O clima preocupa-me imenso, o clima de intolerância que, na “ecologia” e no que calha, assombra as sociedades que já foram comparativamente livres. Esse clima preocupa-me. A crônica de Alberto Gonçalves para o Observador, respondendo às críticas de dois juristas:
Há
quinze dias, escrevi aqui sobre a histeria em redor do clima. Há oito
dias, dois juristas, António Araújo e Miguel Nogueira de Brito,
escreveram aqui sobre a minha legitimidade em fazê-lo. Ambos acham que
não tenho nenhuma. O texto dos juristas Araújo e Brito coloca-me uma
pergunta, e aliás intitula-se “Uma pergunta a Alberto Gonçalves”.
Mas não espera propriamente uma resposta, que de qualquer maneira, e na
absoluta falta de temas apetecíveis para esta semana, aproveito para
dar. Vamos por partes.
Os
juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito fingem inquietar-se
com o seguinte pedacinho do meu artigo: “Por mim, não sei se o mundo
está a aquecer ou a arrefecer. Não sei se qualquer das hipóteses nos é
alheia ou provocada pelo homem, essa excrescência que convém extirpar à
natureza. Não sei se, a provar-se, a influência antropogénica tem
retorno, e o que é que, descontado o folclore, o retorno implica.”.
Modéstia à parte, o pedacinho parece-me claro e pouco propenso a
equívocos. Ainda assim, os juristas António Araújo e Miguel Nogueira de
Brito exigem explicações: querem saber “que fontes ou trabalhos” me
“permitem sustentar a afirmação ‘por mim, não sei se o mundo está a
aquecer ou arrefecer’ “. Querem eles e, embora eu não tenha visto a
procuração, querem “os leitores do jornal Observador”, que os juristas
António Araújo e Miguel Nogueira de Brito invocam talvez com ligeiro
abuso.
A
julgar pelos duzentos e tantos comentários às duas crónicas, a minha e a
dos juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito, os leitores do
Observador não são tão limitados na interpretação de textos quanto os
juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito sugerem. A vastíssima
maioria dos comentários mostra que os leitores perceberam as minhas
dúvidas e não perceberam as dúvidas deles. As minhas dúvidas relativas
ao aquecimento ou o arrefecimento da Terra – e desde já esclareço os
juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito – prendem-se
evidentemente com o pormenor de que “o esmagador consenso científico” a
que os juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito aludem andar
pelo menos há meio século a mudar regularmente de opinião, sendo o único
aspecto coerente e imutável a necessidade de assustar as massas. As
“fontes ou trabalhos” que exibem esta esquizofrenia são acessíveis a
quem as pesquisar, incluindo, caso o tempo escasseie ou a preguiça
sobeje, no Google.
Nem
por um instante me ocorre que os juristas António Araújo e Miguel
Nogueira de Brito desconheçam as virtudes e a mecânica do Google. O que
me ocorre, repito, é que tudo isto não passe de um pretexto para os
juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito dizerem o que de
facto lhes interessa dizer: “A questão que o texto do cronista Alberto
Gonçalves nos suscita é, pois, a de saber se é ainda hoje aceitável
fazer público alarde da ignorância sobre um tema como o das alterações
climáticas ou emitir opiniões sobre questões de ciência com base em
meros palpites, ‘bitaites’ ou ‘achismos’, os quais poderão ter graça,
para quem aprecie o género, mas são, ou podem ser, enganadores e
equívocos e, pior ainda, deturpadores da verdade científica.” O que os
move é, pois, o perigo da liberdade de expressão, uma coisa pavorosa que
permite às pessoas discordar da ONU, de “governos de todo o mundo”, de
uma “verdade científica” recorrentemente reformulada e, pior, discordar
dos juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito.
Para
os juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito, a ciência é um
domínio esotérico, apenas acessível a uma elite que abarca, entre
invulgares sumidades, licenciados em direito e o eng. Guterres. Os reles
mortais, mesmo que confrontados com as radicais inversões de marcha do
“esmagador consenso científico”, são, ou deviam ser, obrigados a
engolir, de preferência com gosto, a ortodoxia estabelecida nos dez
minutos anteriores. É engraçado que se insinue a ignorância alheia
enquanto se fornece comoventes indícios da própria: os juristas António
Araújo e Miguel Nogueira de Brito não estão a par das sucessivas
contradições no discurso “climático”? Nunca repararam na facilidade com
que um “consenso” atropela o “consenso” anterior? Não têm ideia da
quantidade de ocasiões em que se espalharam ao comprido as previsões do
Apocalipse? Se, conforme suponho, os juristas António Araújo e Miguel
Nogueira de Brito possuem nem que seja uma vaga noção dessas
incongruências, não se envergonham de as omitir e publicar “palpites,
‘bitaites’ ou ‘achismos’”? Será possível que as incongruências não lhes
suscitem alguma estranheza, uma pontinha de reserva, um grau, ºC ou ºF,
de cepticismo?
Aparentemente,
é possível. À semelhança de muitos, os juristas António Araújo e Miguel
Nogueira de Brito repetem dogmas com a subserviência dos fiéis e, não
satisfeitos, farejam as heresias que denunciam os incréus. Infelizmente,
são exemplares comuns de uma seita numerosa. O que abunda por aí são
emissários milenaristas, muitíssimo empenhados em mudar o nosso modo de
vida e, acredito piamente, também o deles: não ponho a hipótese de, após
tamanha demonstração de zelo ambiental, os juristas António Araújo e
Miguel Nogueira de Brito recorrerem a combustíveis fósseis e crimes
similares. Em nome da coerência, imagino-os até a comer larvas,
comunicar por pombos e viajar de burro com albarda. E a preencher as
insónias com visões do boletim meteorológico pintado a cor de fogo.
Os
juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito são gente
angustiada, a ponto de, no final do artigo, confessarem que gostariam de
partilhar a minha despreocupação face ao clima. Como os seus mentores,
enganaram-se mais uma vez. O clima preocupa-me imenso, o clima de
intolerância que, na “ecologia” e no que calha, assombra as sociedades
que já foram comparativamente livres. O clima de censura em que pequenos
inquisidores decidem o que é “desinformação” e a calam de seguida. O
clima de medo em que se reprime a ofensa, o desvio, a graça, a
excentricidade. O clima de virtude beata e pura fancaria. O clima de
desumanidade, enfim. Esse clima preocupa-me. O outro não.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi

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