Marcus André Melo
Folha
Historicamente, o poder dominante é o Executivo, que se confundia com abuso. Rui Barbosa foi preciso quando o denunciou como “o grande eleitor, o grande nomeador, o grande contratador, (…) o poder da força”. No pós-Guerra, os presidentes continuaram poderosos politicamente, embora possuíssem poderes constitucionais limitados.
A Constituição de 1988 delegou amplos poderes ao Executivo como forma de superar deficiências do arranjo anterior (MPs; iniciativas exclusivas em matéria administrativa, tributária e orçamentária; poderes de agenda etc.).
COLEIRA FORTE – Mas a constituinte adotou a estratégia “coleira forte para cachorro grande” e delegou igualmente vastos poderes ao Judiciário e ao Legislativo (embora a este menores).
Sim, o Executivo perdeu poder, por exemplo, com as emendas constitucionais sobre MPs (2001) e o Orçamento, que se tornou crescentemente impositivo. Mas a dinâmica política tem se alterado também.
Penso que o STF adquiriu grande centralidade na última década devido aos sucessivos escândalos de corrupção e devido à ascensão de um governante iliberal. O mensalão representou o primeiro evento no qual as cortes superiores demonstraram forte autonomia e independência. O episódio do impeachment presidencial e os julgamentos do TSE deram sequência.
BATALHA EXISTENCIAL – Com a ascensão de Bolsonaro, a corte teve que escolher a batalha existencial que travaria. Acabou escolhendo a contenção de Bolsonaro e abandonando a Lava Jato, à qual dera suporte importante. (Aliás, não importam as distinções partidárias: o governismo de turno sempre denunciará o “jacobinismo judicial”).
Estes episódios acontecem em um quadro de enfraquecimento do Poder Executivo (evidenciado por ameaças de impeachment), associado a fatores como crises econômicas, escândalos, sentimento antissistêmico e hiperfragmentação partidária.
Seu desenlace, no entanto, produziu igual debilitamento do próprio Judiciário.
LEGISLATIVO FORTE – É nesse duplo processo de fragilização institucional que o Poder Legislativo se fortaleceu, aumentando seu protagonismo.
Chavez, Ferejohn e Weingast argumentaram que, nos EUA, a autonomia judicial aumenta em períodos de governo dividido e diminui quando forças rivais controlam os Poderes Executivo e Legislativo, impedindo assim um conluio entre estes Poderes contra o Judiciário. O equilíbrio é instável: se o STF julga membros do Legislativo, este tem poder para impedir juízes.
Fragmentação política aumenta autonomia. Se isto é verdade, quais serão os cenários para os futuros governos? E por isso é preciso discutir também o papel crucial da opinião pública.
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