Para tentar
debelar uma crise institucional, o STF voltou atrás em decisão que já
havia tomado por maioria de votos. Com a ajuda da Suprema Corte, Renan
Calheiros pode agora se considerar, de fato, um cidadão acima da lei.
Coluna de Merval Pereira no jornal O Globo:
É uma
pena que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha tido que rever uma
decisão que já havia obtido a maioria dos votos, para debelar uma crise
institucional que só aconteceu porque o presidente do Senado, Renan
Calheiros, transformou um caso pessoal em disputa de Poderes, como se
ele sozinho fosse o Senado.
Com o
resultado do julgamento de ontem da liminar do ministro Marco Aurélio,
que o afastava da presidência do Senado por ter se tornado réu de um
processo no próprio STF, o senador Renan Calheiros tem sobejas razões
para considerar-se acima da lei. Desacatou o Supremo ao recusar-se a
receber a intimação do oficial de Justiça, e ainda foi mantido no cargo
por uma maioria refeita às pressas para evitar que a crise se
alastrasse.
A
incoerência das duas votações, uma a 3 de novembro, a outra ontem, por
si só mostra quão difícil deve ter sido organizar essa nova maioria. Ela
foi formada por três votos dados pela primeira vez – Carmem Lucia,
Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli – e três dos ministros reformularam
seus votos, a começar pelo decano Celso de Mello, que teve papel
preponderante nos dois julgamentos.
No
primeiro, fez questão de dar seu voto mesmo após Toffoli pedir vista do
processo. Com a decisão, Celso de Mello parecia querer dar a maioria à
tese de que um réu não pode ficar na linha de substituição do presidente
da República, neutralizando o pedido de “vista obstrutiva” de Toffoli.
Mas
ontem ele retificou parte do voto proferido no julgamento de mérito da
ADPF 402, alegando que constatou ao ler “o voto escrito do relator”, que
em suas conclusões Marco Aurélio Mello “foi além da compreensão que
tive.". Ontem ele também votou fora de hora, sendo o primeiro em vez de o
último, como a indicar a seus pares o caminho a seguir.
Disse
ele: “Os agentes públicos que detêm as titularidades funcionais que os
habilitam constitucionalmente a substituir o chefe do Poder Executivo da
União, em caráter eventual, caso tornados réus criminais perante esta
Corte, não ficarão afastados ipso facto dos cargos de direção que
exercem na Câmara dos Deputados, ou no Senado Federal, ou no Supremo
Tribunal Federal. Apenas sofrerão interdição para exercício do ofício
eventual e temporário de presidente da República.”
Mais
dois ministros mudaram seus votos, reduzindo a maioria anterior aos três
que repetiram ontem a posição anterior: o relator Marco Aurélio Mello,
Rosa Weber e Luis Fachin. Teori Zavascki mostrou-se preocupado com as
consequências políticas da decisão: “Em nada contribui para um
julgamento sereno e seguro a manutenção de um cenário político tenso,
que propicia críticas pejorativas de caráter pessoal”.
Luiz
Fux, que votara a favor da tese que um réu não pode estar na linha de
substituição, considerara que a própria Constituição estabelece regras
que resguardam a dignidade e a moralidade do cargo de presidente da
República. Ontem, mudou o entendimento, ressaltando a questão política:
“Não teríamos o mais tênue temor, estamos agindo com responsabilidade
política que nos impõe. […] Não há na Constituição Federal a previsão de
que recebida a denúncia o presidente do Senado ou da Câmara deva ser
afastado. Podemos construir esse afastamento por analogia com o que a
Constituição prevê para o presidente da República. Mas o periculum in
mora (perigo de demora na decisão) é inverso”.
É
verdade que até o final do julgamento os ministros podem mudar seus
votos, e o da ADPF 402 não terminou pois Toffoli pediu vista e ainda não
liberou o processo ao plenário. Mas o que houve ontem foi, a meu ver,
um entendimento equivocado de construção de acordo político para
garantir a governabilidade.
O STF
deveria ter mantido sua coerência, evitando a insegurança jurídica que
uma mudança de tal dimensão em questão de dias provoca. Além do que já
havia jurisprudência firmada, mais radical ainda, com o afastamento do
deputado Eduardo Cunha não apenas da presidência da Câmara como do
mandato parlamentar.
O
Senado, que já havia dado uma interpretação criativa ao impeachment da
então presidente Dilma, livrando-a da perda de direitos políticos, ontem
fez a mesma coisa em relação ao senador Renan Calheiros, fatiando a
pessoa dele do presidente do Senado.
A
sensação de que houve um acordo para acalmar a reação do Senado é
inevitável, depois que os ministros do STF reuniram-se com o
vice-presidente do Senado, Jorge Vianna. O próprio Renan antecipou para
quem quisesse ouvir qual seria a decisão do plenário do STF já na noite
de terça-feira. Na manhã de ontem, já se sabia até mesmo que Celso de
Mello daria o primeiro voto.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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