BLOG ORLANDO TAMBOSI
Entrevista do irreverente jornalista português Alberto Gonçalves - cujas crônicas este blog acompanha há anos via Observador - para SOL:
Alberto
Gonçalves diz que não tem paciência para polémicas, mas também não as
evita. Critica Marcelo, Costa e Rui Rio. Acha que o Bloco e o PCP são
‘organizações que exaltam tiranias e desejam impor-nos uma’. Elogios só
para Passos Coelho, que devia regressar porque é ‘preferível às pessoas
disponíveis’.
O
ex-Presidente da República Cavaco Silva disse há uns dias que vivemos
numa situação de democracia amordaçada. Rui Rio, quando lhe pediram um
comentário sobre estas declarações, queixou-se de que há muitos
comentadores afetos ao PS. O comentário político está refém das agendas
dos partidos?
Sobre
o dr. Rio e o comentário do dr. Rio, a verdade é que também há diversos
líderes partidários demasiado afetos ao PS. Quanto à questão
propriamente dita, há muitos anos que uma excentricidade nacional é o
papel de dirigentes partidários enquanto comentadores.
É uma particularidade nossa?
Em
mais nenhum país civilizado havia semelhante coisa – e se havia o país
não era inteiramente civilizado. Hoje, essa bizarria mantém-se, mas com
uma agravante: os políticos que fazem comentário ou são do Partido
Socialista ou, a julgar pelo que dizem, podiam muito bem ser do Partido
Socialista. E mesmo entre os comentadores civis a reverência ao Governo é
esmagadora e, para quem não aprecia regimes do género cubano,
embaraçosa.
Quase
todos os políticos com ambição têm um programa de comentário. Aquela
ideia de que a televisão faz os políticos é verdadeira?
É
possível que sim, embora a inversa também o seja: às vezes, parece que
os políticos é que fazem a televisão. Um autarca de Lisboa (Fernando
Medina], por exemplo, é comentador regular de um canal. Talvez no
Burundi ou na Venezuela haja casos similares. De qualquer modo, e a
julgar pelo próprio Presidente da República, a televisão faz péssimos
políticos.
Costuma ter reações negativas dos partidos ou de alguns políticos sobre os artigos que escreve nos jornais?
Reações
diretas, que me lembre, nunca. No máximo, tive alguns telefonemas
educados a esclarecer um pormenor ou outro. E já tive algumas invocações
do direito de resposta, mas essas foram naturalmente públicas. O que
também me aconteceu foi um ou outro político concordar comigo e mandá-lo
dizer por interposta pessoa, tudo em privado. Salvo raríssimas
exceções, não convivo com políticos. Deus me livre.
Disse
numa entrevista que o PS controla os empresários, os outros partidos,
os media… O Partido Socialista ganhou todas as eleições desde a criação
da geringonça, com exceção das presidenciais em que não apresentou
candidato, e continua com bons resultados nas sondagens, apesar da
pandemia e da crise económica. É mérito de António Costa ou os partidos à
direita do PS têm um problema?
A
existirem, os méritos do dr. Costa são a ambição e a manha. E a noção
de que há uma quantidade suficiente de portugueses que vive direta ou
indiretamente à conta do Estado, fora os portugueses que também sonham
viver assim. Em países de gente propensa à dependência, manter boa parte
dessa população satisfeita ou esperançosa é o bastante para se ganhar
eleições. A isto acresce a endoutrinação a cargo dos media.
E a direita...
O
resto prende-se de facto com os partidos à direita do PS: dos dois
partidos tradicionais, um praticamente desapareceu e o outro, aquele que
sempre foi a alternativa de Governo, abdicou dessa função desde que o
dr. Rui Rio manda naquilo. Não faltam exemplos da resignação do PSD a
esse caráter subalterno, mas o apoio ao professor Marcelo Rebelo de
Sousa nas circunstâncias atuais foi a prova definitiva.
A
direita passa a vida a falar na hipótese de Passos Coelho regressar à
política ativa. Isto mostra que não tem soluções entre as pessoas
disponíveis?
Mostra
que, para muitos eleitores que não são de esquerda, Pedro Passos Coelho
é preferível às pessoas disponíveis. O que é natural.
Porquê?
Por
um lado, porque Passos Coelho é competente e deu provas disso. Por
outro, porque o dr. Rio é um desastre e dá provas disso. Sobre as demais
pessoas disponíveis, quem são? Eu não as conheço e suspeito que a
maioria dos portugueses também não. De resto, estamos numa situação tão
desesperada que o regresso de Passos Coelho daqui a uns meses não devia
ser apenas uma hipótese, mas uma obrigação. Porém, ele é que sabe.
Acha que a direita devia ter reagido à geringonça com uma espécie de frente não socialista?
Não
sei. Sei que, logo em 2015 e 2016, a direita não deveria ter reagido
como reagiu, com o CDS a teimar no caminho da irrelevância absoluta e
boa parte do PSD interessadíssima em livrar-se de Pedro Passos Coelho,
cuja saída de resto só pecou por tardia. É claro que hoje há o
precedente dos Açores, mas não consigo ver uma frente não socialista
constituída por partidos que, por exemplo, legitimam sem um pio os
sucessivos estados de emergência tão convenientes ao Governo. Além do
mais, tudo isto pressupõe, talvez erradamente, que o PSD e algum CDS são
avessos ao socialismo. Não acho que sejam. Às vezes, nem sequer parecem
avessos ao PS.
Houve
uma discussão dentro do PSD, quando se colocou a questão da coligação
nos Açores, sobre como é que se deve lidar com o Chega. Se a solução é
conversar com André Ventura ou não existir qualquer aproximação. André
Ventura já reivindicou meia dúzia de ministérios. Acha que ele ainda vai
ser ministro?
É
possível. E se for? Não tenho o dr. Ventura em grande conta, mas
dificilmente conseguiria ser pior governante do que a quase totalidade
destas criaturas que aceitam os convites do dr. Costa. A questão da
extrema-direita aborrece-me tanto quanto a da extrema-esquerda. Pensando
bem, aborrece-me muito menos: é que o dr. Ventura não é ministro, e
diversas personagens de extrema-esquerda já o são, e outras influenciam o
poder como se fossem.
Os ministros deste Governo são comparáveis a André Ventura?
Em
que é o dr. Ventura é uma ameaça maior do que o dr. Pedro Nuno Santos?
Para já, a extrema-esquerda é um problema. O dr. Ventura ainda não é e
não sei se virá a ser.
Ficou surpreendido com os 11% de André Ventura nas eleições presidenciais?
Não. Achei que andaria perto disso.
O voto no Chega é um voto de protesto ou há mesmo quase meio milhão de pessoas que se reveem no discurso de André Ventura?
Há
ali protesto, falta de alternativas e identificação com pelo menos
alguns dos pontos do discurso do dr. Ventura, que aliás não se distingue
pela coerência. Se 500 mil portugueses são racistas? Se calhar a
estimativa é feita por baixo, não sei. Também é preciso notar, contra o
pensamento oficial, que as pessoas têm direito a ser racistas,
comunistas, machistas e o que quiserem. E outras pessoas têm o direito
de discordar. Não se percebe a histeria com o Chega num país que
banaliza partidos leninistas. Ou melhor: percebe-se muito bem.
Nas
últimas eleições apareceram três novos partidos. A Iniciativa Liberal e
o Chega parecem estar a crescer. As pessoas começam a estar cansadas
dos partidos tradicionais como aconteceu em outros países europeus?
A
Iniciativa Liberal e o Chega são partidos tradicionais, que aparecem e
até certo ponto prosperam à custa da erosão do PSD e do CDS. Parece-me
que são mais estes partidos que deixam fugir os votos do que a
Iniciativa Liberal e o Chega os conquistam. De resto, numa altura em que
o país vive o maior ataque às liberdades desde 1975, não vejo a
Iniciativa Liberal e sobretudo o Chega demasiado preocupados com isso.
O que os preocupa?
A
Iniciativa Liberal está preocupadíssima em demarcar-se do Chega. O
Chega aflige-se com os ciganos e a nação valente imortal. Com pequenas
diferenças, ambos têm sido incapazes de questionar o estado policial em
que nos estamos a transformar. O Chega porque venera a força e
autoridade, venham elas de onde vierem. A Iniciativa Liberal nem sei bem
porquê.
Voltando à geringonça. Escreveu um livro chamado A Ameaça Vermelha. Continua a achar que foi uma golpada?
Continuo.
Um partido dito democrático não deve concorrer a eleições sem de alguma
forma dar sinais ao eleitorado de que está disponível para
posteriormente se aliar a partidos que combatem a democracia. Para lá da
artimanha utilitária e reles, era previsível que o resultado disto
nunca seria a moderação dos dois partidos comunistas e sim a
radicalização do PS.
Foi isso que aconteceu?
Tirando
os vínculos que ainda nos ligam à União Europeia, na essência o PS
atual distingue-se mal do PCP e sobretudo do Bloco de Esquerda. Também é
preciso dizer que a golpada de 2015 se viu legitimada em 2019. E que
essa legitimação evidentemente se alarga ao pacto açoriano com o Chega,
que a esquerda achou perigosíssimo. Muitas vezes com razão, a esquerda
gosta de tomar as pessoas por parvas.
Na sua opinião, o PCP e o Bloco de Esquerda não deviam de ter nenhum contacto com o poder?
Não.
Isto num regime democrático, claro. Em regimes anti-democráticos, o PCP
e o BE ficam muito bem na proximidade do poder ou no centro do mesmo.
São, aliás, praticamente indispensáveis. Só um pormenor: eu sei que os
media tratam com carinho o ‘avô’ Jerónimo e a atriz Catarina. Mas, por
mais que seja pueril repeti-lo, convém não esquecer que estas duas
alminhas lideram partidos totalitários e com um historial mais ou menos
longo na defesa de sistemas fundados na opressão violenta. PCP e Bloco
genuinamente abominam sociedades livres e indivíduos livres: são
organizações que exaltam tiranias e desejam impor-nos uma. Ao caucionar
estas forças radicais, o dr. Costa minou, não sei se em definitivo, a
frágil democracia que tínhamos.
Se
tudo correr bem vamos regressar a uma certa normalidade nos próximos
meses. O BE distanciou-se do Governo, mas o PCP viabilizou o Orçamento
do Estado. Esta aliança entre o PS e os partidos à sua esquerda vai
resistir à crise económica ou prevê eleições antecipadas?
Antes
de mais, os senhores que mandam não gostam da normalidade. Por isso
falam tanto no ‘novo normal’. A banalização de situações de exceção
mantém a população entretida com a covid-19 e, a prazo, ainda mais
dependente de paternalismos. Tudo isto concede maior desafogo à ocupação
do Estado por parte do PS e à realização das negociatas, essas sim
habituais. Além disso, há a expectativa da ‘bazuca’ pela qual o PS
saliva de ansiedade. Ou seja, para já o PS tem amplas razões para se
agarrar ao poder, e a extrema-esquerda não tem grandes razões para se
afastar dele. Sobre a crise económica provocada pelo dr. Costa: será
culpa da covid. Como a crise provocada pelo eng. Sócrates foi culpa de
Pedro Passos Coelho. O eleitor médio não se distingue pela perspicácia.
Vi
algumas críticas, nas redes sociais, por ter escrito, numa crónica no
Observador, que faz o que lhe apetece, mesmo quando o país está
confinado. Não faz sentido a forma como o Governo tem gerido a pandemia?
Como
se vê nos grupos de risco, em que ainda hoje há menor percentagem de
velhos vacinados do que sujeitos bem mais novos, o Governo não gere
pandemia nenhuma. Em qualquer matéria, por insignificante que seja, o
Governo oscila entre a incompetência, a trapaça e o despotismo. Na
covid-19, a dimensão do acontecimento limitou-se a ampliar, de modo
diretamente proporcional, as características do Governo: inépcia,
mentiras, prepotência.
Não alinha com o confinamento?
O
Governo nunca soube o que fazer, mente sobre o que faz e não faz, e por
fim acaba a fechar dois terços do país numa espécie de prisão
domiciliária. À menor prevaricação, o cidadão leva com a Polícia em
cima. Por regra, as ditaduras são obra de gente assim, que oculta a
incapacidade com intrujices e pune os descrentes através do uso da
força.
Já
disse publicamente que votou em Marcelo Rebelo de Sousa quando ele foi
eleito pela primeira vez. Pelo que escreveu e disse sobre o mandato do
Presidente da República imagino que se tenha arrependido…
É
evidente que sim, e também já o escrevi. Aliás, arrependi-me pouco
tempo após a primeira tomada de posse. Quando votei, quase por
desfastio, não alimentava grandes esperanças no homem, embora tivesse a
ilusão de um ligeiro equilíbrio de poderes. Uns meses depois, vi a
enorme asneira que fiz.
O que não gosta neste Presidente? É o estilo…
Se
o estilo significa aquela vontade desesperada de aparecer a pretexto
das mais ridículas coisas, o estilo ainda é o menos grave. As selfies,
as trocas de cuecas, o salvamento de banhistas, os abraços a bonecos, as
hilariantes consagrações de sucessivos portugueses melhores do mundo,
tudo isso é triste, tudo isso é fado e tudo isso é o mal menor. O mal
maior é a defesa cega e incondicional dos governos do dr. Costa.
Consegue encontrar alguns exemplos?
De
Pedrógão a Tancos, da procuradora-geral da República ao Banco de
Portugal... O professor Marcelo não se limitou a ceder ao Governo,
esforçou-se por mostrar cumplicidade ou o que ele cinicamente chama
‘cooperação’. Nos arremedos de tirania despertados pela covid, o
professor Marcelo, que por acaso não cumpre nada do que impõe aos
cidadãos, parece ainda mais zeloso do que o próprio dr. Costa. A miséria
que já temos e a miséria que está a caminho devem-lhe muito.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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