O novo ministro da Economia, Kwasi Kwarteng, tem que conciliar cortes de impostos e outros incentivos ao crescimento com subsídios inevitáveis. Vilma Gryzinski:
Uma coisa é certa: em algum momento, a nova primeira-ministra britânica, Liz Truss, vai brigar com o colega, vizinho e amigo que escolheu para comandar a economia, Kwasi Kwarteng.
Todo
chefe de governo tem algum tipo de atrito com os ministros da Economia,
ou pelos menos com os que são responsáveis e não acreditam em árvore de
dinheiro. O governo quer gastar, o ministro quer segurar.
E raras vezes as duas necessidades confluíram tanto como nesse momento no Reino Unido.
Truss
e Kwarteng beberam na fonte de John Locke o princípio de que “toda a
riqueza é produto do trabalho” e têm a mesma crença nas virtudes do
liberalismo para fazer a economia crescer, beneficiando toda a
sociedade.
Kwarteng
é a “alma gêmea ideológica” de Truss, escreveu o Guardian, mal
esperando a chance para criticar tudo o que os dois representantes da
“direita do livre mercado” fizerem.
O
que já disseram que vão fazer: cortar impostos para pessoas físicas e
jurídicas, acabar com o aumento nas contribuições de empregados e
empregadores para a previdência social (ideia do ministro anterior,
Rishi Sunak, derrotado por Liz Truss na competição pela liderança do
Partido Conservador), derrubar o teto para os bônus no mercado
financeiro e suspender o equivalente ao odiado ITBI, o imposto sobre a
compra de imóveis.
Ao
mesmo tempo, vão congelar as contas de luz dos consumidores privados e
dividir por seis meses a das empresas ameaçadas de simplesmente fechar
por não conseguir bancar os aumentos causados pela guerra na Ucrânia e o fechamento do fornecimento do gás russo.
Tudo isso em meio aos mesmos martírios causados pelos efeitos da pandemia: inflação
de 9,9%, dívida que bateu em 96% do PIB (um nível francês, que não é
bem visto no Reino Unido) e perspectiva de recessão. O Banco da
Inglaterra – pai de todos os bancos centrais – acabou de subir a taxa de
juros para 2,25%, a mais alta desde 2008. E as ondas de greves,
suspensas em respeito pela morte da rainha, já estão voltando.
Enfim,
os problemas são parecidos em todos os países, embora ainda muito
distantes da situação sombria de 1979, quando Margaret Thatcher foi
eleita pela primeira vez, bateu o livro de Hayek na mesa e pôs a teoria
liberal em prática.
Kwarteng
até escreveu um livro sobre os primeiros e decisivos seis meses do
governo Thatcher. Liz Truss tentou moldar uma figura thatcheriana,
inclusive no figurino. Sua campanha para ser líder do Partido
Conservador depois da renúncia de Boris Johnson conquistou mais votos
justamente pela mensagem que mais ecoa com a base do partido: menos
impostos e menos governo.
É
claro que as condições atuais exigem um bocado de jogo de cintura e
capacidade de mudar de ideia quando as coisas mudam – mas não de
princípios.
Kwarteng,
que tem 1,96 de altura e o tipo de voz que parece fazer os móveis
tremerem na base, é a própria encarnação da meritocracia: filho de pais
de classe média que vieram de Gana, estudou com bolsa em Eton, o colégio
das elites, entrou em Cambridge, ganhou outra bolsa para Harvard e se
doutorou em história econômica.
Agora,
está anunciando seu programa, inclusive propostas para trazer de volta
ao mundo do trabalho os desempregados contemplados por benefícios
sociais – já dá para imaginar como serão as críticas. O país precisa
aumentar sua força de trabalho para fazer a economia voltar a crescer,
argumenta.
Um
conservador negro apaixonado por história do império britânico (“Não
existe o livro final sobre o assunto porque o fascínio que exerce sobre
historiadores de todos os matizes é inexaurível”) e infenso à ideia de
que o capitalismo é a fonte de todos os males pode ser o cavaleiro de
armadura brilhante que salva o reino da decadência?
Todas
as medidas que forem tomadas agora só serão sentidas no bolso dos
cidadãos, para começar, no ano que vem. O dinheiro que subsidiar a luz e
o aquecimento vai onerar o endividamento público durante muito tempo.
Cortar impostos num momento em que o governo tem que gastar mais faz
sentido?
Tanto
Kwarteng quando Liz Truss, que vão morar lado a lado nos apartamentos
oficiais de Downing Street, serão duramente testados pela realidade.
Inevitavelmente vão entrar em atrito, mas o fato de se conhecerem bem e
terem trabalhado juntos no governo anterior ajuda. Terão afinidade e
ousadia para bancar os princípios nos quais acreditam?
A
libra caiu antes de Kwarteng falar. A Economist, que já foi uma revista
identificada com os princípios liberais, disse que a nova política
econômica “não vai funcionar”.
No
Telegraph, que continua fiel a seu perfil, Alistair Heath ampliou o
tamanho do desafio: “Só medidas radicais podem arrancar a Grã-Bretanha
da quase estagnação. A única questão agora é se Truss e Kwarteng estão
dispostos a ir até o fim”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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