A agenda de reformas parece ter sido capturada pelos interesses especiais e ainda por uma visão de curto prazo, focada em soluções imediatas. Coluna de Sergio Moro para a Crusoé:
Na
semana passada, estive, após uma longa ausência, em visita ao Brasil.
Sempre bom matar as saudades do seu país. Com todos os problemas que o
seu país tem, ainda assim ele é o seu país, o seu lar. Sem qualquer
ufanismo aqui ou ilusão quanto aos nossos defeitos.
O
cenário econômico atual é ruim, inflação em alta, afetando o poder de
compra da população. Pensávamos que esse era um filme do passado, mas
ele, quando relaxamos, é facilmente reprisado. A inflação afeta
principalmente os mais pobres, é um imposto regressivo e disfarçado. Para controlar a inflação,
o Banco Central elevou os juros, diminuindo as chances de alcançar em
breve um crescimento econômico compatível com as demandas de emprego e
de bem- estar. Já o teto de gastos segue supostamente preservado, mas
cada vez mais com exceções, colocando em dúvida a responsabilidade
fiscal. A exceção para os gastos da pandemia, embora justificada,
mostrou o caminho.
A política não ajuda. A agenda de reformas
parece ter sido capturada pelos interesses especiais e ainda por uma
visão de curto prazo, focada em soluções imediatas. No Congresso, a
celeridade das reformas parece estar reservada apenas às medidas
destinadas a enfraquecer o combate à corrupção, como ilustra a reforma da lei de improbidade administrativa ou a chamada Proposta de Emenda Constitucional de mudança do Conselho Nacional do Ministério Público
– CNMP –, que, na prática, afetará a independência do Ministério
Público. Dólar, combustível, alimentos, tudo mais em alta, assim como a
pobreza. Em queda, apenas a renda e as expectativas das pessoas.
É
o Brasil do futuro que, como diz a anedota, nunca chega ou dos falsos
começos e recomeços. Parece uma maldição divina esse fado adverso. No
fundo, todos sabemos que “não é dos astros a culpa”, mas de nós mesmos. O
que anima é que, apesar do quadro negativo, o Brasil persiste. As
pessoas, mesmo com dificuldades, persistem. Ainda que nos frustremos com
promessas descumpridas de agentes políticos, persistimos fazendo nossas
apostas em um futuro melhor. Precisamos persistir até vencer. Gosto
muito do verso do Samuel Beckett (“Tente. Fracasse. Não importa. Tente
de novo. Fracasse de novo. Fracasse melhor”), mas não acredito que, como
país, estejamos presos a sucessivos fracassos. Não estamos.
A
aceleração da vacinação, graças ao esforço conjunto de governos e da
sociedade, após atrasos injustificados, mostra que podemos, sim, ser
bem-sucedidos. O fim próximo da pandemia da Covid pode servir como um
despertar para um ciclo virtuoso. Abusamos da sorte em períodos de
normalidade e não fazemos as reformas necessárias para prosperar ou para
nos preparar para os tempos de turbulência. Esperemos que o momento não
seja desperdiçado. O fim de cada viagem é um tempo para reflexão.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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