Em que democracia não seria legítimo o voto nulo, uma vez que a premissa fundamental da democracia é a liberdade individual de consciência política? Franciso Razzo para a Gazeta do Povo:
Não
deixa de ser curiosa a indignação de alguns bons cidadãos quando, ao me
perguntarem em quem votarei nas próximas eleições, respondo com um
direto e simples: para o Executivo, votarei branco ou nulo! Para o
Legislativo, estou avaliando. Pessoalmente, sempre defendi o direito
político ao voto nulo ou branco (não entrarei na discussão técnica).
Nesses dias, Luiz Inácio reacendeu o debate ao afirmar a seguinte
bobagem: “Quem anula o voto ou se abstém não tem o direito de reclamar
depois”.
Em
2018, o Burger King promoveu uma campanha para “combater o voto em
branco” com a mesma perspectiva do ex-presidente. Eles entregam um
sanduíche todo malfeito para as pessoas que declararam o voto em branco.
O papel usado para embrulhar o hambúrguer vinha com a seguinte
mensagem: “Este é o Whopper em branco, um sanduíche com ingredientes
escolhidos por outra pessoa. Quando alguém escolhe no seu lugar, não dá
para reclamar do resultado”.
Muita
gente elogiou a propaganda pelo “didatismo da mensagem”. Entretanto, só
esqueceram de mencionar o fato de que a participação cívica de cidadãos
numa república não tem nada a ver com a lógica de um contrato comercial
de serviço, ainda mais de alimentação. Comprar sanduíche, ou contratar
qualquer serviço, pressupõe o que está sendo comercializado. Numa
transação econômica básica, o cliente sabe o que será servido no
cardápio – ou, se preferirem, no contrato. Se não sabem, azar deles.
Votar branco não implica “aceito qualquer coisa, portanto não reclamarei
do que vier”.
Ao
contrário, a decisão política de anular o voto não anula a minha
cidadania participativa e meu direito de exigir o melhor para o meu
país, de acompanhar cada passo dado pelo político eleito. Ninguém perde o
seu direito de reclamar de qualquer político eleito. Menos ainda perde o
direito de participar, ativamente, de decisões políticas. A propósito,
quem manda ainda é o cidadão. Aliás, se não fosse assim, só poderíamos
reclamar dos políticos em que votamos: quem não votou no Bolsonaro nas
eleições passadas não poderia reclamar de seu atual governo. O voto em
branco ou nulo é só mais um voto, tão voto quanto o voto na Marina Silva
ou no Cabo Daciolo.
Esse
tipo de crítica ao voto branco ou nulo só demostra a fragilidade da
ideia que esse pessoal tem da democracia. É uma ideia domesticada de
democracia. Afinal, em que democracia não seria legítimo o voto nulo,
uma vez que a premissa fundamental da democracia é a liberdade
individual de consciência política? Se eu não encontro representação
política nos projetos políticos em disputa, a opção de votar nulo ou
branco segue justificada. Depois das eleições continuarei agindo como
cidadão, pagando meus impostos e com meus direitos políticos garantidos.
Além
do mais, abster-se desse tipo específico de participação política não
deixa de ser uma forma legítima de participação política. E não precisa
ser vendido como “voto de protesto”, só para ter alguma legitimidade
diante dos outros. Pois é democrático o exercício político de não
reconhecer a representação de nenhum desses políticos disputando as
eleições. E, por favor, também não se trata de indiferentismo político –
pelo menos não para mim. Defendo muitas outras formas de participar da
vida política.
Nossa
cultura democrática não pode se tornar a imagem de ovelhas domesticadas
voluntariamente subjugadas por lobos. O voto nulo – seja por algum tipo
de protesto ou não – representa igualmente o que é fundamental à
construção da democracia: a liberdade de participar ativamente da
política a partir do exercício da própria consciência individual. Cada
cidadão deve ser livre para escolher o que entende ser o melhor para ele
e para a sua comunidade. E as eleições fazem parte de apenas um momento
político. São uma parte do processo, não o todo.
Voto
nulo desde os 18 anos de idade. Nas últimas eleições, votei em
Bolsonaro e me arrependi. Faz parte. Hoje, estou ciente de que nenhum
político me representa. Nem por isso não tenho ideias políticas. Apenas
não encontrei tais ideias representadas pelos candidatos à Presidência
que disputam as eleições.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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