Daniel Ortega manda prender maior líder empresarial do país - uma das muitas insanidades que assolam países atolados entre a miséria e a repressão. Vilma Gryzinski:
Vendo
as expressões, mas principalmente as atitudes, deformadas de Daniel
Ortega e Rosario Murillo, é quase impossível acreditar que foram jovens e
românticos líderes esquerdistas, celebrados por seus contemporâneos
como heróis que haviam derrotado uma ditadura de manual, a da dinastia
Somoza.
“Continuo
vivendo a revolução com olhos sentimentais, mas é cada vez mais difícil
separar a ideia de sandinismo que tínhamos nos anos oitenta da figura
de Daniel Ortega, o ditador”, resumiu para o El País o maior escritor em
atividade da Nicarágua, Sergio Ramírez.
Revolucionário
sandinista e vice-presidente de Ortega depois da derrota da ditadura
Somoza, Ramírez está de volta ao exílio: vai se radicar na Espanha na
certeza de que o pior o aguarda se voltar a seu país. Em 9 de setembro,
Ortega assinou a ordem de prisão do escritor. Até o governo argentino,
tão alinhado com a esquerda, protestou.
Prender
ex-companheiros não é novidade para Ortega, associado à mulher e
vice-presidente (além de bruxa praticante, segundo acreditam muitos
nicaraguenses) num regime delirante, mistura de seita com linguagem new
age e ditadura na linguagem de sempre.
A
repressão que antecede a eleição presidencial do próximo dia 7 está
concentrada na elite, unida na oposição às insanidades de Ortega. Ontem,
foi preso o presidente da principal entidade empresarial do país,
Michael Healy. Também foi preso o vice-presidente da União de Produtores
Agropecuários, Álvaro Vargas.
Todos
os principais, e também os menos importantes, candidatos que poderiam
ombrear com Ortega estão na penitenciária El Nuevo Chipote. A mais
conhecida é Cristiana Chamorro, da célebre família de donos do jornal La
Prensa. O assassinato de seu pai precipitou a derrocada da ditadura
Somoza e sua mãe, Violeta, foi presidente depois de romper com a frente
unida com o sandinismo. Em agosto, o jornal deixou de circular, sufocado
pela falta de papel, um feito que pode ser debitado na conta de Ortega.
Ao
todo, há 34 dirigentes oposicionistas presos e três em prisão
domiciliar. Os detidos, mantidos em celas com luz acesa a noite toda ou
mergulhadas na escuridão, perderam entre sete e 23 quilos por causa da
alimentação ínfima. “É um desfile de esqueletos”, segundo a descrição de
um familiar citada pelo Infobae.
Um dos presos passou 26 dias sem saber que sua mãe havia falecido.
As
acusações vão de traição à pátria a incitação à intervenção
estrangeira, nada muito diferente do que está sendo feito em Cuba com os
presos políticos depois das grandes manifestações de 11 de julho.
Comparado
ao espetáculo grotesco da Nicarágua de Ortega e Rosario Murillo, o
regime cubano é um exemplo de racionalidade e cabeça fria. A repressão é
organizada e sistemática, tentando manter uma fachada de legalidade.
É
preventiva também: a Procuradoria Geral da República avisou que quem se
atrever a participar da marcha marcada para 15 de novembro em
solidariedade aos presos políticos pode ser enquadrado nos delitos de
“manifestações ilícitas, instigação à delinquência e outros”.
Os
organizadores da marcha cívica pediram autorização para a manifestação
pacífica, mas foram acusados de ser agentes a serviço dos Estados Unidos
e de organizar um protesto pela mudança de regime.
Um
governo socialista com medo de povo não é nenhuma novidade, mas nunca a
natureza repressiva do regime foi declarada de forma tão explícita.
Cinco
dos integrantes do movimento Arquipélago, organizador da marcha, foram
convocados a prestar depoimento, incluindo o ator e dramaturgo Junior
García, cuja linguagem é incrivelmente semelhante à de jovens
progressistas do mundo todo.
“Aconteça
o que acontecer, insistimos no nosso direito de ter direitos. Estamos
decididos a conquistar civicamente nosso espaço de participação na
realidade do país onde nascemos”, escreveu ele no Twitter.
“Não
se pode pedir permissão para ser honestos, para expressar nosso
pensamento de maneira franca e pública. Cuba terá que deixar de ser um
armário ideológico. Nós cubamos teremos que aprender também a sair
desses armários, com a cabeça bem para cima, sem se importar com os
preconceitos ou os doutrinamentos dos conservadores. Os cidadãos têm que
acaba de se empoderar, com sua ampla e legítima diversidade”.
Os
oposicionistas cubanos estão revelando uma vitalidade e uma
expressividade de deixar envergonhados aqueles que não se identificam
com sua sede de liberdade.
É
esse sopro de vida que parece ter desaparecido da oposição venezuelana,
vencida pelo cansaço e pelo poder arrasador que um regime que sobrevive
a um dos maiores desastres econômicos da história: ter colocado 94% da
população venezuelana na pobreza.
A
melhor notícia sobre a Venezuela hoje vem de fora da Venezuela: o
ex-chefe da espionagem militar Hugo Carvajal está contando à justiça
espanhola, que julgará um pedido de extradição dos Estados Unidos, como
funcionava o esquema de pagamentos a políticos e governantes alinhados
com o chavismo.
A
maior bomba até agora envolve a Argentina. Segundo Carvajal, o total de
dinheiro enviado para a campanha de Cristina Kirchner deixa longe a
maleta com 800 mil dólares apreendida por acaso. No total, foram 21
milhões de dólares.
Tem
também o vídeo de Nicolás Maduro falando com um cavalo, algo
confusamente, para comemorar “o caminho de Chávez” nos nove anos da
morte do líder bolivariano.
“Estou te vendo e você me vendo. Vamos adiante? Caminhamos juntos?”, elaborou Maduro.
Faz nove anos que os venezuelanos têm que aturar isso, juntamente com o desmonte sistemático e alucinado do país.
Falando
sobre Daniel Ortega, o escritor Sergio Ramírez falou sobre toda a casta
que se proclama de esquerda e se dedica em tempo integral a manter o
próprio poder:
“Ortega
converteu o sandinismo numa dinastia familiar obscena, porque é gente
que vive à margem da sociedade, desfrutando de uma riqueza que nunca
conquistaram. Vivem em um gueto no centro de Manágua, como uma classe
social à parte, com privilégios extraordinários em uma sociedade pobre, e
é uma dinastia. Ou Ortega pretende que seja, para repetir o modelo que
custou tanto sangue e que acreditávamos enterrado, o modelo de Somoza”.
Isso é esquerda?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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