MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 1 de abril de 2023

Se fã fosse bom, não começaria com F de “fuja”.

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI


Sei lá, vocês que pariram esse monstro da internet que o embalem: só o que me resta é ser o único membro do fandom de mim mesmo e compensar essa falta de quórum me tornando ainda mais insuportável. Te cuida, Bukowski. Via Crusoé, a crônica de Ruy Goiaba:


O que Jesus Cristo, Raul Seixas, Renato Russo e Charles Bukowski têm em comum? Claro, os fãs insuportáveis. Paulo Francis dizia que a ressurreição havia sido o primeiro happy ending da história; acredito que o Filho do Homem também foi um pioneiro da instituição “o cara é legal, mas aqueles fãs dele, cruz-credo” (um cruz-credo literal, no caso). Há a categoria “os fãs são insuportáveis e o ídolo é ainda pior”, que inclui basicamente qualquer político popular no Bananão. E há quem confunda ídolo com fã, como aquela pessoa que abordou o ator Ney Latorraca assim: “Ô, seu Neyla! Lá em casa o senhor é meu fã!”.

Alguém pode alegar que até eu tenho fãs, o que sinceramente desaconselho: como bom groucho-marxista ortodoxo, evito frequentar qualquer clube que me aceite como sócio — mas aceito de bom grado todos os elogios imerecidos, manda mais que tá pouco. Enfim, é sabido que o inglês fan vem de fanatic, e se essas coisas fossem saudáveis não começariam com F de “fuja”. Mas por que estou falando disso agora? Por causa do crítico de cinema do New York Times.

Ou melhor, ex-crítico: depois da última cerimônia do Oscar, A.O. Scott anunciou que vai parar de escrever sobre filmes para o jornal americano, função que exercia havia mais de 23 anos, e passará a ser resenhista de livros — esses objetos exóticos que quase ninguém mais lê — na New York Review of Books. No seu texto de despedida do NYT, Scott escreveu isto sobre as razões da sua saída:

“Gostei dos primeiros filmes do ‘Homem-Aranha’, fiquei impressionado com ‘Batman Begins’ e ‘O Cavaleiro das Trevas’ (…) e admirei a maneira como George Lucas conectou pontos míticos em ‘A Vingança dos Sith’. Mas não sou fã do fandom moderno. Não só porque fui atacado no Twitter por enxames de devotos furiosos da Marvel e da DC (…), ‘Top Gun: Maverick’ e ‘Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo’. É mais porque o comportamento dessas hordas de mídia social representa uma mentalidade antidemocrática e anti-intelectual que é prejudicial à causa da arte e antitética ao espírito do cinema. A cultura dos fãs se enraíza em conformidade, obediência, identidade de grupo e comportamento de multidão, e sua ascensão reflete e modela a disseminação de tendências intolerantes, autoritárias e agressivas em nossa política e nossa vida comunitária.”

Fandom, para quem não sabe, é uma fusão de fan com kingdom — ou seja, o reino dos fãs. É uma versão turbinada dos velhos fãs-clubes que, diante de qualquer crítica a seu objeto de adoração nas redes sociais, avança sobre o herege com uma ferocidade (virtual) digna das hordas mongóis de Genghis Khan partindo para devastar a Europa. Experimente você dizer um A contra “divas pop”, de Madonna a Taylor Swift, e aguarde ser encoberto por um tsunami de chatice vindo de gente que você nunca viu mais gorda (nem magra, nem de jeito nenhum), mas passa o dia na internet caçando referências aos seus ídolos. O subgênero divas pop, aliás, é um dos mais CHATOS do fandom no mundo todo.

Não acredito na “espontaneidade” absoluta do fandom — deve haver gente bem remunerada para fazer isso, como há entre os fãs-clubes de políticos — e acho que Scott erra ao dar a entender que o fenômeno é novo (“sua ascensão reflete e modela a disseminação de tendências intolerantes” etc.). Basta se lembrar de certas coisas que aconteceram entre os civilizadíssimos europeus nos anos 30 do século passado. Na verdade, o fenômeno dos aldeões com tochas deve ser tão antigo quanto a espécie humana: o modo mais tradicional de a multidão se expressar é o linchamento, e é muito melhor quando as redes sociais (essas, sim, novidade) permitem fazer isso do conforto do sofá e sem sangue nas mãos.

O ex-crítico de cinema, porém, está absolutamente certo sobre identidade de grupo e comportamento de manada. O modo como as redes funcionam, em especial o Twitter, favorece tanto as hordas quanto os provocadores que irritam esses grupos para ganhar engajamento: quem quiser “debater” qualquer coisa a sério por ali e emitir uma opinião sincera, mas que desagrade ao fandom, vai apanhar mais que boi ladrão, ainda mais se estiver numa vitrine como a do NYT.

O fato é que as tendências intolerantes voltaram à moda (ou a ser trendy, como diria um crítico de moda), repaginadas como stalinismo hipster ou fascismo 2.0, tanto entre os usuários do megafone das redes como fora delas — inclusive entre pessoas que se creem muito progressistas. Ou sem afiliação política, mas com aquela devoção de seita a artistas pop, filmes e outros produtos. Qual é a solução? Sei lá, vocês que pariram esse monstro da internet que o embalem: só o que me resta é ser o único membro do fandom de mim mesmo e compensar essa falta de quórum me tornando ainda mais insuportável. Te cuida, Bukowski.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Depois de suspender contas de seus críticos na imprensa, Elon Musk resolveu enviar aos jornalistas que escrevem para o e-mail [email protected] um emoji de cocô como resposta automática — aquele cocozinho sorridente. É o tipo de coisa que você acharia imatura se viesse de um adolescente espinhento, mas veio do homem mais rico do mundo, com mais de 50 anos na cara. Só posso concluir, como disseram no Twitter, que os espíritos de um moleque de 14 anos e de um barão do petróleo do século 19 disputam a possessão do corpo do cara.

Elon Musk, moleque bobo de 14 anos com um patrimônio de US$ 190 bilhões
Postado há por

Nenhum comentário:

Postar um comentário