MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 27 de agosto de 2023

Política 1 x 0 Ciência

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

A lei que libera a ozonioterapia é um equívoco do Congresso Nacional e do Executivo, na forma e no conteúdo. Editorial do Estadão:


O Congresso aprovou e o presidente Lula da Silva sancionou uma lei autorizando a ozonioterapia no Brasil. Contudo, a autorização a tratamentos e medicamentos é uma atribuição exclusiva da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Assim, mais uma vez o Executivo e, sobretudo, o Legislativo extrapolaram suas competências em prejuízo das agências reguladoras, com danos à normalidade institucional e, no caso, riscos à saúde pública.

As agências foram um marco criado na gestão FHC, no contexto da transição do Estado empresário para o Estado regulador, com o objetivo de regulamentar e fiscalizar a execução de serviços públicos transferidos ao setor privado. Por óbvio, elas não estão acima dos Três Poderes. O Legislativo é responsável pelas leis de cada setor e o Executivo, pela implementação de políticas públicas. Mas, uma vez definidos esses parâmetros, as agências têm autonomia para decidir sobre assuntos de natureza técnica.

Mais de uma vez o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que o Congresso não tem competência para autorizar substâncias para fins médicos, notadamente quando declarou inconstitucional a lei que liberava a “pílula do câncer”.

A Anvisa já autoriza a aplicação do ozônio para fins odontológicos ou estéticos, mas afirma que não há evidências de eficácia para outras aplicações médicas. Pelo contrário: se seus benefícios são inconclusivos, o uso indiscriminado comporta riscos. Por isso, a Associação Médica Brasileira e o próprio Ministério da Saúde se manifestaram contrariamente à liberação.

A lei não só ignora as constatações da comunidade científica, como amplia a margem de risco. O projeto do Senado autorizava apenas médicos a usarem a ozonioterapia. Mas os deputados modificaram o texto para permitir que outros profissionais de nível superior também atuem na área.

A rigor, a lei reconhece que a ozonioterapia somente poderá ser aplicada por meio de equipamento “devidamente regularizado” pela Anvisa. Nesse sentido, ela é ociosa. Nem por isso deixa de ser deletéria. Ela pode encorajar pacientes a acreditar que se trata de um tratamento válido; e profissionais de saúde a recomendar usos não aprovados pela Anvisa, fomentando insegurança jurídica e uma judicialização contraproducente – sem falar dos riscos para os usuários.

E há os danos institucionais. Além do lobby dos produtores farmacêuticos, a lei foi motivada por evidentes intuitos demagógicos: a ozonioterapia se tornou uma causa política ao ser advogada por certa militância bolsonarista como mais um tratamento alternativo – embora comprovadamente ineficaz – contra a covid-19. Pode-se especular que o presidente Lula a sancionou talvez para azeitar a relação com o Congresso. De resto, não deixa de ser uma oportunidade de fustigar a autonomia das agências, às quais o PT sempre se opôs justamente por imporem limites técnicos e isentos à arbitrariedade política.

A liberação, por meio de uma lei inepta, de um tratamento ineficaz e arriscado só realça a importância desses limites. Tão logo seja acionado, cabe ao STF restabelecê-los.
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