O esforço para criar um grande mercado europeu não refletiu só a visão de uma economia menos manietada pelos Estados, mas também de que um mercado mais livre significa mais liberdade para os cidadãos. Inês Domingos para o Observador:
A
Comissão Europeia apresentou esta semana um novo mecanismo, chamado
Instrumento de Emergência do Mercado Único (Single Market Emergency
Intrument – SMEI), que visa garantir a segurança de abastecimento de
bens essenciais durante situações de emergência. Esta proposta vem no
seguimento da sequência de crises, primeiro pandémica e agora provocada
pela guerra, que condicionou a oferta de materiais de proteção
individual e médicos e atualmente condiciona os preços energéticos e dos
cereais.
O
instrumento tem três níveis de atuação. A primeira fase implica o
desenvolvimento de protocolos para futuras emergências. A segunda,
acionada pela comissão, prevê nomeadamente o reforço de reservas e
compras públicas de bens considerados estratégicos. A terceira, ativada
pelo Conselho, inclui medidas para assegurar que o mercado único e a
livre circulação funcionam sem limites para permitir a compra conjunta,
coordenada pela Comissão Europeia, de bens estratégicos. Por fim as
medidas de último recurso podem obrigar empresas a prestar informação
sobre produção e distribuição de bens estratégicos e priorizar certas
encomendas e bens.
Uma
parte considerável desta proposta trata de formalizar práticas que
foram utilizadas durante a pandemia, com sucesso, em particular a
capacidade de comprar em conjunto bens essenciais para negociar preços
mais favoráveis, ou até a intervenção para impedir que os Estados
Membros limitem a circulação de bens essenciais. Estas medidas vão no
sentido de assegurar um duplo objetivo de segurança de aprovisionamento e
preservação dos mecanismos de funcionamento de mercado e de liberdade
de circulação em situações de emergência.
Mas
a maior novidade deste pacote é a capacidade que dá à UE de intervir
directamente no mercado, por exemplo, obrigando empresas a produzir
certos bens, e acelerar a sua entrada no mercado. As condições de
aplicação deste último mecanismo são exigentes. Mas é inegável que a
direção que toma no sentido de um maior intervencionismo comunitário é
uma mudança importante face à evolução do mercado único nos últimos
anos. A natureza exata da aplicabilidade deste instrumento não é ainda
inteiramente clara. Por exemplo, a experiência da pandemia demonstra que
quando as necessidades de um certo bem aumentam de forma significativa,
a subida de preços no mercado é um potente incentivo para aumentar a
oferta, sem haver necessidade de grande intervenção do Estado. No
entanto, não sabemos se poderá ser utilizado, por exemplo se a crise
energética obrigar ao encerramento de certas atividades, o que obrigaria
a uma intervenção do Estado.
O
desenvolvimento do mercado único foi o impulso mais libertador para as
economias europeias desde os primórdios da Comunidade Europeia do Carvão
e do Aço. Ao longo das décadas, os esforços para criar um grande
mercado europeu não refletia apenas uma visão de que era necessário uma
economia menos manietada pelos Estados, mas também de que um mercado
mais livre, significava maior liberdade para os cidadãos. Para comprar e
vender livremente num país europeu, os cidadãos têm de se poder
movimentar e estabelecer livremente.
Um
instrumento que permita a intervenção direta e planificadora na
economia europeia só poderá ser usado em circunstâncias verdadeiramente
excecionais e de uma forma muito transparente e escrutinada, sob pena de
regredirmos nos princípios fundamentais de liberdade defendidos pelos
fundadores da UE, que nos trouxeram até aqui em paz e prosperidade.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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