Para
onde quer que se olhe, o conservadorismo parece um fenômeno em
retração. O mundo acadêmico, o meio artístico, o grosso da imprensa,
cantoras de funk e demais influencers são unânimes e veementemente
alinhados com todas as causas abraçadas pela esquerda, principalmente as
identitárias. Grandes bancos e instituições financeiras pagam cursos
ensinando seus funcionários a vigiar a si mesmos para não deixar escapar
qualquer escorregão que os arraste para o inferno astral (e
profissional) onde penam racistas, machistas, homofóbicos e outros
pecadores por “pensamentos, palavras, atos e omissões”, como estabelecia
o velho ato de contrição. O componente autodestrutivo dos líderes da
surpreendente erupção do populismo de direita empurra figuras como Trump
e Bolsonaro para o beco sem saída da inviabilidade eleitoral.
A
heterodoxia fiscal de Trump, que tecnicamente o desqualificaria como
conservador, empalidece diante do que Joe Biden está fazendo. O
presidente americano, um ex-centrista, alinhou-se com a esquerda e
comprou briga com os moderados de seu próprio partido para forçar um
pacote de 3,5 trilhões de dólares em gastos sociais. Na Europa, depois
da derrota da União Democrata-Cristã de Angela Merkel, o único país
importante governado por um partido conservador é a Grã-Bretanha, mas um
extraterrestre teria dificuldade em reconhecer princípios de direita
entre as hostes que já foram comandadas por Margaret Thatcher. Boris
Johnson aumentou impostos e liberou dinheiro para enfrentar o que chamou
de “meteorito fiscal” da pandemia. A atitude mais conservadora que teve
nos últimos tempos foi dizer que, na sua opinião, depois que Daniel
Craig desencarnou, o próximo James Bond deve continuar a ser homem. Na
terra de Edmund Burke e Roger Scruton, o filósofo que morreu no ano
passado carregando elegantemente a cruz de ser um corpo exótico no
universo intelectual, é de arrancar os cabelos.
O
que é ser conservador hoje? O mesmo que sempre foi, o que é mais bem
definido por uma negativa: descrer de revoluções. E acreditar numa ordem
transcendente, moral e duradoura, tal como estabelece o primeiro dos
dez princípios do conservadorismo definidos por Russell Amos Kirk.
Segundo princípio: aderir ao costume, à convenção e à continuidade. Num
mundo em que é tão emocionalmente compensador ser seduzido pelo charme
da rebeldia e acreditar que o status quo existe apenas para ser
implodido — ou pelo menos dizer isso, para ficar bem na foto —,
princípios conservadores podem parecer uma chatice, um anacronismo sem
sex appeal. Na origem, o conservadorismo à la Burke foi uma reação ao
tsunami da Revolução Industrial — tal como o marxismo — e uma defesa do
modo de vida tradicional, baseado em comunidades fortes e indivíduos
idem. Os que se identificam hoje com valores ligados a conceitos
normativos de família, pátria e religião podem se sentir órfãos de
representação e eventualmente fazer escolhas eleitorais arriscadas, mas
seguem uma honrosa tradição. Um mundo sem yin e yang na política e nas
ideias é mais perigoso do que um em que conservadores cometem erros,
exatamente como seus opostos de esquerda.
Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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