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Meu querido Tio Ivo foi também um pai, um mestre e um norte moral e intelectual para todos que tiveram a honra de ter as portas da alta cultura abertas por ele. Alexandre Borges para a Gazeta do Povo:
Ivo
do Nascimento Barroso, poeta, ensaísta, crítico e tradutor, nasceu em
25/12/1929 em Ervália (MG). Ele não teve filhos. Dois mil anos antes,
nascia Aquele que também não teve filhos biológicos, mas adotou todos
nós e, em nome do Pai, redimiu nossos pecados e nos abriu as portas do
céu para a salvação.
Meu
querido Tio Ivo foi também um pai, um mestre e um norte moral e
intelectual para todos que tiveram a honra de ter as portas da alta
cultura abertas por ele. Foi um dos poucos polímatas que merece o
reconhecimento de possuir uma "cultura enciclopédica", já que, além das
obras poéticas e traduções, foi também colaborador das enciclopédias
Delta-Larousse (com Antonio Houaiss), Mirador e Século XX (com Carlos
Lacerda).
É
deste gigante que o Brasil se despediu em 05/10/2021, após 91 anos de
uma vida exemplar e que marcou para sempre a cultura brasileira, quando
seu enorme coração deu a última batida. Posso testemunhar como ele
estava animado, atualmente trabalhando numa nova tradução de "Alice no
País das Maravilhas", entre outras obras, dado seu perfeccionismo que
levava a que voltasse regularmente a antigas traduções para refazê-las.
Seu
apuro técnico e seu compromisso verdadeiro com a qualidade final da
tradução ficou notória quando se engajou na tradução da obra do poeta
francês Arthur Rimbaud (1854-1891), o gênio que produziu alguns de seus
clássicos ainda na adolescência, o que fascinava Ivo Barroso
particularmente. "Com menos de 20 anos, Rimbaud esgotou todas as
possibilidades da poesia e passou a reinventá-la, é assombroso", como me
disse numa de nossas longas conversas.
Sobre
meus projetos literários, muito atrasados e que ele acompanhava de
perto, ele me disse: "sobrinho, eu li mais de 300 obras sobre Rimbaud,
fui à Paris conversar com os maiores especialistas sobre ele e passei
dias lutando com palavras específicas. Um dia, um dos mais célebres
acadêmicos franceses e um dos maiores conhecedores de Rimbaud me disse
que o conhecimento sobre ele é ilimitado e existe um momento em que o
escritor tem que ter a coragem de colocar um ponto final do livro e
publicar. Sobrinho, não seja perfeccionista como eu, publique".
Lamentarei para sempre não ter aceitado seu conselho com ele em vida.
Todos os seus 300 livros sobre o gênio francês foram posteriormente
doados ao Centro Cultural Banco do Brasil.
É
impossível falar de Ivo Barroso sem citar seu casamento de mais de sete
décadas com Sílvia Alves Barroso, uma das maiores cantoras líricas da
história brasileira e que, numa honra que as palavras não podem
traduzir, cantou no casamento dos meus pais em 1967 e depois no meu em
2002. Eu confesso que, mesmo fascinando com o canto da tia Sílvia, não
conseguia tirar os olhos de Tio Ivo. Mesmo depois de tantos anos, ele
tinha um amor e uma admiração contagiante e transbordante por ela, sua
companheira até seu último dia. Um exemplo para todos os casais que se
abrem ao matrimônio, um dos mais importantes e fundamentais sacramentos
católicos que viveram como ninguém.
O
tempo sempre foi um tema comum do poeta. "E sou o tic-tac de um relógio
de parede, triste e sozinho na penumbra de uma sala", escreveu em 1947.
No mesmo ano, publicou um dos poemas mais contundentes sobre a ação do
tempo:
A MORTE DAS HORASIvo Barroso"Quando passar o Tempo que me restaNo relógio-das-horas-do-Destino,Meu pobre coração, qual velho sinoQue à tarde azul melancolia empresta,Há de cantar, num dobre vespertino,Toda a tristeza que não manifesta!… Ah! um sol de outono a minha vida cresta!…Adeus, último raio purpurino!…Sofro a angústia das horas mortas… Peno-aNo caminhar das horas para a horaFinal… E o coração, cansado músculo,Se alvoroçando na esperança ingênuaDe ressurgir inda uma vez na aurora,Sabendo que é seu último crepúsculo!…"
Descanse
em paz, tio Ivo. O salmão que você preparava pessoalmente para nós para
o próximo segundo será degustado como sua última ceia. Não foi Ivo que
perdeu a vida, foi o Brasil que perdeu você.
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