BLOG ORLANDO TAMBOSI
Os caciques enxergam a chance de ocupar o poder sem intermediários nas próximas eleições, escreve William Waack no Estadão:
O
parlamentarismo com dois primeiros-ministros é o mais novo evento
político “jabuticaba”, aquilo que só existe no Brasil. Os presidentes
das duas casas legislativas é que estão lidando diretamente com dois
assuntos de enorme e imediato impacto sobre o bolso de todos e de ampla
repercussão política: preços dos combustíveis e tamanho dos impostos.
A
taxa de sucesso até aqui é baixa. As duas operações lidam com assuntos
terrivelmente técnicos e complexos, afetados pelos naturais conflitos de
interesses entre os mais variados segmentos, e dependem ainda do
entendimento precário entre os entes da Federação, problemão por último
evidenciado na pandemia. Mas o fato político expressivo é que a agenda
política está nas mãos dos dois primeiros-ministros.
Sim,
o ministro da Economia – sofrendo evidente desgaste político por conta
de sua offshore – compareceu a reuniões com os dois primeiros-ministros
que incluíam ainda representantes de municípios, Estados e Receita
Federal. Pelo menos formalmente o Executivo estava lá, mas os
presidentes da Câmara e do Senado deixaram bem claro ao público que são
eles os condutores de todos os processos. São eles que se dirigem à
população dizendo como e quando pretendem resolver os problemas.
O
Executivo tem noção clara do que precisa – arrumar um jeito de
sustentar programas assistenciais que, fora o indiscutível mérito de
mitigar a miséria de milhões de pessoas, são também ferramentas
políticas no esforço de Jair Bolsonaro
em se reeleger. Mas ainda não disse exatamente como realizar esses
programas, numa exibição espetacular da dificuldade em estabelecer
prioridades: é para resolver primeiro o Bolsa Família ou o preço da
gasolina?
Tudo
está subordinado a esse eufemismo chamado de “espaço fiscal”, que, por
sua vez, é função direta de rearranjo de impostos (para não falar em
reforma ampla), propostas de emendas constitucionais que tratem de
pagamentos de dívidas (os tais precatórios) e intrincadas negociações
sobre o próximo orçamento. Os dois primeiros-ministros perceberam que,
no fundo, trata-se da velha questão do ovo ou a da galinha.
Para
escapar desse falso dilema, os dois primeiros-ministros teriam de puxar
um fio da meada, ou seja, proceder ao que o Executivo mostrou-se
incapaz de fazer: estabelecer claramente prioridades e arranjar-se com
as várias forças políticas e os vários interesses setoriais. É a queixa
recorrente de relatores de todo tipo de matéria demandando coordenação e
articulação dentro e fora do Legislativo: não entendem muito bem o que
pretende o Palácio do Planalto.
Neste ponto, o da agenda política, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco
são atrapalhados não só por desentendimentos causados por diferentes
objetivos políticos pessoais. Ocorre que os dois primeiros-ministros
são, ao mesmo tempo, operadores e vítimas daquilo que o sociólogo
Bolívar Lamounier chama de sistema político do “pluricorporativismo”
(mascarado de pluripartidarismo), por meio do qual se propaga e se
reforça a capacidade “extrativa” das mais diversas corporações.
Podemos
chamar isso também de “sistema do Centrão”, que está claramente se
consolidando na fusão gigante de DEM e PSL, e na busca dentro dessas
forças políticas da alternativa eleitoral ao embate Bolsonaro-Lula. A
despeito do que possam dizer as pesquisas de opinião sobre o momento,
dando conta do amplo favoritismo eleitoral de Lula, na visão desses
operadores políticos a força e o sentido do eleitorado apontam para o
que se chamaria de tendência de “centro-direita” – daí a dificuldade em
costurar acordo com o PT.
Bolsonaro
teve um pouco atrás a possibilidade de “caminhar para o centro” e ser
abraçado eleitoralmente pelo Centrão. Essa oportunidade parece ter sido
jogada fora por ele mesmo, que hoje não sabe se receberá um tapinha nas
costas pelo fato de ter aberto uma chance inédita de consolidação do
poder a esses caciques, agora enxergando a possibilidade de tomar conta
eles mesmos do Executivo, e pela via eleitoral.
Ou se receberá desses caciques um chute nos glúteos, dependendo das circunstâncias.
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