Por Renato Machado | Folhapress
A
oposição ao governo federal criticou a fala do diretor-geral da Polícia
Federal, Andrei Rodrigues, que disse haver possibilidade e pressupostos
legais para a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no caso das
joias.
Especialistas em direito também consideram que o chefe da polícia
errou ao avançar em sua fala. Apesar de não enxergarem ilícitos na
conduta, apontam que o episódio abre margem para a politização do caso e
para comprometer a isonomia da investigação.
Andrei Rodrigues declarou em entrevista ao UOL na sexta-feira (25)
que não conhece os detalhes da investigação, mas que há a previsão legal
para uma eventual prisão preventiva de Bolsonaro.
O diretor-geral afirmou que, dada a sua função, não participa dos
trabalhos de investigação, acrescentando que essas atividades são feitas
com responsabilidade, focada na qualidade da prova e dando autonomia
para as equipes.
"O cenário é a lei, o que está no Código Penal, o que está no Código
de Processo Penal, o que está na Constituição, que é a nossa lei maior. E
dentro desse arcabouço jurídico legal, há sim a possibilidade de
prisão, possibilidade de busca e apreensão, que temos feito várias. Não
descartamos nenhuma das hipóteses", afirmou.
Andrei acrescenta a sequência, novamente, que não conhece os
elementos que foram colhidos e que a prisão não é uma "vontade própria
do investigador", exigindo o atendimentos aos requisitos legais.
"Há pressupostos legais. O que a equipe precisa se pautar, volto a
insistir, é na responsabilidade e na qualidade da prova. Deve-se pautar
pelo que está na lei e pelo que se está apurando. Se nessa conjunção de
elementos se chegar a essa conclusão, que há obstrução, que há
necessidade para a garantia da ordem pública, enfim, se os requisitos
legais são atingidos, esse é um caminho e eu aqui falo hipoteticamente",
completou.
A fala provocou a reação de aliados de Bolsonaro, que falam em
aparelhamento da PF. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) chegou a pedir a
prisão do diretor-geral por abuso de autoridade.
"Não há motivos para pré-condenação de Bolsonaro em absolutamente
nada do que está sendo acusado, pois sequer há crime. O chefe da PF dar
esse tipo de declaração, além de parecer torcida de um cupincha do
[ministro da Justiça] Flávio Dino, mostra que ele aparelhou uma
respeitada corporação para perseguir adversários políticos. Quem tem que
ser preso é ele por abuso de autoridade", afirmou à reportagem, por
meio de nota.
Na mesma linha, o líder do PL no Senado, Rogério Marinho (RN) também
apontou abuso de autoridade na fala do diretor-geral e disse ainda que
há uma antecipação ilegal da conclusão da investigação.
"O agente do Estado que, na condição de diretor-geral da Polícia
Federal, afirma que, com base na sua experiência e nas provas às quais
teve acesso, existe indícios de corrupção, antecipa-se ilegalmente à
conclusão das apurações e ofende gravemente o princípio republicano",
afirmou.
O senador Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz da Operação Lava
Jato, também criticou Andrei Rodrigues e considerou a sua declaração
inapropriada.
"Não vejo causa para uma prisão preventiva do ex-presidente
Bolsonaro. Lula só foi preso após ter sido julgado. Também foi
inapropriada a declaração do diretor da PF sobre o tema, já que a
questão cabe aos delegados da investigação e não à direção da PF",
afirmou o parlamentar.
Moro ainda lembrou o caso do ex-diretor da PF Fernando Segovia que
foi demitido em 2018 após uma série de polêmicas, como ao afirmar em
entrevista que havia uma tendência para que o inquérito contra o então
presidente Michel Temer (MDB) fosse arquivado.
"Agora, é a mesma coisa só que de sinal trocado. A direção da PF precisa manter a institucionalidade."
O também senador Alessandro Vieira (MDB-SE), por outro lado,
considerou que não há problemas na fala de Andrei Rodrigues, que teria
tomado cuidado de deixar claro não ter acesso aos detalhes da
investigação.
"As falas do diretor da PF foram todas no campo das possibilidades
jurídicas, sempre com o cuidado de ressaltar o seu desconhecimento do
conteúdo das investigações que envolvem o ex-presidente", afirma.
Procurada, a Polícia Federal informou em nota que os inquéritos são
conduzidos pela equipe de investigação, seguindo a Constituição, a
legislação penal e processual penal em vigor e os normativos internos.
"Qualquer eventual pedido de medida cautelar é de responsabilidade da
equipe de investigação e sujeito aos pressupostos legais, conforme o
diretor deixa claro durante a entrevista", afirma.
POLITIZAÇÃO DO CASO
Especialistas em direito indicam que não há irregularidades na fala
de Andrei Rodrigues, mas consideram inadequada a sua postura relativa ao
caso. Acrescentam que ela pode comprometer a isonomia da investigação,
além de dar margem para a politização do caso.
O professor de direito e advogado Wagner Gundim afirma que o problema
não está exatamente no que foi dito e sim em quem fez as declarações.
"Importante estabelecer que, até pelo contexto da matéria, ele foi
ouvido como um especialista, tanto que a análise que ele faz do ponto de
vista técnico é muito imparcial, ele fala em preencher os requisitos,
deixa muito claro que não tem acesso a todos os documentos", afirma
"No entanto, o fato de a declaração ser constitucional, legal não
significa que do ponto de vista moral e político não haja problema [...]
o problema é que não dá para dissociar o especialista da função que ele
exerce, um cargo de indicação, vinculado a Presidência da República.
Acaba abrindo espaço para a politização", completa.
O advogado Arthur Rollo afirma que falas como a de Andrei Rodrigues podem reforçar o discurso bolsonarista de perseguição.
"Ele deveria ter parado [a resposta] lá no 'não conheço os autos'.
Quando ele continua, acaba opinando numa coisa que ele não conhece.
Ninguém deve falar numa coisa que a gente não conhece. Fizeram uma
pergunta concreta. Ele responde 'em tese', mas fica impossível não
desvincular do caso concreto."
Para Arthur Rollo, o chefe da política não tem que opinar, "até em
respeito aos subordinados dele que estão atuando nos inquéritos".
"Embora tenha falado 'em tese', tomados todos os cuidados, ele foi
perguntado duma situação concreto. Imagina se sai um mandado na semana
que vem", completa.
O advogado Renato Stanziola Vieira, presidente do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais, afirma que a posição de Rodrigues foi
dentro do limite técnico.
"Eu acho que ele foi muito técnico, trabalhou com a hipótese não só
de prisão como de outras medidas cautelares. Ele foi muito claro que tem
que defender a Constituição e o Código Penal e mais de uma vez disse
que não está a frente da investigação", afirma.
Vieira ainda acrescenta que Rodrigues também não disse em nenhum momento se os pressupostos foram atendidos e apenas teria explicado quais são.
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