Podem nem ter bolsa da Gucci, como disse senador Lindsey Graham, mas migrantes da classe média são uma realidade na fronteira. Vilma Gryzinski:
Os
números dizem muito: no ano fiscal de 2021 (que terminou em setembro),
46 280 brasileiros foram apreendidos na fronteira entre México e Estados
Unidos. Em 2019, foram 17 893.
Não
é uma aventura barata. Uma reportagem da Reuters reconstituiu casos de
brasileiros que pagaram até 100 mil reais para tentar uma vida nova nos
Estados Unidos. Para bancar um gasto assim, muitos vendem tudo o que
têm, carro ou casa, o que já os coloca na classe média.
Talvez
por isso o senador republicano Lindsey Graham tenha dito que foi
verificar a situação na fronteira na altura de Yuma, a cidade do Arizona
que é um dos pontos de passagem em massa de imigrantes clandestinos, e
constatou uma miragem.
“Tivemos
40 mil brasileiros passando só pela faixa de Yuma, com direção a
Connecticut, usando roupas de grife e bolsas da Gucci. Isso não é mais
uma imigração por motivos econômicos”.
“As pessoas veem que a América está aberta. Estão tirando vantagem de nós”.
Seu
assessor de imprensa, Kevin Bishop, insistiu depois que “vimos bagagens
e roupas que são extremamente incomuns para alguém que está fazendo uma
longa travessia pelo deserto para chegar aos Estados Unidos”. O senador
comentou com Bishop que viu bagagens “melhores do que as minhas”.
O
senador Graham provavelmente não sabe da indústria de falsificação de
grifes que prospera no Brasil. Mas numa coisa está certo: brasileiros
que pagam caro a atravessadores são aconselhados a se apresentar bem
para não ter problemas na imigração quando chegam ao México como
turistas.
O
chefe da policia fronteiriça em Yuma, Chris Clem, confirmou o trânsito
de migrantes com mais recursos: “Eles descem do avião e pegam um táxi ou
ônibus. São literalmente conduzidos até nós, daí só atravessam e se
entregam”.
Por
causa dessa via de acesso para a imigração irregular, o governo Biden
quer que o México volte a exigir visto de brasileiros para entrar no
país.
Pegaria
mal para o governo de um presidente populista de esquerda como Andrés
Manuel López Obrador bater com a porta na cara dos irmãos brasileiros –
incluindo os que vão mesmo fazer turismo no México, um oásis de
acessibilidade durante a pandemia -, mas os Estados Unidos têm poderosos
instrumentos de pressão.
A
entrada por Yuma é a mais usada pelos imigrantes brasileiros: 63% deles
passam por lá. Venezuelanos e cubanos entram majoritariamente pela área
da cidade de Del Rio, no Texas, que virou um foco de tensão quando 15
mil haitianos acamparam debaixo de uma ponte em condições lastimáveis. A
maioria já entrou nos Estados Unidos.
O
México não aceita de volta famílias com crianças abaixo dos sete anos,
dizendo que não tem como acomodá-las. Também não aceita devolvidos que
não falam espanhol.
Seja
qual for a faixa social, a imigração clandestina é arriscada e
dramática. Na semana passada, circulou um vídeo de cortar o coração: uma
família de venezuelanos com crianças pequenas foi interceptada pela
patrulha fronteiriça e contou sua saga. Vinham do Chile, onde já eram
refugiados do caos venezuelano, mas disseram que o regime de Nicolás
Maduro estava mandando agentes infiltrados para ameaçá-los de morte.
Verdade
ou mentira? O alívio e as lágrimas de agradecimento do homem que contou
a história eram muito reais, embora se saiba que inventar histórias de
perseguição política – ou étnica ou de gênero – faz parte do processo de
pedir asilo nos Estados Unidos, a forma mais garantida de entrar
legalmente no país.
Como
o Partido Democrata, em graus diferentes, defende políticas
conciliatórias em relação à migração irregular, a eleição de Joe Biden
aumentou significativamente as massas humanas que buscam melhores
oportunidades.
A
pandemia, com consequências nefastas para países latino-americanos,
combinada com a recuperação econômica dos Estados Unidos – um país onde
hoje faltam trabalhadores – coincidiu com a eleição de Biden,
impulsionando ainda mais o fenômeno.
O
descontrole na fronteira com o México é hoje o principal problema de
Biden, do ponto de vista da reação da opinião pública. Moradores de
cidades inteiras próximas da fronteira têm sua vida radicalmente afetada
pelo trânsito em massa.
A
imigração irregular é um dos problemas mais difíceis de resolver para
os países ricos. Como tratar com humanidade os estrangeiros que arriscam
tudo por uma vida melhor, mas sem descaracterizar as próprias
comunidades nem sobrecarregar ose benefícios sociais com massas que
nunca contribuíram para ele?
O
descontrole migratório foi o principal impulsor da vitória de Donald
Trump. Em circunstâncias diferentes, a França está hoje vivendo um
fenômeno similar: Éric Zemmour desbancou a candidata da direita pura e
dura, Marine Le Pen, como segundo nome preferido para a eleição
presidencial do ano que vem. Zemmour prega contra, em termos radicais, a
imigração e a falta de assimilação de muçulmanos provenientes do norte e
de outras regiões da África.
O
problema da migração irregular preocupa políticos democratas dos
estados mais afetados e não apenas republicanos como Lindsey Graham.
O
senador pela Carolina do Sul, coronel da reserva da Força Aérea, onde
serviu no setor jurídico, tem uma relação vai-e-volta com Trump. O
momento atual é de baixa: Trump ficou furioso com um livro do senador
que não endossa a tese de que a eleição presidencial foi roubada.
Graham
foi um aliado importante de Trump durante seu governo, transformando-se
num dos políticos republicanos mais odiados pela esquerda democrata – a
turma mais progressista chegou a insinuar, sordidamente, que ele era
chantageado por ser homossexual no armário.
“Se isso tem alguma importância, eu não sou gay”, reagiu, com classe, o senador que nunca se casou.
Se
fosse, talvez teria mais chances de reconhecer uma bolsa Gucci
verdadeira – o modelo mais simples começa em 5 800 reais – de uma falsa.
Criticar
políticos americanos pela linha dura com migrantes ilegais obscurece
uma questão muito mais complicada: fazermos um país em que 47% dos
jovens não sintam vontade de ir embora, se pudessem, e várias dezenas de
milhares de brasileiros não se arrisquem tanto nas rotas clandestinas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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