Inclusão ou forçação de barra? Novos projetos voltados para crianças e jovens mostram que a fila anda rápido e muitos não sabem como reagir. Vilma Gryzinski:
Não
é um pássaro nem um avião. É Jon Clark, filho e sucessor do
Super-Homem, arrumando um novo namorado, o hacker Jay Nakamura – o
sobrenome já indica que o escolhido tem a vantagem de não ser um branco
ocidental, o que conta pontos adicionais no sistema politicamente
correto.
Tom
Taylor, o roteirista australiano que anunciou a saída do armário de
forma a obter repercussão máxima, deixou para trás o Super-Homem negro
que será filmado com roteiro do escritor Ta-Nehisi Coates, mais
conhecido pelos livros de abordagem radical à questão racial.
O
novo Super-Homem, filho de Clark Kent e Lois Lane, também tem uma roupa
redesenhada, músculos mais lapidados ainda e dúvidas sobre seu
verdadeiro papel como super-herói, mas obviamente o que chama atenção é
seu comportamento sexual.
Quem
não gostar, que não compre, não acesse, não veja. Esta é a resposta
menos complicada que pode ser dada aos que reagem negativamente às
mudanças das quais o Super-Homem bi é um dos resultados mais recentes.
É
claro que a questão envolve aspectos mais complicados para mães e pais
que querem criar filhos decentes, de bom caráter, que respeitem as
diferenças e os diferentes, mas também acham que existe um exagero ou
uma tendência à doutrinação nas múltiplas iniciativas feitas sob o
rótulo genérico da inclusão.
Algumas
são feitas sob a égide do Estado e soam invasivas. Um exemplo da
semana: o governador da Califórnia assinou o projeto de lei que obriga
as lojas ou setores de brinquedos a ter seções neutras em matéria de
gênero. Ou seja, uma alternativa ao universo cor-de-rosa das Barbies e
os foguetes azuis, uma divisão que “pressiona as crianças a se enquadrar
nos estereótipos de gênero”, segundo ativistas LBGTQ defensores da nova
lei.
A
nova lei não proíbe as seções voltadas para meninas e meninos em
matéria de brinquedos e produtos como escovas de dente, estes pérfidos
instrumentos da discriminação por gênero, mas exige a seção alternativa
(lugar garantido: brinquedos da Lego, que agora considera sua missão
fazer produtos que “encorajem meninos e meninas a brincar com peças que
são vistas tradicionalmente como ‘não para eles'”).
“Espero
que seja um incentivo a outros comércios para evitar reforçar
estereótipos artificiais e superados”, disse o autor do projeto de lei
da Califórnia, o deputado estadual Evan Low.
É
certo o Estado interferir dessa forma em empreendimentos particulares
(e implicitamente condenar os pais que presenteiam suas filhas com
bonecas cor-de- rosa)?
Muito
mais do que brinquedos conformes aos estereótipos de gênero, o que está
mobilizando mães e pais nos Estados Unidos atualmente é o ensino
orientado pelos princípios da teoria racial crítica, uma visão que saiu
do mundo universitário para se propagar por escolas para crianças e
jovens.
A
teoria racial crítica interpreta o mundo primordialmente à luz das
relações raciais e, por paralelos óbvios, evoca o enfoque marxista
baseado na luta de classes.
As
reações são intensas, para dizer o mínimo. Estados com maioria
conservadora aprovaram projetos proibindo o ensino da teoria nas escolas
públicas. Ao mesmo tempo, o ministro da Justiça do governo Biden,
Merrick Garland, prometeu colocar o FBI para investigar pais que
protestam contra a nova modalidade de ensino e podem ser enquadrados por
crimes de terrorismo caso façam “ameaças de violência”.
Raça
e gênero são hoje os elementos que dominam os debates culturais e
sociais, com exageros que deixam estupefatos os que não se situam entre
as elites para as quais toda a civilização ocidental está
irreversivelmente contaminada pelo preconceito racial e a discriminação
às sexualidades alternativas.
Fora
do mundo acadêmico, soa inacreditável o que acontece em universidades
americanas e britânicas onde reina uma revolução cultural que evoca
frequentemente paralelos com a ocorrida na China quando Mao Tsé-tung
colocou estudantes e operários para sabotar todas as hierarquias, de
professores a dirigentes partidários – uma forma de garantir a hegemonia
dele sobre outros líderes do Partido Comunista.
Soa
como exagero comparar tendências acadêmicas do mundo anglo-saxão ou
leis sobre bonecas com as atrocidades ocorridas na China, com expurgos,
execuções e transferências em massa de populações das cidades para o
campo e resultados devastadores, em termos de sociedade, economia,
ensino e ciência.
Mas
o ambiente de intimidação é real. Anonimamente, para proteger suas
carreiras do tribunal das redes sociais, professores da Universidade de
Edinburgh, na Escócia, queixaram-se da “censura institucionalizada”
representada pela iniciativa da direção acadêmica de pagar a alunos para
“descolonizar” o currículo.
“Alunos
de graduação ficam na posição de vetar ou ‘descolonizar’ o currículo
proposto pelos professores com quem deveriam estar aprendendo”, disse um
deles.
Super-Homem
bissexual é uma provocação quase infantil comparado à universidade que
paga a estudantes para detonar professores. Até Michel Foucault,
provavelmente o maior responsável por toda a sequência de acontecimentos
desencadeada a partir do pós-modernismo, talvez interpretaria o que
está acontecendo como uma velha e tradicional luta pelo poder em que o
papel de repressor apenas transita de um polo para outro.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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