BLOG ORLANDO TAMBOSI
A computação quântica resolveria em segundos um cálculo que um computador normal levaria “dezenas de milhares de anos”. Dagomir Marquezi para a Oeste:
Você já está planejando comprar um CQ? Ainda nem pensou nisso?
CQ
é a sigla para computador quântico. E, na verdade, ninguém comprou um
ainda. A rapidíssima popularização dos serviços à base de inteligência
artificial (como o ChatGPT) pode dar a ilusão que computadores quânticos
estarão disponíveis nas lojas para o próximo Natal, em dez prestações
sem juros.
A
verdade é que os CQs ainda estão sendo desenvolvidos em gigatechs, como
IBM, Accenture, Honeywell e Microsoft. A Google está construindo um
laboratório em Santa Barbara, Califórnia, que deverá contar com centenas
de funcionários e uma fábrica de chips de processamento quântico até
2029. Calcula-se que sejam uma realidade comercial só daqui 20 anos. Mas
a gente nunca sabe…
Afinal,
o que é a computação quântica? Basicamente a computação “clássica”, ou
tradicional, opera à base de bits binários. Tudo, inclusive este texto, é
reduzido a dois bits, 0 e 1. A computação quântica
não usa bits, mas qubits, que são estados múltiplos que variam entre 0 e
1. Esses qubits agem num “emaranhado” de informações que se comunicam
simultaneamente, atingindo resultados de maneira muito mais eficiente e
rápida do que os computadores clássicos.
Dois
exemplos disso. Em 2019, uma equipe da Google conseguiu resolver em
segundos um cálculo que um computador normal levaria “dezenas de
milhares de anos”. O mesmo aconteceu com um CQ da empresa Xanadu, que
resolveu um problema chamado “Gaussian boson sampling” em menos de um
segundo. Um supercomputador clássico gastaria cerca de 9 mil anos para
solucionar o mesmo problema.
Se você quiser ter um primeiro contato com a computação quântica, pode se inscrever no laboratório do IBM Quantum.
É uma boa oportunidade para perceber quanto nós, leigos, estamos longe
desse universo. Não espere absolutamente nada simples, como “dar um
Google”. Se você não for da área, provavelmente não vai entender nada do
que acontece nesse laboratório.
Dario
Gil, diretor da IBM Research, em frente ao computador quântico IBM Q
System One. A máquina é lacrada em um cubo de vidro preto, para proteger
do frio e vedar de ruídos e interferências do universo
O restaurante e a empresa aérea global
Um
artigo da revista MIT Sloan Management Review define tecnicamente que
todos esses pesquisadores estão em busca da “vantagem quântica”. Ou
seja, buscam provas de que um CQ consiga executar um cálculo impossível
de ser resolvido num computador binário normal. Ultimamente, essa busca
também está levando a uma meta mais prática — a “vantagem econômica
quântica”, ou seja, quando o CQ consegue oferecer soluções de business
mais avançadas que um computador convencional.
O
uso da computação quântica visa à solução dos chamados “combinatorial
optmization problems”, ou problemas de otimização combinatória. Um
exemplo simples: restaurante pretende criar um novo menu. É preciso
otimizar ao mesmo tempo a aquisição dos ingredientes, o estilo do chef, a
expectativa dos clientes, as condições climáticas. Num caso como esse,
apesar das muitas variáveis, a otimização pode ser realizada até de
cabeça e anotada num caderno.
Mas
imagine administrar uma empresa aérea de alcance global. Você tem de
lidar a cada segundo com a situação e a localização de cada um dos seus
aviões. Precisa saber as condições climáticas em cada aeroporto, em cada
rota. Necessita lidar com centenas de funcionários, atendentes, pilotos
e comissários de bordo. Necessita tomar decisões urgentes, como lidar
com greves de funcionários, arrumar acomodações para passageiros
impedidos de voar por causa das condições meteorológicas ou problemas
técnicos, precisa monitorar dezenas de bagagens que se extraviam etc. E
você não pode resolver um problema de cada vez. Tudo acontece ao mesmo
tempo, o tempo todo, segundo a segundo. É um caso clássico (e
assustador) de problema de otimização combinatória.
Cinco aplicações práticas para a CQ
Em artigo para a Harvard Business Review,
os autores Jonathan Ruane, Andrew McAfee, e William D. Oliver escrevem
que, apesar de todos os investimentos, um computador quântico à venda no
mercado não é para já. Eles lembram que o transistor foi inventado em
1947, o primeiro chip de 4 bits só apareceu 25 anos depois, e precisamos
esperar mais um quarto de século para que a Pentium apresentasse seu
chip com o equivalente a milhões de transistores. Uma coisa é
desenvolver um programa. Outro é dar saltos em hardware. Esse processo
demora muito mais.
Além
disso, com todo seu potencial, os qubits não são fáceis de lidar. Eles
duram pouco e sofrem interferência de vibração, temperatura e outros
fatores externos. Podem proporcionar milagres, mas são instáveis, e no
atual estágio de desenvolvimento essa instabilidade pode levar a erros.
São as dores do parto.
O
artigo da Harvard Business Review levanta alguns ramos de atividade
econômica em que os computadores quânticos poderão ser usados:
Simulação —
Em áreas como química, energia e farmacêutica, experiências que
durariam anos e custariam um monte de dinheiro, a CQ pode cortar o
caminho, com o atalho da simulação. Dezessete empresas farmacêuticas
(entre elas AbbVie, Bayer, GSK, Takeda e Pfizer) formaram o consórcio
QuFarm, para acelerar o progresso na área, simulando a ação de drogas
ainda experimentais;
Sistemas lineares
— É esse sistema que faz com que a Netflix sugira os filmes e as séries
que atingem seus milhões de clientes. O uso de CQ com sistemas lineares
poderá capacitar os computadores a criarem universos ficcionais
completos para uso em filmes e animações. O mesmo princípio terá a
capacidade de produzir DNAs sintéticos, que poderão gerar moléculas
ainda não existentes para o tratamento do câncer;
Otimização
— Na computação clássica, algoritmos para a otimização determinam qual o
melhor cenário para chegar a um objetivo específico. A otimização
quântica poderá acelerar e aperfeiçoar esse processo, especialmente em
instituições financeiras. Empresas como Goldman Sachs e JPMorgan Chase
já estão investindo fundo nessa possibilidade;
Busca não estruturada
— Usando um exemplo muito simplista, quando você pede para um
computador convencional buscar, numa lista de 1 milhão de pessoas,
quantas possuem a letra W no seu nome, ele vai encontrar e entregar o
resultado. Se você perguntar quantas possuem a letra Y, o computador vai
começar tudo de novo. Com a computação quântica, o conhecimento da
primeira busca fica registrado para ajudar na segunda, na terceira etc.
Esse princípio serve para processar transações de cartão de crédito e
até para buscar sinais de inteligência extraterrestre ou mapear
sequências de DNA para encontrar problemas cardíacos;
Fatoração e criptografia
— Aqui entramos no território que vai da senha do seu cartão de crédito
à segurança de um sistema de armas nucleares. Um hacker, de posse de um
computador quântico, teoricamente vai ter a capacidade de penetrar em
qualquer forma de segurança. Essa é uma das razões por que a tecnologia
de CQ vai ter de ser mais aperfeiçoada antes de ser lançada no mercado.
Sistemas de segurança precisam estar à altura desses novos desafios.
Longe do nosso cotidiano
Mas
a utilização da computação quântica nos negócios já começa a ser
projetada. Em maio de 2022, o Itaú deu um susto no mercado, ao lançar um
release com o seguinte título: “Itaú e QC Ware usam princípios de
computação quântica para fortalecer retenção de clientes”. Mas o Itaú
está usando apenas alguns princípios baseados no algoritmo desenvolvido
pela empresa QC Ware, para tentar manter a fidelidade de clientes,
tentando prever quais deixariam o banco num prazo de três meses. (O Itaú
e o Bradesco foram procurados, mas não quiseram conversar com Oeste a
respeito.)
Ao
contrário do que está acontecendo com a inteligência artificial, a
computação quântica está ainda longe do nosso cotidiano. Eduardo Inacio
Duzzioni, físico da Universidade de Santa Catarina, se especializou em
CQ e contou para Oeste que o entusiasmo por essa nova tecnologia não
pode ser confundido com a realidade:
“Não
há nenhum caso divulgado em que a computação quântica tenha fornecido
alguma vantagem computacional em um problema prático nos dias atuais”,
afirma Duzzioni. “Alguns casos divulgados por startups de CQ afirmam ter
vantagem, mas muitas vezes comparam seus exemplos com PCs de uso comum.
Se compararmos todas as métricas envolvidas, desde os custos do
equipamento etc., não há vantagem ainda. Estamos trabalhando para chegar
lá. Outras empresas alegam ter obtido sucesso através da CQ, mas na
verdade utilizam uma computação clássica inspirada em computação
quântica. Portanto, não é CQ”.
Então
estamos na estaca zero? Não exatamente, segundo Eduardo Duzzioni.
“Outra maneira de utilizar a CQ no seu cotidiano consiste em realizar
pesquisas sobre o tema, desenvolver provas de conceito do problema
industrial usando computadores quânticos, formar pessoal para esse novo
mercado de trabalho etc. Nesse caso, conheço algumas instituições
públicas e privadas que estão trabalhando no tema, tais como
Itaú-Unibanco; Bradesco; Klabin; Petrobrás; algumas startups, como
Quanby, Brazil Quantum, DualQ; universidades, como UFSC, CBPF, UFSCar,
UFF, UFRJ, UFMG, UFSM, UFPE, USP; além das Forças Armadas do Brasil e
Senai-Cimatec.”
Temos
equipamento para desenvolver a computação quântica no Brasil? “O
hardware baseado em qubits supercondutores para CQ vem sendo
desenvolvido através de uma colaboração entre o CBPF e a Unicamp. A IBM
possui parcerias com várias empresas em todo o globo. As notícias
divulgadas sobre os resultados da utilização dos hardwares da IBM por
essas empresas são que as mesmas ainda estão em fase de adaptação,
procurando descobrir em quais etapas dos seus processos produtivos a CQ
melhor se encaixa. Os resultados conhecidos envolvem apenas provas de
conceito de problemas reais, já que os computadores quânticos atuais
possuem poucos qubits e sofrem com forte ruído.”
Eduardo
Duzzioni acha cedo para identificar a quais áreas da economia
brasileira a computação quântica poderia dar sua maior contribuição.
“Alguns setores da economia brasileira que podem ser impactados pela CQ
são os setores financeiro, óleo e gás, logística, agricultura, energia,
saúde e bioquímico. Até o momento, a visão que temos é que a CQ só
apresenta vantagem no processamento e no armazenamento de grande volume
de dados, em outras palavras, em processos que possuem maior grau de
complexidade. Por isso grandes corporações e governos são os mais
interessados em CQ, uma vez que também envolve segurança cibernética.”
“Máquinas complexas operadas por especialistas”
E
quanto a nós, pequenos empresários e usuários individuais? “Ainda não é
possível prever se os computadores quânticos serão acessíveis por
pessoas comuns e pequenas empresas, ainda que remotamente pela nuvem,
pois quando os mesmos estiverem funcionando como esperado (com um grande
número de qubits e sem erros) o acesso será muito caro, dado o seu
grande poder computacional. Talvez a CQ seja uma tecnologia vantajosa
financeiramente apenas para grandes corporações.”
Ivan
de Oliveira, pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas
Físicas do Rio de Janeiro, tem a mesma expectativa: “Espera-se que a CQ
esteja plenamente desenvolvida entre 20 e 30 anos. Ela vai revolucionar
todas as áreas do conhecimento, mas os efeitos dessa revolução chegará
ao cidadão comum de forma indireta, como, por exemplo: descoberta de
novos fármacos, desenvolvimento da IA com todas as suas aplicações,
design de novos materiais para aplicações tecnológicas, e um sem-número
de aplicações na ciência básica. Os computadores quânticos, pelo menos
na escala de tempo mencionada, serão máquinas complexas operadas por
especialistas. O cidadão leigo não terá acesso a computadores quânticos
da mesma forma que acessam os computadores usuais. Mas irá se beneficiar
imensamente deles”.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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