BLOG ORLANDO TAMBOSI
Tudo indica que não temos na chefia do governo brasileiro alguém capaz de pacificar o país, seja por estar afogado em ressentimentos, seja por manter a vibe da Guerra Fria. Augusto de Franco para a Crusoé:
“A Rússia é muito importante para garantir que a paz no mundo prevaleça por muitos e muitos séculos.”
A
frase não foi dita por algum líder de esquerda durante a Guerra Fria
dos anos 60. Quem a pronunciou, literalmente, foi Lula, na última
terça-feira, 21, em entrevista ao vivo à TV 247.
Na
mesma entrevista, aquele que queria ser visto como um novo Mandela
contou que, quando estava preso em Curitiba, disse a procuradores que o
visitaram que só ficaria bem quando “eu f… esse Moro”. Ora, um líder de
uma frente eleitoral que se formou em defesa da democracia e da
civilidade tem que ter bons modos e um mínimo de generosidade. Não pode
dizer que só vai ficar bem quando f… (no mau sentido) outra pessoa,
mesmo que a tenha por inimiga. Fica claro que quem se comporta assim não
pode ser um Mandela, mas justo o seu oposto.
Não
parou por aí. Lula também lançou mão de uma teoria da conspiração,
atribuindo sua condenação e a de outros políticos e empresários
corruptos, pegos pela operação Lava Jato, à interferência dos Estados
Unidos na Justiça brasileira. Seria, segundo ele deu a entender, um
plano para destruir as empreiteiras brasileiras que estavam começando a
disputar mercado com as americanas, no Brasil e em outros países.
Todas
as evidências indicam que não temos na chefia do Estado e do governo
brasileiros alguém à altura da tarefa. Seja porque jamais vai ser capaz
de pacificar e unir o país – dado que, afogado em ressentimentos,
insiste em insuflar a revanche, apostando na vingança e num acerto de
contas final com um inimigo (real ou imaginário) –, seja porque não
conseguiu se desvencilhar da vibe da Guerra Fria (tomando os EUA como o
grande satã), seja porque, é forçoso desconfiar, parece não estar
batendo muito bem da bola.
Os
bolsonaristas dirão: “Faz o L”, “Nós avisamos” e outras besteiras
semelhantes. Seu argumento principal é que Bolsonaro, a despeito de ser
tosco e mal-educado, era menos perigoso. Para eles, o Bolsonaro era
menos pior do que o Lula porque era apenas um falastrão, sem
competência, força e base organizada para desferir um golpe mortal na
democracia.
Ora,
impedir a reeleição de Bolsonaro foi, além de um imperativo
democrático, uma proteção civilizatória. O problema de Bolsonaro não é
que ele tivesse condições reais de dar um golpe de Estado à moda antiga,
com tanques nas ruas (e tanto não tinha que não deu). O problema é que
sua pregação incivil abriu as campas dos cemitérios, permitindo que uma
legião de zumbis levantasse de suas tumbas e tomasse de assalto o espaço
público. Remexeu a lama da cultura patriarcal que estava decantada no
fundo do poço, por assim dizer, no subsolo das consciências,
normalizando comportamentos que já se esperava sepultados pela vida
civilizada moderna. Assim, passaram a ser comuns opiniões (e ações)
contra a democracia e os direitos humanos, a favor da tirania, da
tortura e da execução sumária de inimigos da família, da pátria e de
Deus, cometidas por seus fanáticos. Isso disparou um alerta vermelho!
Esse tipo de mal tem que ser cortado pela raiz, do contrário entraremos
em um mundo no qual não valerá a pena viver. Bolsonaro era, portanto,
além de uma ameaça política, uma ameaça à vida propriamente humana em
sociedade. Por isso foi correto votar em qualquer um para removê-lo.
Infelizmente, dada uma constelação aziaga de fatores, esse qualquer um
calhou de ser o Lula.
Mas…
e agora? As circunstâncias nos impuseram a pior solução para o
problema. Caímos nas mãos de um ator populista com pendores autoritários
(cuja cabeça ainda está na primeira Guerra Fria), imbuído do propósito
de reescrever a história a seu favor (gerando continuamente
pós-verdades) e, como se não bastasse, com aparentes déficits de
equilíbrio emocional que perturbam seu juízo.
E
Lula, ao contrário de Bolsonaro, não é um líder isolado. É um chefe
partidário, de um partido muito complicado, que se diz democrático, mas
não o é no sentido pleno do conceito. O fato de o PT ter ficado 13 anos
no governo e não ter tentado dar um golpe de Estado não é prova de sua
conversão cabal à democracia. Golpe nunca foi mesmo a estratégia do PT.
Ele quer ganhar eleições sucessivamente até se tornar hegemônico. No
limite, até que toda a população vire simpatizante do PT, embora saiba
que isso não é possível (mas, para todos os efeitos práticos, é como se
fosse: um tipo de organismo como o PT precisa de utopias totalizantes).
Quem
é democrata não pode admirar ou não condenar vigorosamente ditaduras
(seja Cuba, Venezuela, Nicarágua ou Angola; seja Rússia, China, Síria ou
Irã). Não pode inventar desculpas, nem contemporizar em nome da
necessidade de diálogo ou de interesses comerciais. Pois bem. Lula (na
entrevista já citada) foi além dos “interesses comerciais” (o velho
biombo usado por populistas para esconder as verdadeiras razões de suas
alianças com ditaduras) ao afirmar que quer “ampliar a relação política
com a China”.
Êpa!
Relação política? Ampliar a relação política? O que isso significa?
Pelo visto vamos apoiar o domínio da ditadura de Xi Jinping sobre o
Tibete e Xinjiang e a anexação de Taiwan. Pelo visto vamos endossar a
proposta de “paz” à chinesa, com 12 pontos que falam de tudo para não
falar do fundamental: a retirada das tropas russas invasoras da Ucrânia.
Pelo visto vamos fechar os olhos para a ameaça que a Rússia imperial
representa, não só para a Ucrânia, mas para todo o mundo: o fim da ordem
mundial baseada em regras e valores democráticos e sua substituição por
uma ordem desumana baseada na lei do mais forte. Mas Lula, pelo que
disse, deve achar que é isso mesmo, pois, afinal, ele só quer a paz e “a
Rússia é muito importante para garantir que a paz no mundo prevaleça
por muitos e muitos séculos”.
A
impressão que se tem é que não é mais apenas uma questão de opinião ou
ideologia política. Fica-se em dúvida se Lula está realmente em seu
juízo perfeito.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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