Tudo o que a secretária do Tesouro fizer vai afetar a economia - dos Estados Unidos e, portanto, do mundo e até a nossa; ela vai dar conta? Vilma Gryzinski:
Janet Yellen quer gastar dinheiro, Muito dinheiro.
Keynesiana até a ponta dos dedos, ela está no mundo ideal para os economistas que partilham ideias nessa linha.
“Os
economistas nem sempre concordam”, disse, ao ser ouvida na sabatina do
Senado, subestimando deliberadamente as brigas de foice da categoria.
“Mas
acho que existe um consenso hoje: sem novas iniciativas, corremos o
risco de uma recessão mais longa e dolorosa agora e, mais tarde,
cicatrizes de longo prazo na economia”.
Não
que seu antecessor do governo Trump, Steve Mnuchin, tenha economizado
no combate à derrocada causada pela pandemia. Mas o nível de gastos que a
nova secretária do Tesouro fala vai além. Para começar, mais um pacote,
esse de 1,9 trilhão, num país onde o endividamento já está em quase
100% do PIB, um exagero até para a potência americana.
Manter
os gastos lá em cima e jogar os juros lá para baixo, sem se importar
com “um pouco” de inflação, foi uma filosofia que ela seguiu
sistematicamente como presidente do FED, o banco central americano que
presidiu durante o governo Obama – cargo que não manteve depois que
Donald Trump foi eleito porque o novo presidente achava, diz a lenda,
que ela, com seu 1,60 metro, era baixinha demais.
O
mundo pós-corona é, evidentemente, outro e Janet Yellen estreou seu
retorno institucional quase ao mesmo tempo em que explodiu um fenômeno
da nova era, o dos pequenos investidores que se interessaram pela bolsa
durante o lockdown e, a partir de um fórum de discussões, levantaram
artificialmente os preços das ações de negócios dados por acabados, como
as lojas de venda de games da rede GameStop e a rede de cinemas AMC.
Não
foi uma estreia feliz. Sua prestação de contas postou que faturou uma
bolada de 7,2 milhões de dólares em palestras às maiores instituições
financeiras de Wall Street. Entre elas, o Citadel, fundo de hedge que
suspendeu os negócios com papéis da GameStop, uma intervenção altamente
duvidosa.
Por
uma única palestra, Yellen ganhou 800 mil dólares do Citadel. Soa
excessivo até para uma ex-presidente do Federal Reserve. Só para
comparar: o venerado Barack Obama ganha na faixa de 500 mil dólares por
palestra.
Se
fosse seguir o princípio ético mais estrito, a ministra teria que se
declarar impedida de interferir em qualquer medida relacionada ao
Citadel. Mas também estaria na mesma situação em relação a outros
gigantes, como Citi, Goldman Sachs, Google, Barclays, Credit Suisse etc.
Ou seja, de mãos e pés amarrados.
O
caso da GameStop é tão bizarro que conseguiu o prodígio de bagunçar o
coreto ideológico. Do lado dos gamestopistas congregaram-se a esquerda
mais ao estilo Bernie Sanders e a direita não-convencional.
Contra,
todas as forças institucionais, à beira de vários ataques de nervos com
a inversão de papéis, sem trocadilhos – ou talvez com -, com os
pequenos manipulando os grandes.
O
governo Biden em geral e Janet Yellen em particular vão aumentar os
mecanismos regulatórios, relaxados por Trump para bombar a exuberância
econômica pré-vírus. Vai sobrar para todo mundo, inclusive os poderosos
fundos de hedge, que foram atacados e contra-atacaram no caso da
GameStop.
Ainda
esta semana Yellen vai se reunir com os principais reguladores do
mercado para tratar da volatilidade criada pelo caso GameStop.
O
veredicto sobre a atuação da secretária da Fazenda ainda terá alguns
anos – ou meses, na realidade aumentada que vivemos – para ser decidido.
Regulamentar, gastar muito e desencanar, moderadamente, da inflação são
métodos melhores, para beneficiar a maior quantidade possível de
pessoas, do que deixar as feras do mercado à solta? Política monetária
melhora salários?
Em
2018, ela fez uma espécie de declaração de princípios, referindo-se a
seu mentor, James Tobin, Nobel de Economia e professor em Yale, nos
seguintes termos:
“O
que me impressionava não era apenas suas habilidades analíticas e seu
conhecimento de macroeconomia, mas seu forte compromisso com a justiça
social e sua visão de que a economia é mágica e trata de fazer o mundo
um lugar melhor”.
Magia e nobres princípios estão passando, e vão passar mais ainda, por um teste de realidade daqueles.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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