Boric e seus aliados resolveram patrocinar uma verdadeira cartilha ideológica, passando por cima de setores econômicos e sociais com outras visões e posicionamentos ideológicos. Guilherme Macalossi para a Gazeta do Povo:
É
impossível desvincular a tentativa de criação de uma nova Constituição
para o Chile do processo de convulsão nacional que a precedeu. Os
estertores do governo de Sebastián Piñera foram palco de uma onda de
mega-manifestações muito semelhantes àquelas vistas no Brasil em 2013.
Inclusive pela violência. Saques e depredações varreram o país,
resultando até mesmo em morte. A imagem símbolo a ilustrar aquele
momento foi o incêndio na Paróquia de Assunção, em Santiago. O templo
religioso foi consumido pelo fogo ateado por criminosos em meio à fúria
revolucionara que pretendia refundar o país.
A
ideia de uma Constituinte foi o meio de baixar a temperatura que vinha
se mantendo elevada. Seria a resposta possível para a demanda das ruas.
Na esteira da reprovação do governo de centro-direita de então, e no que
alguns passaram a chamar de “mal estar social”, as forças políticas
tradicionais foram sobrepujadas pelo jovem e impoluto Gabriel Boric,
líder de uma coalizão de esquerda. Vitorioso no processo eleitoral, ele
encampou o discurso de reforma da lei, achando que, com isso, tinha um
recibo para fazer o que bem entendesse.
Ao
invés de dialogar, calibrando interesses diversos de modo a produzir
uma legislação harmônica e com respostas para demandas distintas, Boric e
seus aliados resolveram patrocinar uma verdadeira cartilha ideológica,
passando por cima de setores econômicos e sociais com outras visões e
posicionamentos ideológicos. Só de última hora, já cientes da derrota, é
que aventaram a depuração de trechos e dispositivos mais radicais. Mas
já era tarde.
No
último domingo (04), a população chilena tratou de barrar o que não
passava de um avanço socializante. Deu um sonoro não ao texto da Carta
Magna que visava substituir essa que está em vigor desde a ditadura. 62%
dos votantes no plebiscito homologatório se manifestaram contra. 38%
foram favoráveis. Quando se propôs a redação de um novo texto
constitucional, 80% dos chilenos se mostraram favoráveis. A disposição
de mudar, entretanto, não era a de mudar em nome de um conjunto de teses
de esquerda.
Imediatamente
após a rejeição do texto, houve quem buscasse reduzir a decisão da
maior parte da população como efeito de um suposto saudosismo de Augusto
Pinochet. Nada mais falso. Afinal, muitos dos que votaram a favor de
uma constituinte também votaram contra o resultado de seus trabalhos. Ou
havia a obrigação de todo mundo aceitar o que saísse de lá? É o
democrata que só gosta da democracia quando ela materializa os
resultados com que ele concorda. Não passam de autoritários ilustrados.
"O
povo chileno não ficou satisfeito com as propostas e decidiu
rejeitá-las claramente. Esta decisão exige que as instituições trabalhem
com mais empenho e diálogo até chegarem a uma proposta que dê confiança
e nos una como país", disse o presidente derrotado. Não restou outro
caminho a não ser engolir a arrogância e admitir a necessidade de chegar
a bom termo com opositores, que também fazem parte do Chile e merecem
ser ouvidos na construção de uma nova Constituição.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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