Pedro do Coutto
O presidente Jair Bolsonaro comunicou na quarta-feira ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, que vai prestar depoimento pessoalmente no inquérito que apura a sua influência na Polícia Federal, acusação que lhe foi feita pelo ex-ministro Sergio Moro de interferir na nomeação de superintendentes regionais, especialmente no Rio de Janeiro para o rumo do inquérito sobre a atuação de seu filho, Flávio Bolsonaro, quando deputado estadual. A acusação refere-se ao caso da “rachadinha”. A decisão de Bolsonaro foi comunicada ao ministro Alexandre de Moraes pelo advogado-geral da União, Bruno Bianco, logo no início da sessão de terça-feira.
Numa ampla reportagem publicada na edição de ontem na Folha de S. Paulo, Marcelo Rocha detalha todos os aspectos essenciais da questão da origem do choque entre o presidente da República e o ex-ministro da Justiça até os dias de hoje. O Globo publicou também reportagem sobre o assunto, de autoria de Marianna Muniz.
NOVO CHOQUE – O episódio, na realidade, acentua a perspectiva de um novo choque entre Jair Bolsonaro e Sergio Moro, uma vez que Moro é o autor da denúncia que levou à abertura do inquérito na esfera do Supremo Tribunal Federal. O depoimento de Bolsonaro será, portanto, prestado de forma presencial à Polícia Federal. O Supremo iria decidir se o depoimento seria presencial ou não. Mas com a decisão do próprio Bolsonaro de comparecer pessoalmente, a resolução que caberia ao ministro Alexandre de Moraes, relator da matéria, tornou-se desnecessária.
Se, por hipótese, o inquérito decidir por um novo depoimento de Sergio Moro, estará configurado um embate entre ambos acerca da questão que perdura até hoje e foi objeto tanto da denúncia, quanto da renúncia do então ministro da Justiça. A questão se deslocou também para a esfera da Procuradoria-Geral da República, levando Augusto Aras a tentar bloquear o caso, mas o embate prossegue e será acentuado, é claro, logo após o depoimento de Jair Bolsonaro, cuja data deve ser marcada ainda esta semana.
O ex-juiz Sergio Moro sustentou – e certamente sustenta – que em sua passagem pela pasta da Justiça, o presidente da República pressionou para que ele substituísse, principalmente, o superintendente da PF do Rio de Janeiro, responsável pelas investigações sobre a “rachadinha”, operação que consistia no repasse de parte dos salários de servidores lotados no gabinete do então deputado estadual a Fabrício Queiroz.
MENSAGEM – Sergio Moro acusou também Bolsonaro de agir pela substituição do ex-diretor geral da PF Maurício Valeixo. Relativamente ao caso da Superintendência no Rio de Janeiro, Sergio Moro disse ter recebido uma mensagem pelo WhatsApp de Jair Bolsonaro dizendo o seguinte: “Moro, você tem 27 superintendências estaduais na PF; eu quero apenas uma, a do Rio”.
O texto foi transcrito integralmente na denúncia de Sergio Moro no inquérito aberto para apurar a veracidade de suas acusações. Moro assinalou que havia recebido de Bolsonaro o compromisso de ter carta branca para nomear o diretor-geral e os superintendentes estaduais da Polícia Federal. A interação, portanto, sob a ótica de Moro, representava uma manifestação contrária ao compromisso, levando-o a pedir demissão do cargo.
NOVA POLARIZAÇÃO – Na minha impressão, o presidente Bolsonaro está tentando um novo confronto direto com Sergio Moro, objetivando tentar uma nova polarização política em torno do Palácio do Planalto, polarização que perdeu força com o seu recuo através do texto de Michel Temer depois de tentar sem sucesso radicalizar com o STF, atacando principalmente Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Em relação a Alexandre de Moraes, Bolsonaro chegou a dizer que não cumpriria mais as suas decisões. Mas, como se constata, recuou e esse recuo apagou parte do entusiasmo dos extremistas da direita que o apoiam.
Isso de um lado. De outro, ele no fundo deseja a candidatura de Moro nas eleições de 2022. Entretanto, a candidatura do ex-ministro somente poderá ser ao Senado ou à Câmara Federal, uma vez afastada a hipótese de candidatar-se ao Planalto. Em relação ao quadro político, Sergio Moro não poderá escolher nem Lula e nem Bolsonaro. Ele inclusive está acusando Bolsonaro na justiça. Quanto a Lula, ele foi o autor da condenação do ex-presidente da República.
Não importa que o STF tenha anulado a decisão. Mas a incompatibilidade do ex-juiz com o ex-presidente permanece. Assim, Bolsonaro não conseguirá, a meu ver, dividir forças eleitorais que hoje estão com Lula através de um embate direto com seu ex-ministro da Justiça. Não conseguirá, mas isso não o impede de tentar.
STF ALINHADO – Matéria de Ricardo Della Coletta, também Folha de S. Paulo de ontem, revela que numa reunião na terça-feira com integrantes da bancada ruralista do Congresso, o presidente Jair Bolsonaro manifestou-se a favor do Marco Temporal quanto às terras indígenas, limitando-as à situação de 1988 quando a atual Constituição foi promulgada e, com isso, colidindo com os interesses dos indígenas que ocupam espaços no território brasileiro, especialmente na Amazônia.
Jair Bolsonaro disse também aos ruralistas que se for reeleito em 2022, conseguirá fazer indicações de ministros para o STF no sentido de que a Corte esteja alinhada junto ao governo. A declaração, para mim, pode refletir-se num argumento contrário à aprovação pelo Senado de André Mendonça para o Supremo.
CONVOCAÇÃO DE GUEDES – Danielle Brant, Ranier Bragon e Fábio Pupo, na Folha de S. Paulo de quinta-feira, destacam que a Câmara dos Deputados por 310 votos a 142, manifestação massiva portanto, decidiu convocar para prestar explicações no Plenário, o que torna o fato político mais amplo, sobre a aplicação de recursos financeiros em dólar numa offshore das Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal livre de impostos. A contradição de Paulo Guedes é muito grande e a repercussão política está sendo maior ainda. Seus advogados sustentam que ele não fez novos depósitos após 2017, além dos US$ 9,5 milhões com que abriu a conta.
Mas isso não muda o fato, uma vez que a rentabilidade da aplicação nada tem a ver com depósitos adicionais. Além disso, é preciso definir que setores econômicos e financeiros são objetos dos investimentos feitos por ele, Paulo Guedes, na offshore. A oposição votou maciçamente pela convocação do ministro da Economia. Mas teve adesão bastante elevada da bancada governista, inclusive do Centrão, o que demonstra que Paulo Guedes perdeu grande parte do apoio político e da própria Presidência da República. Porque, caso contrário, o Centrão não teria ido ao encontro dos partidos de oposição para convocar o ministro da Economia.
Também merece registro o fato de a convocação não ter incluído Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central e investidor em offshore do Panamá, outro paraíso fiscal. Enquanto isso, lembra a reportagem da FSP, o Brasil continua com mais de 14 milhões de desempregados. O movimento comercial do varejo recuou 3,1% este ano e a repórter Larissa Garcia assinala que no mês de agosto foram retirados R$ 7,7 bilhões nas cadernetas de poupança, o que superou as retiradas de agosto que foram de R$ 5,4 bilhões. Está, portanto, faltando dinheiro para o consumo, inclusive como revelam as quedas de compras nos supermercados.
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