MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 10 de outubro de 2021

Calma, a direita ainda respira.

 



A má fase dos conservadores não significa que a causa expirou. Vilma Gryzinski:


Para onde quer que se olhe, o conservadorismo parece um fenômeno em retração. O mundo acadêmico, o meio artístico, o grosso da imprensa, cantoras de funk e demais influencers são unânimes e veementemente alinhados com todas as causas abraçadas pela esquerda, principalmente as identitárias. Grandes bancos e instituições financeiras pagam cursos ensinando seus funcionários a vigiar a si mesmos para não deixar escapar qualquer escorregão que os arraste para o inferno astral (e profissional) onde penam racistas, machistas, homofóbicos e outros pecadores por “pensamentos, palavras, atos e omissões”, como estabelecia o velho ato de contrição. O componente autodestrutivo dos líderes da surpreendente erupção do populismo de direita empurra figuras como Trump e Bolsonaro para o beco sem saída da inviabilidade eleitoral.

A heterodoxia fiscal de Trump, que tecnicamente o desqualificaria como conservador, empalidece diante do que Joe Biden está fazendo. O presidente americano, um ex-centrista, alinhou-se com a esquerda e comprou briga com os moderados de seu próprio partido para forçar um pacote de 3,5 trilhões de dólares em gastos sociais. Na Europa, depois da derrota da União Democrata-Cristã de Angela Merkel, o único país importante governado por um partido conservador é a Grã-Bretanha, mas um extraterrestre teria dificuldade em reconhecer princípios de direita entre as hostes que já foram comandadas por Margaret Thatcher. Boris Johnson aumentou impostos e liberou dinheiro para enfrentar o que chamou de “meteorito fiscal” da pandemia. A atitude mais conservadora que teve nos últimos tempos foi dizer que, na sua opinião, depois que Daniel Craig desencarnou, o próximo James Bond deve continuar a ser homem. Na terra de Edmund Burke e Roger Scruton, o filósofo que morreu no ano passado carregando elegantemente a cruz de ser um corpo exótico no universo intelectual, é de arrancar os cabelos.

O que é ser conservador hoje? O mesmo que sempre foi, o que é mais bem definido por uma negativa: descrer de revoluções. E acreditar numa ordem transcendente, moral e duradoura, tal como estabelece o primeiro dos dez princípios do conservadorismo definidos por Russell Amos Kirk. Segundo princípio: aderir ao costume, à convenção e à continuidade. Num mundo em que é tão emocionalmente compensador ser seduzido pelo charme da rebeldia e acreditar que o status quo existe apenas para ser implodido — ou pelo menos dizer isso, para ficar bem na foto —, princípios conservadores podem parecer uma chatice, um anacronismo sem sex appeal. Na origem, o conservadorismo à la Burke foi uma reação ao tsunami da Revolução Industrial — tal como o marxismo — e uma defesa do modo de vida tradicional, baseado em comunidades fortes e indivíduos idem. Os que se identificam hoje com valores ligados a conceitos normativos de família, pátria e religião podem se sentir órfãos de representação e eventualmente fazer escolhas eleitorais arriscadas, mas seguem uma honrosa tradição. Um mundo sem yin e yang na política e nas ideias é mais perigoso do que um em que conservadores cometem erros, exatamente como seus opostos de esquerda.

Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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