MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 15 de abril de 2012

Revista de moda turca mescla devoção e alta costura


'Ala' é chamada de 'Vogue de véu' pela imprensa turca.
Na publicação, calças apertadas e saias acima do tornozelo são proibidas.

Dan Bilefsky Do 'New York Times'

Do outro lado de um corredor iluminado por lâmpadas neon em um loft modernista da cidade, um grupo de modelos do Leste Europeu posa para um pôster de revista, todas com a cabeça coberta por véus de cores vivas.
Exceto pelo acessório religioso para a cabeça, a sessão de fotos poderia ser para qualquer revista de moda. Mas a 'Ala' - chamada de "Vogue de véu" pela imprensa turca - não é uma publicação comum. Em uma fusão improvável de valores islâmicos conservadores e alta costura, a revista apela abertamente às mulheres devotas e trabalhadoras que cobrem a cabeça com o véu, e que podem desejar uma bolsa da Louis Vuitton, mas não precisam das roupas reveladoras que permeiam as revistas de moda tradicionais.
Um dos fundadores da Ala, Ibrahim Burak Birer, um muçulmano religioso de 31 anos que costumava trabalhar como analista de marketing e gosta de usar calças jeans e jaquetas de grife, disse que decidiu criar a revista - seu nome significa "a mais bela entre as belas" em turco - depois de ver uma transexual com seios postiços e usando um vestido transparente, em uma revista de moda americana.
"Percebemos que havia uma lacuna a ser preenchida para as mulheres muçulmanas conservadoras da Turquia, que têm uma visão de mundo diferente", ele disse em uma entrevista no elegante escritório da Ala, onde jovens mulheres de véu trabalham inclinadas sobre computadores da Apple. "Até agora, a maioria das revistas de moda oferecia um estilo de vida pautado em ser sexy, magra e comer sushi. Mas nem todas as mulheres se vestem como as garotas de 'Sex and the City'."
Ucraniana é preparada para ensaio fotográfico da 'Ala', no dia 12 de março, em Istambul (Foto: Daniel Etter/The New York Times)Ucraniana é preparada para ensaio fotográfico da 'Ala', no dia 12 de março, em Istambul (Foto: Daniel Etter/The New York Times)
A Ala adere a rígidas orientações islâmicas de moda: os braços e a cabeça devem estar cobertos; e calças apertadas e saias acima do tornozelo são proibidas. No entanto, Birer afirma que não consta no Alcorão qualquer proibição contra saltos-agulha de 12 centímetros. "As mulheres podem ser elegantes e sofisticadas", ele disse. "Não há problema com a beleza feminina, desde que ela não seja sedutora."
O sucesso da Ala, que já conta com 30.000 assinaturas desde a sua fundação, em junho, reflete o surgimento de uma burguesia islâmica na Turquia, que prosperou sob o poder pró-islâmico do Partido de Justiça e Desenvolvimento, do primeiro ministro Recep Tayyip Erdogan.
A classe de comerciantes religiosos, que não vê nenhuma incompatibilidade entre usar um véu e dirigir uma Mercedes, está alterando a sociedade em um país outrora dominado por uma elite secular, que bania o uso de véus em instituições públicas. Na Istambul de hoje, empresários religiosos enfrentam filas de espera de seis meses por BMWs de US$ 150.000, enquanto jovens descoladas usando véus, calças jeans apertadas e batom vermelho brilhante enchem os mais de 80 shopping centers da cidade. Os véus, hoje, também estão por toda a parte nos campi das universidades.
Na revista Ala, páginas e páginas de mulheres lindas usando véus de grife ressaltam o crescente conforto da Turquia em relação a demonstrações tão abertas de religiosidade.
No entanto, apesar de todas as restrições declaradas da Ala, a revista e suas imagens chamativas de modelos com olhares sugestivos, fazendo beicinho e vestidas com roupas caras, foram criticadas por alguns acadêmicos religiosos. Eles afirmam que, seja a mulher fotografada exibindo um véu ou uma lingerie sexy, tal comportamento representa uma violação do Islã, que exige que as mulheres não ostentem sua feminilidade.
Outros intelectuais muçulmanos criticaram a Ala por defender o que eles consideram ser um tipo de comercialismo grosseiro, que não está de acordo com o Islã. (Um conceito islâmico, conhecido como "israf", proíbe as pessoas de consumir mais do que precisam.) Outros desconfiam do uso de modelos do Leste Europeu pela revista.
Uma edição recente continha um artigo sobre um opulento hotel à beira-mar em uma cidade na costa do Mediterrâneo, chamada Marmaria, que tem uma doca para iates particulares, bem como uma praia, uma piscina e locais de oração separados para homens e mulheres.
Outro artigo exaltava uma nova linha de luxuosos perfumes sem álcool, chamada Raviseine e criada por dois irmãos nascidos no Paquistão. O autor informou que os perfumes eram inspirados no Rio Sena e não continham ingredientes derivados de produtos de animais, como o porco, o que poderia ser considerado anti-islâmico.
Hulya Aslan, editora da Ala, em seu escritório em Istambul (Foto: Daniel Etter/The New York Times)Hulya Aslan, editora da Ala, em seu escritório em Istambul (Foto: Daniel Etter/The New York Times)
Em um entrevista publicada em uma edição recente, uma dona de casa de 24 anos listou as cinco coisas sem as quais não conseguiria viver: seu véu vermelho, uma camisa branca de seda, calças pretas, escarpins e o perfume Chanel Allure.
"Revistas como a Ala tentam promover um capitalismo monstruoso, falando para as pessoas consumirem bens que os turcos não têm condições financeiras de consumir", disse Ali Bulac, um intelectual muçulmano. "Nossa religião e o estilo de vida de nosso profeta nos encorajam a agir e viver modestamente, e não como no mundo representado pela Ala."
Mas Birer insistiu que não há nada de incompatível entre viver uma boa vida e ser um bom muçulmano. Por trás das críticas, ele enxerga uma visão antiquada de alguns conservadores, de que as mulheres muçulmanas devem ser submissas e invisíveis.
"Algumas pessoas nos criticam porque acreditam que o lugar das mulheres é em casa ou na cozinha", ele disse, afirmando ainda que sua mulher, que o aconselha em questões de moda, usa um véu e trabalha como dramaturga.
Quanto ao fato de a revista estar importando modelos longilíneas do Leste Europeu, ao invés de usar modelos locais, ele disse que elas são simplesmente mais baratas. Além disso, ele disse, algumas modelos turcas podem temer aparecer veladas, em um país onde o véu virou um dos símbolos de uma guerra cultural entre secularistas e conservadores religiosos.
Hulya Aslan, editora da Ala, uma jovem de 24 anos com um lindo véu com estampa de oncinha, argumentou que a representação de mulheres elegantes de véu assumida pela revista reflete o fortalecimento de uma geração de mulheres turcas devotas, e está ajudando a sociedade a superar estereótipos antiquados em relação ao uso do véu. "O véu vem sendo usado como arma política há tempo demais, mas existem milhões de jovens como eu que usam o hijab; estamos ajudando a destruir tabus", ela disse. "Também estamos superando a visão estereotipada de que as únicas mulheres que usam véus são tias velhas."
Com o crescimento do status regional da Turquia - e com produtos exportados da Turquia, como as novelas e a moda, ganhando força dentro do mundo árabe -, Birer e seu parceiro de negócios, Mehmet Volkan Atay, de 32 anos, disseram esperar capitalizar com a eventual publicação da revista em todo o Oriente Médio. "A Turquia está se tornando um modelo para o Oriente Médio, e a Ala poderia atingir um público mais amplo", disse Atay.
Mas nem todos estão convencidos disso. Ayse Bohurler, membro-fundadora do partido governante e uma das principais pensadoras conservadoras do país, disse suspeitar do que ela considera ser uma mensagem contraditória da revista para as mulheres. "O islamismo é uma religião que promove a modernidade", ela disse. "Mas usar um véu da Gucci não torna você uma mulher mais moderna."

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