J. R. Guzzo analisa os
erros cometidos pelos poderes nos últimos dias, observando que o STF
"deixou de funcionar como um tribunal de justiça". É apenas um
ajuntamento de 11 indivíduos "que têm interesses pessoais contraditórios
entre si". Os ministros são 11 ilhas que não formam um arquipélago.
Texto surrupiado da coluna de Augusto Nunes (Veja.com):
Um país pode ter
certeza de que está a caminho de grande confusão – ou, talvez, até de
que já tenha chegado lá – quando começam a se repetir na vida pública
situações nas quais é preciso escolher entre o errado e o errado. É um
erro um ministro do Supremo Tribunal Federal tomar uma decisão
considerada flagrantemente ilegal pela maioria dos colegas; fica pior
ainda quando se trata de uma contribuição consciente à desordem
política. É um erro que a direção do Senado Federal se recuse a
respeitar a decisão tomada, e que nove ministros da mais alta corte de
justiça do Brasil concordem com o ato de desobediência. O que está
valendo nessa história, afinal das contas? Quem fala primeiro? Quem fala
mais alto? Eis aí, na prática, o preço que os brasileiros estão pagando
por uma realidade que se torna cada vez mais alarmante: o STF deixou de
funcionar como um tribunal de justiça. Tornou-se, para efeitos
práticos, um ajuntamento de onze indivíduos que se separam uns dos
outros não por pensarem de modos diferentes sobre a lei, mas por que têm
interesses pessoais contraditórios entre si. São onze ilhas que não
formam um arquipélago.
Um ministro da
suprema corte brasileira, hoje em dia, equivale a aquele tipo de evento
natural que cai na categoria dos chamados fenômenos irresponsáveis –
raio, chuva, terremoto. São coisas que acontecem, simplesmente, sem
controle nenhum por parte de quem sofre os seus efeitos; é certo,
apenas, que todos pagam, assim como a população paga pelos repentes de
um grupo de cidadãos que têm poder de mais e responsabilidade de menos.
Ultimamente deram para governar o país, sem ter recebido um único voto,
sem a obrigação de prestar contas por nada do que fazem e sem correr,
jamais, o mínimo risco de perderem seus cargos. Como os poderes
executivo e legislativo foram desmoralizados até o seu último átomo pela
corrupção, a incompetência e a vadiagem, o STF cresceu de uma maneira
doentia, e completamente desproporcional à sua capacidade de gerir
conflitos. Já seria suficientemente ruim se o Supremo, com todas as suas
disfunções, agisse dentro de mecanismos racionais, coerentes e
previsíveis. Mas não é assim, como se comprova com frequência cada vez
maior. As decisões do STF podem ser qualquer coisa. O que é feito num
caso não é feito em outro igual – ou tão parecido que não dá para saber a
diferença. O que está valendo hoje pode não estar valendo amanhã. O
ministro “A” discorda do ministro “B” não porque vê as leis de outra
maneira, mas porque os dois são inimigos pessoais, políticos ou ambas as
coisas ao mesmo tempo; um acha que o outro simplesmente não tem o
direito de estar no cargo. Falam em “principialogia axiomática”,
“egrégio sodalício” ou “ofício judicante”, como se esse tipo de dialeto
revelasse sabedoria; conseguem, apenas, ser incompreensíveis.
Perde-se, como
resultado disso, tanto o senso de decência como o respeito à lei. Será
mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, como na Bíblia,
do que encontrar alguém a favor de Renan Calheiros entre os brasileiros
que de alguma forma se importam com política ou questões da vida
pública. É um tipo humano que praticamente só se encontra no Senado
Federal e no STF. Um bode expiatório, afinal das contas, muitas vezes
vale tanto quanto uma boa explicação – e Renan, com os onze processos
que tem no lombo e todo o restante do seu repertório, é uma figura
praticamente perfeita para o povo odiar. Mas quem está disposto, do
mesmo jeito, a apontar algum herói entre os gatos pingados que votaram
contra ele no Supremo? Situações de erro contra erro em geral não contêm
inocentes.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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