Em texto publicado no Instituto Liberal, a advogada Alice Queiroz manifesta, com indignação, o ue pensam milhares de cidadãos brasileiros: "o Judiciário brasileiro, personificado na figura da mais alta Corte de justiça, não me representa mais":
Coincidentemente lendo sobre a Lei de Improbidade Administrativa, nos últimos dias, me deparei com uma citação que dizia:
“O direito a um
governo eficiente, honesto e zeloso com pelas coisas públicas, tem,
nesse sentido, natureza transindividual: decorrendo, como decorre, do
Estado democrático, ele não pertence a ninguém individualmente; seu
titular é o povo, em nome e em benefício de quem o poder deve ser
exercido.” Tal citação foi extraída de um livro do Ministro Teori
Zavascki.
Ministro esse que, no
último dia 7, embora ausente fundamento constitucional para tanto,
proferiu seu voto em favor de um só indivíduo, ignorando os mesmos
direitos que prega pertencerem ao povo.
O direito a um
governo honesto foi esquecido pelo ministro por ocasião da votação, o
que torna hipócrita e até engraçada a citação referida acima, dada a
distância abissal entre pregar que o direito a um governo correto é de
titularidade do povo e escolher manter um criminoso contumaz em um dos
mais altos cargos da República: a presidência do Senado.
A redação Constitucional, pra não perder o costume, é lacunosa.
Discutir a inclusão
dos sucessores do cargo da presidência da República na proibição de
assim permanecer diante de denúncia recebida pelo STF, seria, portanto,
aceitável, não fossem as flagrantes manobras conduzidas pela Corte para
dificultar a clareza no julgamento da liminar oferecida no sentido de
afastar Renan Calheiros da presidência do Senado.
O que alguns
ministros fizeram no julgamento da ADPF na qual se discutia exatamente a
questão da extensão da proibição, cujo conteúdo vinha sendo por eles
debatido desde antes do recebimento da liminar de afastamento pelo STF,
não pode ser visto como mera rotina de trabalhos. Em se tratando de
Brasil, saudável é desconfiar de tudo até que se prove o contrário, e
não o inverso.
Existem alguns ministros nos quais eu, particularmente, já não confiava. Só pra exemplificar o que quero dizer:
Toffoli não foi
afastado do julgamento do Mensalão e nem se declarou impedido para
tanto, ainda que os motivos para que o fizesse fossem óbvios, julgamento
cujos comentários são dispensáveis neste momento.
Lewandowski,
respeitado constitucionalista e, por consequência, conhecedor da
Constituição, desmembrou o julgamento de impeachment da ex-presidente
Dilma como se não houvesse amanhã, em clara afronta a dispositivo
constitucional que, diferente do caso de Renan, é claro e não deixa
margem a qualquer dúvida.
O que pesou, no
julgamento da liminar de Renan, foi perceber que, na verdade, a Corte,
de forma geral, já não é mais digna de devoção ou confiança.
Independentemente da
mudança drástica de ares na votação da ADPF sobre a extensão da
proibição constitucional do art. 86, parágrafo único, inciso I à linha
sucessória, após o voto do decano Celso de Mello, verdade inconteste é
que a maioria dos ministros já havia se posicionado pela extensão.
Como explicar mudança
tão rápida de posicionamento numa questão de tamanha delicadeza, que
afeta inclusive membros do STF (já que o presidente da Corte integra a
linha sucessória da mesma forma)?
Não desconfiar desse
tipo de coisa nada mais quer significar do que uma cegueira deliberada
(teoria importada do direito americano inclusive já aplicada pela Corte
em questão) sem precedentes.
Numa votação que já
tinha futuro certo, o erro da Corte foi abrir as pernas e lançar mão de
um garantismo irresponsável, decorrente de interpretação literal da
Constituição, às vésperas de um julgamento que tinha tudo para salvar
parte da confiança que o Supremo ainda guardava junto ao povo.
Não consigo eleger o que mais me chocou no frigir dos ovos:
Se o voto do decano,
que não satisfeito em votar pelo não afastamento de Renan, inovou, se
sentindo o próprio Poder Constituinte, no auge de seu ativismo judicial,
votando no sentido de mantê-lo na presidência do Senado mas o afastando
de eventual sucessão no cargo de presidência da República;
Se o voto do
Lewandowski que, apesar de não me surpreender, usou como argumento o
absurdo de dizer que “não existe indicação de que o presidente da
República chegue a ser substituído pelo presidente do Senado”, como se a
Constituição fizesse qualquer ressalva nesse sentido; ou
Se o voto da Carmen
Lúcia, em quem eu confiava quase que plenamente e acreditava que pudesse
significar a expectativa de um novo Supremo sob a sua presidência.
De fato, a única
conclusão a que podemos chegar é que o Judiciário, infelizmente
representado, neste momento, pelo Supremo Tribunal Federal, que a cada
julgamento emblemático vem, salvaguardadas as raríssimas exceções,
envergonhando a nossa classe, foi rebaixado ao patamar de poder
desprovido de qualquer sentimento positivo por parte do povo, como já o
são há muito tempo os poderes Legislativo e Executivo.
Ainda que acredite
que política não possa se misturar com justiça, repudiando veementemente
qualquer conduta no sentido de confundi-los, incluindo a nomeação dos
ministros do Supremo pelo presidente da República e a prerrogativa de
função deste último no próprio Supremo, até essa semana, o Supremo ainda
carregava alguns “heróis de capa preta” nos quais eu me permitia
depositar minha própria confiança, tanto quanto cidadã como advogada.
Órfã de instituições
públicas que me representem, com a exceção do Ministério Público, que
vem fazendo um trabalho indefectível na famigerada Operação Lava Jato, é
com pesar que finalmente afirmo: o Judiciário brasileiro, personificado
na figura da mais alta Corte de justiça, não me representa mais.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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