Criminalização da
política? Ora, "as ações deletérias de políticos é que levaram a
política a ser vista como caso de polícia". Texto de Dora Kramer na
edição impressa de Veja, surrupiado do blog de Augusto Nunes:
Há uma brutal e
cínica inversão de conceitos nas teses defensivas do mundo político para
tentar zerar o jogo das ilegalidades cometidas há anos impunemente. A
rainha do baile é a “criminalização da política”, teoria segundo a qual
ao ser intolerante com a transgressão o país põe em risco a atividade de
suas excelências. Pura fábula, pois ocorre justamente o contrário: as
ações deletérias de políticos é que levaram a política a ser vista como
caso de polícia. Ademais, a salvação reside exatamente na mudança de
procedimentos em decorrência das punições.
Outra tese falaciosa:
as investigações vão gerar injustiças, pois misturam honestos e
desonestos “no mesmo barco”. Exagero proposital. Denúncias, para que
sejam aceitas, necessitam de indícios; processos, de provas. Concluídas
as apurações, a cada um será destinado o “barco” correspondente aos
crimes cometidos. Ou não. É assim na Justiça, assim mandam as leis.
Governistas e
oposicionistas não parecem compreender o que os levou a essa situação
quando se unem no Congresso para engendrar maneiras de passar uma
borracha no passado, assegurar foro privilegiado a parlamentares
investigados, protegê-los do escrutínio do eleitor sob a saia da lista
fechada de candidatos e ainda fazer com que a sociedade tire do bolso o
dinheiro para pagar suas campanhas antes financiadas em boa medida por
corruptores confessos.
Uma receita perfeita
para alimentar a antipatia da opinião pública e robustecer a pauta das
manifestações de rua já devidamente agitadas. No entanto, é isso que se
engendra nas conversas iniciadas na semana passada entre os presidentes
dos três poderes. Deu-se a essa união de interesses o nome de
mobilização em prol da reforma política (na hora imprópria e em causa
própria). É mais que isso: são tratativas sobre a possibilidade de
conseguir uma “acomodação” das forças envolvidas, em particular o
Ministério Público.
O Congresso
“entregaria” a criminalização do caixa dois em troca de uma visão mais
compreensiva por parte do MP sobre os diferentes tipos de crime
envolvidos naquela prática. Um modo de abrir uma brecha para contradizer
o entendimento de que, a despeito da existência de gradações entre uns e
outros ilícitos, todos ferem a legalidade.
É uma tentativa. De
difícil execução, mas é a única que suas excelências vislumbram no
horizonte. A dificuldade reside na convicção de investigadores e
julgadores de que a ideia é mesmo criar um ponto zero na crise, a partir
do qual haveria um alegado recomeço. Importante integrante do STF
rechaça a hipótese e aponta como prova a continuidade dos delitos mesmo
após o julgamento do mensalão e das prisões da Lava Jato. “Continuaram
fazendo tudo como sempre”, diz.
Se parlamentares
conseguirem aprovar a receita de “salvação” pretendida, Rodrigo Janot
deverá contestar, cabendo à Justiça decidir. “Aí veremos o Supremo que
temos”, vaticina uma das figuras mais rigorosas e influentes da Corte.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário