BLOG ORLANDO TAMBOSI
A disputa entre superpotências não é apenas política e militar, mas também econômica. David Brooks, do NYT, para o Estadão:
Então, ao que tudo indica, estamos em uma nova Guerra Fria. Líderes de ambos os partidos nos Estados Unidos mostram-se belicosos em relação à China. Tambores de guerra reverberam sobre Taiwan. Xi Jinping promete dominar o século.
Não
consigo deixar de imaginar: como será esta nova Guerra Fria? Será que
ela transformará a sociedade americana como a anterior?
A
primeira coisa que noto a respeito desta Guerra Fria é que as corridas
armamentista e econômica se fundem. Um foco principal do conflito até
aqui tem sido os microchips, os pequenos dispositivos que fazem
funcionar não apenas nossos carros e telefones, mas também guiam mísseis
e são necessários para treinar sistemas de inteligência artificial.
Quem domina a fabricação de semicondutores domina tanto o mercado quanto
o campo de batalha.
Em
segundo lugar, a geopolíticas é diferente. Conforme nota Chris Miller
em seu livro A guerra dos chips, a indústria dos microchips é dominada
por poucas empresas altamente bem-sucedidas. Mais de 90% dos
semicondutores mais avançados são fabricados por uma única empresa de
Taiwan. Uma empresa holandesa fabrica todas as máquinas de litografia
necessárias para a produção dos chips mais modernos. Duas empresas de
Santa Clara, Califórnia, monopolizam o design de unidades de
processamento gráfico, essenciais para executar aplicativos de
inteligência artificial em bancos de dados.
Esses
gargalos conformam uma situação intolerável para a China. Se o Ocidente
é capaz de bloquear o acesso da China à tecnologia de ponta, é capaz de
bloquear a China inteiramente. Portanto, a intenção da China é se
aproximar da autossuficiência em chips. A intenção dos EUA é se tornar
mais autossuficiente em chips do que são agora e criar uma aliança
global em torno dos semicondutores que exclua a China.
A
política externa americana foi rapidamente rearranjada segundo essas
linhas. Ao longo dos dois últimos governos, os EUA se movimentaram
agressivamente para impedir a China de obter a tecnologia de software e
os equipamentos necessários para a fabricação dos chips mais avançados. O
governo Biden está bloqueando não apenas empresas militares chinesas,
está bloqueando todas as empresas chinesas. Isso parece uma salvaguarda
óbvia, mas, colocado de outra maneira, é algo dramático: a política
externa oficial dos EUA é empobrecer uma nação de quase 1,5 bilhão de
habitantes.
Estou
ainda mais estarrecido com a maneira pela qual a nova Guerra Fria está
rearranjando a política doméstica. Desde 1791, após a publicação do
Relatório sobre manufaturas, de Alexander Hamilton, sempre houve
americanos que apoiaram política industrial: usar o governo para
fortalecer setores privados da economia. Mas essa linha de governo
ocorreu geralmente nas margens. E agora ela está no centro da política
americana em relação tanto a tecnologias verdes quanto aos chips.
No
ano passado, o Congresso aprovou a Lei dos Chips, com R$ 272 bilhões em
auxílios, créditos fiscais e outros subsídios para estimular a produção
de semicondutores dentro dos EUA. Trata-se de uma política industrial
que teria deixado Hamilton admirado e lhe arrancado aplausos.
Ao
longo dos próximos anos e décadas, a China investirá quantidades
imensas de dinheiro em seus próprios programas de política industrial em
uma série de tecnologias de última geração. Um analista do Centro de
Estudos Estratégicos e Internacionais estima que a China já gasta mais
de 12 vezes do que os EUA, em relação ao PIB, em programas industriais.
Nesses
próximos anos, os líderes dos EUA terão de perceber quão eficaz é esse
gasto — e como responder. Em maior medida até do que na última guerra
fria, esta próxima será travada por elites tecnológicas. Ambos os países
provavelmente gastarão bastante com seus cidadãos mais escolarizados —
situação perigosa numa era de ressentimentos populistas.
Já
começamos a perceber um novo conjunto de fissuras políticas. No centro
está a espécie dos neo-hamiltonianos que apoiaram a Lei dos Chips —
incluindo o governo Biden e os 17 republicanos não trumpistas que
votaram junto com os democratas a favor da legislação no Senado.
Na
direita já existe uma gama de populistas superbelicosos em relação à
China quando se trata de assuntos militares, mas que não acreditam em
política industrial. Por que devemos gastar todo o dinheiro com as
elites? O que te faz pensar que o governo é mais inteligente que o
mercado?
Na
esquerda há quem queira usar política industrial para atender objetivos
progressistas. O governo Biden emitiu um número incrível de imposições
sobre empresas que recebem auxílio da Lei dos Chips. Esses ditames
pretendem forçar as empresas a se comportar de maneiras que atendam a
uma série de prioridades progressistas extrínsecas: políticas favoráveis
a creches, maior sindicalização, metas ambientais, justiça racial etc.
Em vez de ser um programa com foco apenas em impulsionar a produção de
chips, ele tenta tudo de uma só vez.
Pode-se
esperar que, à medida que o ambiente de guerra fria se intensificar,
nossa política fique mais séria. Quando os americanos iam às urnas
durante a última guerra fria, eles percebiam que seu voto era uma
questão de vida ou morte. Pode ser que essa sensação volte.
Governar
nesta era requererá níveis extraordinários de experiência em estadismo:
empreendendo programas industriais que não acabem inchados,
desglobalizando parcialmente a economia sem travar guerras comerciais e
superando a China na competição constantemente, mas sem humilhá-la. Se
Pequim perceber que está retrocedendo a cada ano, uma invasão a Taiwan
pode vir a ser mais iminente.
Miller
foi questionado a respeito da probabilidade de, nos próximos cinco
anos, um conflito militar perigoso entre EUA e China poder produzir uma
crise econômica equivalente à Grande Depressão. Ele a estimou em 20%.
Parece grande o suficiente para merecer atenção.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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