BLOG ORLANDO TAMBOSI
O otimismo é uma força, não uma fraqueza. Enquanto algumas pessoas retratam o otimismo como ingênuo ou fora de contato com a realidade, Ronald Reagan entendeu seu poder. Ana Paula Henkel para a Oeste:
Mikhail
Gorbachev morreu na última terça-feira, aos 91 anos, em um hospital de
Moscou. Como o último líder da União Soviética, Gorbachev ficou
conhecido por aumentar a diplomacia com líderes ocidentais,
principalmente com o 40º presidente norte-americano, Ronald Reagan, e
por inaugurar uma série de reformas políticas que precederam a total
dissolução da União Soviética, em 1991.
Um
dos eventos mais notáveis que levaram ao colapso da União Soviética
foi a destruição do Muro de Berlim, em novembro de 1989, que dividia o
enclave democrático da Alemanha Ocidental e da Alemanha Oriental desde
1961. Berlim Oriental era controlada pelos soviéticos.
Com
a morte de Gorbachev, nesta semana ressurgiu nas redes sociais e TVs o
famoso discurso de Reagan “Tear down this wall”, proferido na Berlim
Ocidental perto do Portão de Brandemburgo, em 12 de junho de 1987. Pouco
mais de dois anos no mandato de Gorbachev como secretário-geral do
Partido Comunista Soviético, Reagan elogiou as tentativas de reformas do
líder soviético como “compreendendo a importância da liberdade”, mas
antes instou-o a derrubar o muro que mantinha a liberdade fora da vida
de muitos alemães. Reagan era um capitalista ávido e defensor da
liberdade. Um presidente determinado a anular a corrida armamentista
nuclear dos Estados Unidos com o “império do mal” da União Soviética,
expressão que o presidente usou em um discurso em 1983. Gorbachev era um
jovem comunista comprometido com o regime e que havia subido na
hierarquia política para liderar a URSS, mas pressionado publicamente
por reformas.
No
discurso “Tear down this wall”, facilmente encontrado no YouTube e
incrivelmente inspirador, Reagan diz: “Acreditamos que liberdade e
segurança andam juntas, que o avanço da liberdade humana só pode
fortalecer a causa da paz mundial. Há um sinal que os soviéticos podem
dar que seria inconfundível, que faria avançar dramaticamente a causa da
liberdade e da paz. Secretário-geral Gorbachev, se você busca a paz, se
você busca prosperidade para a União Soviética e a Europa Oriental, se
você busca a liberalização: venha aqui para este portão”. E, então,
Reagan profere as históricas palavras: “Sr. Gorbachev, abra este portão!
Sr. Gorbachev, derrube este muro!”.
O
apelo do presidente Ronald Reagan em 1987 ao líder soviético Mikhail
Gorbachev para derrubar o Muro de Berlim é considerado um momento
decisivo de sua presidência — e é simplesmente incrível como esse
discurso permanece atual, vivo e pertinente até hoje, sempre vale a pena
assistir a ele. Um dos pontos mais interessantes é que, de acordo com o
redator de discursos de Reagan na época, Peter Robinson, essas palavras
poderosas quase não foram ditas.
Um
trecho do discurso — que inclui a lendária frase “Sr. Gorbachev,
derrube este muro!” — foi quase cortado depois que os conselheiros do
Departamento de Estado e do Conselho de Segurança Nacional acharam que a
passagem poderia ser provocativa demais, relata Robinson. Um assessor
direto da Casa Branca chegou a afirmar que o trecho não era nada
“presidenciável”. Mas depois que o Muro de Berlim caiu — em 9 de
novembro de 1989 — as palavras de Reagan, proferidas menos de dois anos
antes, definiram um ponto de virada nas relações EUA–União Soviética. O
que antes era considerado audacioso se tornou auspicioso.
Ronald Reagan, George W. Bush e Mikhail Gorbachev, em Nova Iorque, 1988
Peter
Robinson, que hoje faz parte do Hoover Institution, um think tank
conservador de políticas públicas liberais e uma instituição de pesquisa
dentro da Universidade de Stanford, diz que “o discurso se tornou
retroativamente profético” e que, “depois que o muro caiu, parecia ter
resumido e até previsto a fase final da Guerra Fria”. Quando o muro
caiu, Robinson já havia deixado a Casa Branca e era estudante de
pós-graduação na Stanford Graduate School of Business, mas recorda:
“Lembro-me de dirigir da escola de negócios até a casa que estava
alugando com três outros amigos e estava com o rádio do carro ligado.
Voltei para casa, liguei a TV e ela ficou ligada por horas! Estava
maravilhado. Na verdade, nunca esperei que o muro fosse cair tão
rápido”.
Símbolo da liberdade
Já
escrevi alguns artigos aqui em Oeste sobre passagens históricas de
vários discursos daquele que, para mim, foi um dos maiores presidentes
norte-americanos e uma das figuras políticas mais importantes para a
humanidade. Hoje, no entanto, gostaria de trazer alguns fatos por trás
do discurso que se tornou um símbolo eterno pela liberdade, até para que
sirva de inspiração para todos nós, vivendo tempos assustadoramente
sombrios em 2022.
Peter
Robinson começou a trabalhar para Reagan como um de seus redatores de
discursos em 1985. Em 1987, ele foi designado a escrever as observações
que Reagan faria no Portão de Brandemburgo, um monumento do século 18
que fazia parte do Muro de Berlim. Construído em 1961 pela República
Democrática Alemã (RDA, Alemanha Oriental), o Muro de Berlim cortou o
acesso da Alemanha Oriental ao enclave vizinho da Alemanha Ocidental nas
profundezas do estado comunista. Robinson, que viajou para Berlim
Ocidental em 1987 com a equipe do presidente responsável pelo
planejamento da iminente viagem, relembra: “Berlim Ocidental, um pequeno
bolsão no interior da Alemanha Oriental, era uma cidade moderna. As
pessoas estavam bem-vestidas, havia essa sensação de cor e atividade”.
A
primeira coisa que Robinson e a equipe fizeram quando chegaram foi
visitar o Portão de Brandemburgo. Lá, Robinson subiu uma série de
degraus para uma plataforma de observação que dava para Berlim Oriental.
Enquanto ele olhava para o estado comunista, “foi como se a cor tivesse
sumido da câmera”, disse ele. “Havia uma sensação de que tudo estava em
mau estado de conservação e malcuidado, mas, ao virar-se, você via cor,
atividade, pessoas indo para os lugares, sorrindo, conversando. E então
você olhava de volta para Berlim Oriental e via esse tipo de vazio
estranho, incolor… e um silêncio sepulcral. Foi quando pensei: ‘O que
posso escrever que daria ao presidente material igual a este lugar?'”.
Portão de Brandemburgo, em Berlim, 1981
A
inspiração não vinha e, bastante desanimado, já que a falta de vida e a
de esperança eram sentimentos avassaladores ali olhando para uma “preta
e branca” Alemanha Oriental, Robinson esperava que seu próximo encontro
com um diplomata norte-americano de alto escalão lhe fornecesse o
material necessário para o discurso. Mas isso também foi inútil, disse
Robinson: “Ele estava cheio de ideias sobre o que Reagan NÃO deveria
dizer, incluindo — sob nenhuma circunstância — qualquer alarde ou menção
sobre o Muro de Berlim. “Eles já se acostumaram”, disse o diplomata.
Foi
só quando Robinson se separou da equipe de pesquisa para se juntar a um
grupo de berlinenses para jantar que ele finalmente encontrou o que
faltava. Ele conta que se surpreendeu com a onipresença do muro e
perguntou a seus companheiros de jantar se eles — como insistiu o
diplomata — realmente se acostumaram com a barricada de concreto de 44
quilômetros que cercava sua cidade. “Houve um silêncio. E, pensei,
cometi exatamente o tipo de gafe que o diplomata quer que o presidente
evite. Eles se entreolharam e um homem apontou e disse: ‘Minha irmã mora
a poucos quilômetros naquela direção, mas não a vejo há mais de 20
anos. Como você acha que nos sentimos em relação a esse muro?’”, conta
Robinson em um vídeo, mais de 30 anos após a queda do muro, ainda
visivelmente emocionado.
O
jovem redator do então homem mais poderoso do planeta mergulhou em uma
das experiências mais importantes para ele e que brindou a humanidade
com um dos discursos mais corajosos já vistos. Para o resto da noite, os
convidados compartilharam suas vivências, e Robinson percebeu que os
moradores de Berlim simplesmente pararam de falar sobre o muro, em vez
de se acostumarem com ele. A conversa então se voltou para a anfitriã,
Ingeborg Elz. Ela disse a Robinson que, se Gorbachev levasse a sério as
reformas propostas, ele poderia provar isso indo a Berlim e derrubando o
muro. “Eu sabia naquele momento que, se o presidente estivesse lá no
meu lugar, ele teria respondido enfaticamente a esse comentário e sua
decência, simplicidade, poder e veracidade”, disse Robinson.
Robinson
escreveu as observações sobre essa experiência no discurso de Reagan,
mas sabia que enfrentaria resistência dentro da própria Casa Branca. Ele
e dois de seus redatores-chefes queriam primeiro a opinião de Reagan
para finalizá-lo e, com um pouco de discrição, levaram um rascunho para o
presidente no final de uma semana especialmente ocupada antes que
qualquer outra pessoa pudesse vê-lo. Na segunda-feira, quando a equipe
se reuniu com Reagan, um dos editores perguntou se ele tinha alguma
opinião sobre o discurso e apenas comentou que era um bom rascunho.
Robinson então interveio e disse ao presidente que as pessoas em Berlim
Oriental poderiam ouvi-lo falar; que, dependendo das condições
climáticas, ele poderia ser ouvido até em Moscou pelo rádio. Robinson
perguntou se havia algo que Reagan queria transmitir às pessoas que
ouviriam do outro lado, e o presidente disse: “Bem, há aquela passagem
sobre derrubar o muro. É isso o que eu quero dizer a eles. Esse muro tem
que cair”.
Nas
três semanas seguintes, o Conselho de Segurança Nacional e o
Departamento de Estado trocaram ideias com a equipe de comunicação da
Casa Branca para mudar o discurso. Robinson conta que sete rascunhos
alternativos foram apresentados. Todas as versões estavam sem o chamado
para derrubar o muro. Mas Robinson estava determinado. A experiência da
Alemanha viva e colorida e da Alemanha sem cor e gélida, assim como as
palavras dos alemães naquele jantar, foi fundamental para alimentar sua
determinação em tentar manter o trecho. Robinson relembra: “Agora olho
para trás e penso: ‘O que eu estava pensando?!’ Eu tinha 30 anos, estava
em Berlim há um dia e meio e estava convencido de que sabia melhor que
os especialistas em política externa do governo dos EUA sobre o que o
presidente deve dizer. Parece loucura, mas eu estava convencido. Algo me
dizia que precisávamos seguir aquele caminho”.
Encontro entre Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, em 1986
Embora
Robinson reconheça que ele é creditado por escrever o discurso, ele
defende que o discurso é de Reagan. Ele relata que tudo o que ele fez
foi tentar refletir as políticas e as posições de Reagan e de que apenas
Reagan poderia ter dito aquelas palavras, porque era o que ele
realmente acreditava: “Ronald Reagan podia imaginar um mundo diferente.
Ele podia imaginar um mundo pós-soviético. Ele podia ver um mundo sem o
Muro de Berlim. Se você o colocar em posição de fazer um discurso em
frente ao Muro de Berlim, ele sentirá um certo senso de dever de dizer a
verdade como ele a vê. O discurso pertence a Ronald Reagan”. A bordo do
Air Force One, a caminho da Alemanha, alguns assessores ainda tentaram
fazer com que Reagan desistisse do trecho que pleiteava a derrubada do
muro. Reagan, lembra Robinson, foi enfático e disse que era preciso
coragem de dizer o que precisava ser dito.
E, vejam vocês, queridos amigos… 35 anos depois, ainda podemos usar essa premissa como máxima inspiração.
Enquanto
alguns creditam ao discurso de Reagan a derrubada do Muro de Berlim, o
desmantelamento do muro — e do que ele significava —, o evento pode ser
atribuído mais diretamente a uma série de situações que foram
desencadeadas inadvertidamente pelas reformas de Gorbachev através da
Perestroika e da Glasnost: medidas econômicas e políticas que tinham
como objetivos modernizar o mercado econômico soviético e possibilitar a
abertura política. Uma onda de revoluções políticas anticomunistas nos
países do Leste Europeu seguiu as reformas, enquanto o muro caiu após
protestos maciços dentro da Alemanha Oriental. O discurso de Reagan
alcançou uma notoriedade generalizada somente depois que o muro caiu, já
que inicialmente foi recebido com críticas, especialmente na União
Soviética, onde a agência de notícias estatal TASS o chamou de “um
discurso abertamente provocativo e belicista.”
A
amizade, hoje conhecida de Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, não foi
automática, Reagan estava inicialmente cauteloso com o tipo de líder que
Gorbachev seria e de como o regime comunista reagiria aos passos
geopolíticos norte-americanos. Companheiros incomuns como podem ter
sido, conseguiram forjar não apenas um respeito mútuo, mas uma amizade
que ajudou a acabar com a Guerra Fria: “Acho, francamente, que o
presidente Gorbachev e eu descobrimos uma espécie de vínculo, uma
amizade entre nós que pensamos que poderia se tornar um vínculo entre
todas as pessoas”, disse Reagan a jornalistas em Moscou durante uma
visita em 1990. Gorbachev foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em
1990 por sua participação no degelo da Guerra Fria e por desempenhar um
“papel de liderança” em “mudanças radicais nas relações Leste–Oeste”, e
que incluiu sua resposta direta ao desmantelamento do Muro de Berlim.
Fred
Ryan, presidente da Fundação Presidencial Ronald Reagan, disse em um
comunicado nesta semana que a fundação estava de luto pela perda de um
homem que já foi um adversário político de Ronald Reagan, mas que acabou
se tornando um amigo: “O presidente Reagan era um anticomunista
dedicado que nunca teve medo de dizer o que precisava ser dito ou fazer o
que precisava ser feito para trazer liberdade às pessoas que viviam sob
regimes repressivos. Contra todas as probabilidades, ‘Ron e Mikhail’,
como eles eventualmente passaram a se chamar, encontraram uma maneira de
tornar o planeta mais seguro juntos”, continuou ele. “Como o presidente
Reagan escreveu em seu diário pessoal sobre a correspondência inicial
dos dois, isso mostrou o que se tornaria a base não apenas de um melhor
relacionamento entre nossos países, mas de uma amizade entre dois
homens. Nossos pensamentos e orações vão para a família Gorbachev e o
povo da Rússia durante este período difícil.”
Sobre
a Resolution Desk de Reagan na Casa Branca, havia uma placa pequena e
despretensiosa que dizia: “Não há limite para o que um homem pode fazer
ou para onde ele pode ir se ele não se importar com quem recebe o
crédito”. Reagan deixou um legado vasto e profundo, mas há enormes
aprendizados em detalhes aparentemente simples de sua vida. Ele
incorpora tanto seu estilo humilde de liderança quanto sua crença
inabalável de que somos limitados apenas por nossa imaginação e
espírito. Diante de semanas turbulentas e estranhas no Brasil, com um
visível estado de exceção criado por uma parte narcisista e covarde do
judiciário brasileiro, quero nesta semana deixar uma mensagem de
esperança para nós sobre sermos otimistas, mesmo com tanta atrocidade
jurídica.
A liberdade nunca foi tão frágil
O
otimismo é uma força, não uma fraqueza. Enquanto algumas pessoas
retratam o otimismo como ingênuo ou fora de contato com a realidade,
Ronald Reagan entendeu seu poder. Sua confiança inabalável na capacidade
e no destino do povo norte-americano ajudou a conduzir o país através
de seu confronto com a União Soviética durante a Guerra Fria, divisões
internas e contendas no exterior. Em meio a tudo isso, ele manteve o
espírito de um guerreiro feliz e nunca deixou de defender a liberdade
individual, o governo limitado e a liberdade para o mundo.
Reagan e Gorbachev, em 1987
Hoje,
estamos diante de uma nova geração que cresceu sem memórias em primeira
mão dessa batalha de ideologias e do eventual colapso da União
Soviética. Para eles, as velhas e vazias promessas do socialismo parecem
ter um novo fascínio. No entanto, quando você coloca a liberdade contra
o socialismo no mercado de ideias, a liberdade sempre vencerá com base
no mérito. Mas ela não pode vencer se ninguém estiver fazendo nada.
Devemos falar a verdade com ousadia. Devemos defender o caso de forma
persuasiva — não com base no medo, mas em fatos. Como disse Reagan: “A
liberdade não é apenas o direito inato de poucos, é o direito dado por
Deus a todos os Seus filhos, em todos os países. Não virá por conquista.
Virá porque a liberdade é certa e a liberdade funciona”.
Se
a liberdade está sendo cerceada, é nosso dever lutar por ela. Reagan
leu a vida nas folhas do chá da época e ficou preocupado com as
tendências que viu, dizendo: “Nossos direitos naturais e inalienáveis
são agora considerados uma distribuição do governo, e a liberdade
nunca foi tão frágil, tão perto de escapar de nossas mãos como está
neste momento”. No entanto, ele não viu essa realidade como motivo de
desespero, mas um chamado para lutar. A liberdade de determinar nosso
destino é nosso direito natural como seres humanos, mas não nossa
garantia. Temos de entender que sua erosão não é inevitável — muito
menos aceitável.
Nosso chamado é agora.
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