BLOG ORLANDO TAMBOSI
Sei lá, vocês que pariram esse monstro da internet que o embalem: só o que me resta é ser o único membro do fandom de mim mesmo e compensar essa falta de quórum me tornando ainda mais insuportável. Te cuida, Bukowski. Via Crusoé, a crônica de Ruy Goiaba:
O
que Jesus Cristo, Raul Seixas, Renato Russo e Charles Bukowski têm em
comum? Claro, os fãs insuportáveis. Paulo Francis dizia que a
ressurreição havia sido o primeiro happy ending da história; acredito
que o Filho do Homem também foi um pioneiro da instituição “o cara é
legal, mas aqueles fãs dele, cruz-credo” (um cruz-credo literal, no
caso). Há a categoria “os fãs são insuportáveis e o ídolo é ainda pior”,
que inclui basicamente qualquer político popular no Bananão. E há quem
confunda ídolo com fã, como aquela pessoa que abordou o ator Ney
Latorraca assim: “Ô, seu Neyla! Lá em casa o senhor é meu fã!”.
Alguém
pode alegar que até eu tenho fãs, o que sinceramente desaconselho: como
bom groucho-marxista ortodoxo, evito frequentar qualquer clube que me
aceite como sócio — mas aceito de bom grado todos os elogios imerecidos,
manda mais que tá pouco. Enfim, é sabido que o inglês fan vem de
fanatic, e se essas coisas fossem saudáveis não começariam com F de
“fuja”. Mas por que estou falando disso agora? Por causa do crítico de
cinema do New York Times.
Ou
melhor, ex-crítico: depois da última cerimônia do Oscar, A.O. Scott
anunciou que vai parar de escrever sobre filmes para o jornal americano,
função que exercia havia mais de 23 anos, e passará a ser resenhista de
livros — esses objetos exóticos que quase ninguém mais lê — na New York
Review of Books. No seu texto de despedida do NYT, Scott escreveu isto
sobre as razões da sua saída:
“Gostei
dos primeiros filmes do ‘Homem-Aranha’, fiquei impressionado com
‘Batman Begins’ e ‘O Cavaleiro das Trevas’ (…) e admirei a maneira como
George Lucas conectou pontos míticos em ‘A Vingança dos Sith’. Mas não
sou fã do fandom moderno. Não só porque fui atacado no Twitter por
enxames de devotos furiosos da Marvel e da DC (…), ‘Top Gun: Maverick’ e
‘Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo’. É mais porque o comportamento
dessas hordas de mídia social representa uma mentalidade antidemocrática
e anti-intelectual que é prejudicial à causa da arte e antitética ao
espírito do cinema. A cultura dos fãs se enraíza em conformidade,
obediência, identidade de grupo e comportamento de multidão, e sua
ascensão reflete e modela a disseminação de tendências intolerantes,
autoritárias e agressivas em nossa política e nossa vida comunitária.”
Fandom,
para quem não sabe, é uma fusão de fan com kingdom — ou seja, o reino
dos fãs. É uma versão turbinada dos velhos fãs-clubes que, diante de
qualquer crítica a seu objeto de adoração nas redes sociais, avança
sobre o herege com uma ferocidade (virtual) digna das hordas mongóis de
Genghis Khan partindo para devastar a Europa. Experimente você dizer um A
contra “divas pop”, de Madonna a Taylor Swift, e aguarde ser encoberto
por um tsunami de chatice vindo de gente que você nunca viu mais gorda
(nem magra, nem de jeito nenhum), mas passa o dia na internet caçando
referências aos seus ídolos. O subgênero divas pop, aliás, é um dos mais
CHATOS do fandom no mundo todo.
Não
acredito na “espontaneidade” absoluta do fandom — deve haver gente bem
remunerada para fazer isso, como há entre os fãs-clubes de políticos — e
acho que Scott erra ao dar a entender que o fenômeno é novo (“sua
ascensão reflete e modela a disseminação de tendências intolerantes”
etc.). Basta se lembrar de certas coisas que aconteceram entre os
civilizadíssimos europeus nos anos 30 do século passado. Na verdade, o
fenômeno dos aldeões com tochas deve ser tão antigo quanto a espécie
humana: o modo mais tradicional de a multidão se expressar é o
linchamento, e é muito melhor quando as redes sociais (essas, sim,
novidade) permitem fazer isso do conforto do sofá e sem sangue nas mãos.
O
ex-crítico de cinema, porém, está absolutamente certo sobre identidade
de grupo e comportamento de manada. O modo como as redes funcionam, em
especial o Twitter, favorece tanto as hordas quanto os provocadores que
irritam esses grupos para ganhar engajamento: quem quiser “debater”
qualquer coisa a sério por ali e emitir uma opinião sincera, mas que
desagrade ao fandom, vai apanhar mais que boi ladrão, ainda mais se
estiver numa vitrine como a do NYT.
O
fato é que as tendências intolerantes voltaram à moda (ou a ser trendy,
como diria um crítico de moda), repaginadas como stalinismo hipster ou
fascismo 2.0, tanto entre os usuários do megafone das redes como fora
delas — inclusive entre pessoas que se creem muito progressistas. Ou sem
afiliação política, mas com aquela devoção de seita a artistas pop,
filmes e outros produtos. Qual é a solução? Sei lá, vocês que pariram
esse monstro da internet que o embalem: só o que me resta é ser o único
membro do fandom de mim mesmo e compensar essa falta de quórum me
tornando ainda mais insuportável. Te cuida, Bukowski.
***
A GOIABICE DA SEMANA
Depois de suspender contas de seus críticos na imprensa, Elon Musk resolveu enviar aos jornalistas que escrevem para o e-mail [email protected]
um emoji de cocô como resposta automática — aquele cocozinho
sorridente. É o tipo de coisa que você acharia imatura se viesse de um
adolescente espinhento, mas veio do homem mais rico do mundo, com mais
de 50 anos na cara. Só posso concluir, como disseram no Twitter, que os
espíritos de um moleque de 14 anos e de um barão do petróleo do século
19 disputam a possessão do corpo do cara.
Elon Musk, moleque bobo de 14 anos com um patrimônio de US$ 190 bilhões
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário