Deveríamos celebrar sempre os feitos de uma mulher que desmontou barreiras contra o sexo feminino e mostrou absoluta força e competência. Ana Paula Henkel para a Oeste:
Nesta
semana, em 13 de outubro, Margaret Thatcher completaria 96 anos. Com a
morte da primeira mulher a se tornar primeira-ministra britânica em
2013, o mundo perdeu uma das líderes mais formidáveis e corajosas do
século 20. Há muitas coisas que o mundo passou a admirar em Margaret
Thatcher, filha de um dono de mercearia cujo senso de propósito para
fazer a diferença abriu seu caminho para os degraus mais altos de poder
no Reino Unido e no mundo. Entre todos eles, é impossível não destacar
sua coragem.
Certa
vez, Thatcher disse: “Você não pode liderar de uma multidão”. E ela
certamente não o fez. No entanto, seria um erro presumir que ela não
teve momentos de dúvidas, nem temeu a ira que enfrentaria ao se levantar
contra tantos homens no poder e os sindicatos mais poderosos da
Grã-Bretanha. Mas sua convicção em seguir seus princípios superou o medo
das consequências. Seu exemplo pode — e deve — ser inspirador
principalmente nos dias de hoje. Quando muitos poderiam ter se retraído,
ela deu um passo à frente. Quando muitos poderiam ter atenuado sua
postura, ela se manteve firme. E quando muitos poderiam ter sucumbido à
pressão de seus pares para seguir um caminho mais fácil, com menos
conflitos e confrontos, ela continuou caminhando direto ao longo do
único trajeto que poderia criar as mudanças de que a Grã-Bretanha tanto
precisava.
Thatcher
promoveu transformações profundas em seu país, mas deixou um legado que
serve até hoje para o mundo. O programa de privatizações sob seu
comando foi intenso e sua administração privatizou quase todas as
empresas estatais, aliviando o Estado para os problemas mais sérios da
época. Em uma polêmica entrevista, disparou: “O governo não sabe
administrar empresas e quase sempre o faz de modo inepto!” (Alô,
Brasil!) Sob sua batuta, o governo também reduziu impostos e realizou
reformas institucionais com alvo na diminuição do Estado e seus
tentáculos. Apesar da herança recebida do Partido Trabalhista, como a
recessão econômica, os altos índices de desemprego e as elevadas taxas
de inflação, foi durante seu comando que o programa “capitalismo
popular” foi instituído e milhões de ingleses se tornaram donos de suas
próprias casas.
Claro
que é fácil para nós, mortais inferiores, pensar que ela foi feita de
algo diferente. Talvez mais aço e menos medo. Afinal, ela ganhou o
título de “Dama de Ferro” por um motivo. No entanto, as características
que marcaram sua liderança e sua vida estão disponíveis para todos nós.
Mesmo antes da pandemia que transformou milhões de pessoas em zumbis, o
mundo vinha demonstrando sinais de que simplesmente não estamos tão
comprometidos em fortalecer essas características. A verdade é que todos
nós possuímos a capacidade de agir com coragem, reagir com resiliência e
perseverar com determinação. A maioria de nós simplesmente não
encontrou um “por quê” grande o suficiente para se esforçar, assumir o
risco e fazer os sacrifícios envolvidos.
No
centro de tudo que fez Margaret Thatcher ser Margaret Thatcher estava
um compromisso inabalável de viver uma vida que importava — fazer a
diferença que ela podia, como ela mesma fazia questão de destacar. Esse
era o seu “por quê”. Nada jamais foi entregue a ela em uma bandeja. No
Parlamento britânico, com muitos membros chauvinistas, uma mulher que
ousava se tornar uma líder não era apenas uma anomalia; era, para
muitos, motivo real de piada. Em uma cultura tão rica em distinção de
classes, quem diabos essa garota da classe trabalhadora, uma filha de um
dono de mercearia humilde pensava que era?
É
humanamente impossível colocar em apenas um artigo como o legado de
Margaret Thatcher influenciou o mundo por meio de sua crença inabalável
das virtudes do capitalismo de livre mercado, a exposição dos vícios do
socialismo e seu papel fundamental na queda do comunismo. Em busca da
derrota do que ela viu como totalitarismo socialista, ela fez uma
aliança estreita com o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e
construiu um relacionamento com o líder soviético Mikhail Gorbachev,
enquanto ainda permanecia firme na oposição ao império soviético. Sem
dúvida, ela era uma das amigas mais próximas e importantes da América e
foi fundamental para vencer a Guerra Fria para o Ocidente.
A
primeira visita oficial de Margaret Thatcher aos Estados Unidos foi em
1967, quando, ainda como uma jovem aspirante ao Parlamento britânico,
viajou pelo país como parte de um programa de intercâmbio do
Departamento de Estado. A viagem de seis semanas a familiarizou com os
EUA, onde visitou de Nova Iorque a Los Angeles. Mas foi apenas quando
conheceu Ronald Reagan, sua “alma gêmea” política, como Nancy Reagan
disse certa vez, que o mundo veria a formação de uma aliança que mudaria
a história.
Thatcher
encontrou Reagan pela primeira vez em abril de 1975 na Câmara dos
Comuns, em Londres. Reagan, então governador da Califórnia, escreveu uma
nota de agradecimento a Thatcher, então líder da oposição do Partido
Conservador no Parlamento: “Por favor, saiba que você tem um apoiador
entusiástico nas ‘colônias'”. Décadas mais tarde, em um discurso na
Heritage Foundation, em 1997, Thatcher lembrou daquele encontro: “Assim
que conheci o governador Reagan, soube que tínhamos a mesma opinião, e
ele manifestamente sabia que compartilhávamos uma filosofia bastante
incomum e algo mais incomum também: estávamos na política porque
queríamos colocar nossa filosofia em prática”.
Juntos,
eles vieram para resumir o que tem sido chamado de era de ouro do
conservadorismo — uma época em que suas políticas mudaram o mapa do
mundo. Ambos pensavam que estavam liderando revoluções políticas ao
mesmo tempo em países que eram fundamentalmente liberais. Cada um
acreditava na força dos mercados livres, desprezava o comunismo e via a
si mesmo e a seu país como partes de uma aliança transatlântica que
sustentava a liberdade do Ocidente. No funeral de Ronald Reagan, em
2004, Thatcher declarou com a voz embargada: “Perdemos um grande
presidente, um grande americano e um grande homem. E eu perdi um querido
amigo”.
Uma
das mulheres mais extraordinárias da humanidade também se recusou a se
curvar diante do terrorismo e se posicionou contra todas as suas formas.
Depois que o IRA tentou assassiná-la na Convenção Conservadora de 1984
em Brighton, errando por pouco, mas matando cinco pessoas de seu
gabinete, ela insistiu em continuar a conferência no dia seguinte: “O
fato de estarmos reunidos aqui agora, chocados, mas compostos e
determinados, é um sinal não só de que esse ataque falhou, mas de que
todas as tentativas de destruir a democracia pelo terrorismo falharão”.
Sua coragem trouxe clareza moral ao destacar a atrocidade do terrorismo
como meio de atividade política.
O
legado de Thatcher é vasto e poderíamos dedicar tantos outros artigos
às ações e aos feitos dessa magnífica mulher, que não apenas esteve à
frente de seu tempo no campo político, mas que inspira até hoje outras
tantas mulheres a trilhar seu caminho de coragem e resiliência. Difícil
não ressaltar o fato de que, mesmo diante do inspirador espólio de
Thatcher, ela não é celebrada — sendo muitas vezes demonizada — por
algumas mulheres. Não deveríamos celebrar sempre os feitos de uma mulher
que desmontou barreiras contra seu gênero e mostrou absoluta
competência e força feminina? E é aí que deparamos com a hipocrisia do
universo feminino e toda a sua indignação ou apreciação seletiva.
A
história registrará que Thatcher representou aquilo em que acreditava, e
que tanto a Grã-Bretanha quanto o mundo são melhores por isso. Gerações
passarão anos dedicando estudos ao espetacular legado político da Dama
de Ferro, mas creio que uma homenagem justa que podemos prestar em seu
aniversário seria fazer uma pausa, refletir e nos perguntar onde
precisamos imergir em nossas próprias reservas de coragem para viver uma
vida que realmente importa e deixar o mundo um pouco melhor. E isso, de
acordo com o imortal legado de Thatcher, não é apenas por causa do que
fazemos, mas em quem nos tornamos ao fazê-lo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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