preconizava a criação de um órgão supranacional que seria encarregado de
criar uma série de restrições à liberdade de expressão, à liberdade de
imprensa e à comunicação de modo geral.
Dentre
outras coisas, o projeto visava implementar a proibição, em países em
desenvolvimento, da reprodução de peças de publicidade produzidas em
países desenvolvidos; a criação de mecanismos para contrabalancear a
hegemonia americana na indústria cinematográfica, e o estabelecimento de
regras que obrigassem as grandes agências de notícia a realizar uma
cobertura mais positiva dos países em desenvolvimento ou
subdesenvolvidos.
Nesse
período, não era difícil perceber que a Unesco estava mais interessada
em promover uma espécie de socialismo mundial do que em prestar serviços
relevantes à promoção da educação, da ciência e da cultura. Essa
inversão foi investigada em profundidade pelo filósofo francês
Jean-François Revel, que no livro La Connaissance Inutile,
de 1988, tentou compreender como havia sido possível que, em plena era
da informação, órgãos como a Unesco fossem instrumentalizados em
benefício da revolução socialista sem, no entanto, perderem prestígio e
credibilidade.
Revel voltaria ao assunto doze anos mais tarde, no segundo semestre de 2000, em seu monumental La Grande Parade.
Buscando compreender as razões que haviam possibilitado a sobrevivência
do socialismo mesmo após o colapso da URSS, o filósofo francês acabou
retornando às atividades da Unesco para investigar uma série de
episódios, tais como a celebração da memória de Ho Chi Minh, realizada
pela agência em 1990 por ocasião do centenário do nascimento do ditador
vietnamita.
Ao
constatar o teor altamente propagandístico do evento, Revel o apontou
como ilustração perfeita do que havia de errado com a agência da ONU:
“se verdadeiramente servisse à ciência, a Unesco teria convocado
historiadores de verdade e não socialistas interessados em mistificar e
exaltar a biografia de Ho Chi Minh; se verdadeiramente servisse à
educação, a Unesco não teria se colocado a serviço da glorificação de um
ditador que reprimia até mesmo a liberdade de consciência; se
verdadeiramente servisse à cultura, não teria banido deste evento
qualquer voz dissonante e qualquer observação não laudatória ao
vietnamita”.
Vale
dizer que as homenagens a Ho Chi Minh são apenas uma pequena amostra do
apreço que a burocracia permanente da Unesco tem por representantes do
panteão socialista. Em 2013, o homenageado foi oguerrilheiro Che Guevara,
que em uma grande celebração de caráter francamente apologético teve
sua obra e sua vida elevadas ao patamar de “tesouro histórico” e
incluídas no “Registro de História do Mundo”.
A anatomia de um projeto totalitário
O mesmo
Jean-François Revel de La Connaissance Inutile e de La Grande Parade
mostrou que nada disso ocorreu por mera coincidência. Na Unesco, antigos
tecnocratas marxistas se sentiam em casa e completamente à vontade para
continuar apoiando regimes autoritários e experiências revolucionárias
cada vez mais abrangentes, defendendo uma série de normas e de projetos
que, à semelhança da “Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação”,
visavam criar restrições e controles que afetariam todas as nações e
todas as pessoas do mundo.
Na base
desses projetos, encontramos as mesmas utopias e o mesmo desprezo pelas
soberanias nacionais, pelos valores tradicionais e pelas liberdades
individuais que animaram o movimento revolucionário desde sua gênese.
Não
surpreende, portanto, que a Unesco seja vista por estudiosos do
globalismo como uma das maiores ameaças à soberania nacional, à
manutenção das tradições locais e à preservação de sociedades formadas
por pessoas livres e conscientes.
Tampouco surpreende que seu primeiro diretor-geral e um de seus principais mentores intelectuais, Julian Huxley, tenha servido de inspiração para o romance Admirável Mundo Novo, a famosa distopia escrita por Aldous Huxley, irmão de Julian.
Adepto da eugenia e do darwinismo social, Julian Huxley
é o autor do livro Unesco: seu propósito e sua filosofia, escrito para
apresentar o projeto de construção de uma sociedade mundial pacífica,
livre das lealdades nacionais e das superstições religiosas, planejada
cientificamente e educada para adquirir uma nova ética global, composta
de valores, atitudes e comportamentos a serem transmitidos, em escala
global e por meio de instituições de ensino.
O que
pode haver de aparentemente belo nesse ideal não passa de um grande
engano e se desfaz diante da realização de que, para colocá-lo em
prática, seria necessário corroer as soberanias nacionais, eliminar as
tradições religiosas e realizar uma revolução pedagógica que, por meio
do controle dos currículos escolares, fosse capaz de impor uma ética
voltada para criação de uma nova sociedade – uma operação revolucionária
que demandaria uma concentração de poder similar ou maior do que a dos
antigos totalitarismos.
Para
Huxley e seus companheiros, o homem poderia ser afastado de suas
lealdades nacionais e religiosas se fosse submetido ao ensino de uma
nova ética; se tivesse a oportunidade de vivenciar experiências
bem-sucedidas de cooperação internacional e se, na esfera política, o
modelo de governança atual fosse substituído por um conjunto de regimes
internacionais temáticos, construídos e liderados por burocratas dotados
de um conhecimento técnico especializado e ungidos pela autoridade da
ciência. Essa tríade levaria à replicação e à expansão desse modelo de
governança, que eventualmente acabaria por abranger todas as dimensões
das relações sociais e tornaria os Estados nacionais obsoletos.
Essas e
outras informações têm sido documentadas por estudiosos americanos e
europeus há décadas, mas ainda são pouco conhecidas no Brasil. Dentre
muitos estudiosos, o pesquisador Bascal Bernardin, autor do livro Maquiavel Pedagogo, publicado no Brasil pela Vide Editorial, é o mais recomendado a quem deseja se aprofundar no assunto.
Dono de
uma obra construída com rigor e com coragem, Bernardin demonstra, para
além de qualquer dúvida razoável, que a Unesco tem transformando
decisivamente o papel das instituições de ensino, que não mais têm como
objetivo prioritário a formação intelectual ou a transmissão de
conhecimentos elementares, mas a implementação de um complexo projeto de
engenharia social (“Psicologia Social”, na terminologia da agência) que
visa formar “cidadãos globais” e, por meio de técnicas de manipulação
psicológica, impor às sociedades de todo o mundo uma nova ética
universal (a mesma de Julian Huxley),
caracterizada pelo cosmopolitismo internacionalista, pelo materialismo,
pelo cientificismo, pelo pacifismo radical e pela obediência servil a
burocratas e tecnocratas das mais distintas áreas e instâncias.
Isto
significa que muitos dos problemas com que nos deparamos hoje na área da
educação tem suas origens em idéias e métodos sistematicamente
defendidos e promovidos por cientistas e pedagogos da Unesco e
implementados pelas inermes elites nacionais.
Da
deterioração das capacidades linguísticas e matemáticas dos nossos
alunos à ideologia de gênero; da uniformização dos currículos escolares à
politização total da educação; da instrumentalização política da
cultura à corrupção da ciência e da arte; todos os grandes problemas
enfrentados pelo Brasil e por outras nações ocidentais estão vinculados,
de algum modo, às ações da agência repudiada pelo presidente Donald
Trump.
Responsabilidade nacional
A
decisão do presidente americano, aliás, demonstra como as elites
nacionais e os representantes políticos de uma nação pode frear esse
processo. A Unesco e todo o aparato de governança global, integrado ou
não ao Sistema ONU, só poderá substituir efetivamente os mecanismos de
governança nacionais, se nossos representantes políticos consentirem em
permanecer subordinados e subjugados a tecnocratas anônimos e
inacessíveis à população nacional.
Pois,
sem o apoio das elites nacionais, sem a nacionalização da educação, sem o
controle político de todos os aspectos da vida humana, e sem a corrosão
dos valores tradicionais, o projeto da Unesco poderá ser derrubado como
um castelo de cartas – e, mais uma vez, os Estados Unidos assumiram a
linha de frente e mostraram como se faz.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário