A vacina contra a Covid deveria ser um tema de concórdia, mas no Brasil é o oposto. J. R. Guzzo, via Estadão:
A aplicação da vacina contra a covid-19
tornou-se um escândalo no Brasil. É inevitável. Há dez meses a tragédia
do vírus tem sido objeto de uma deslavada, ininterrupta e maciça
campanha de exploração política por parte de governantes obcecados pelas
vantagens materiais que podem tirar da desgraça comum. Não são apenas
os homens públicos. É também o sistema de interesses que vive em torno
deles – e todo o bloco de militantes e de bem intencionados que, como de
costume, se aproveita ou se deixa conduzir pelos ruídos que combinam
melhor com os seus desejos e com aquilo que imaginam ser as suas ideias.
A
vacinação contra a covid, obviamente, deveria ser um tema de concórdia,
de harmonia e de cooperação entre todos os que têm alguma
responsabilidade em relação às questões mais elementares da saúde
pública. No Brasil, até este momento, tem ocorrido exatamente o oposto –
o que deveria ser um alívio virou uma guerra. A rixa se resume, para
encurtar essa conversa, à “vacina federal” e a “vacina do Doria”. Uma e
outra são boas, ou ruins, dependendo de que lado o sujeito está: quem
está a favor do presidente Jair Bolsonaro é a favor da primeira vacina e contra a segunda: quem está contra o presidente acha precisamente o contrário.
A
“vacina federal”, até agora, pode ser qualquer uma, menos “a do Doria”.
A vacina do governador de São Paulo também pode qualquer uma, desde que
seja a chinesa – a “coronavac”, fruto de um acordo entre ele, via
Instituto Butantan, e o laboratório Sinovac, da China. A partir daí,
está valendo tudo. Que os departamentos de marketing pessoal do
presidente e do governador tenham uma briga de foice em torno da covid
não é novidade para ninguém. Mas também é fato que qualquer medicamento,
pela lei, só pode ser aplicado no Brasil se for aprovado pela Anvisa – e
o governo federal exige que a “coronavac”, ou qualquer outra vacina,
receba essa licença para ser utilizada. Não há, realmente, divergências
sérias sobre a necessidade legal e científica da autorização da Anvisa.
O problema é que ela não licenciou até agora nenhuma das três vacinas
que solicitaram a homologação – a americana da Pfizer, a britânica da
AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford, e a chinesa da
Sinovac.
Não
é uma atitude isolada. A mais bem reputada das agências de controle de
remédios em todo o mundo, a FDA americana, só autorizou até agora a
utilização de um imunizante: na sexta-feira, o órgão permitiu o uso
emergencial da vacina desenvolvida pela Pfizer – ou seja, temporário,
gratuito e sujeito a ser cancelado a qualquer momento.
O
único país que começou a vacinação em massa, a Inglaterra, está
utilizando a vacina da Pfizer, que foi licenciada pela agência de
controle britânica. O certo é que a vacina chinesa, fora a própria China
e o governador Doria, não interessou a mais ninguém no planeta. Não
recebeu a homologação de nenhum país com um mínimo de tradição em saúde
pública. Seu desenvolvimento não foi acompanhado por qualquer organismo
científico independente. É, certo, enfim, que
a Sinovac já confessou em juízo a prática de crimes de corrupção e que
suas ações foram excluídas em 2019 da Bolsa de Nova York.
O
governador, apoiado pela oposição, a esquerda e os inimigos de
Bolsonaro, já começou a envasar a vacina chinesa, e quer que ela seja
aplicada sem a aprovação da Anvisa. Bastaria, para tal, que fosse
liberada pelas agências de controle dos Estados Unidos, da Europa, do
Japão, que até agora não homologaram vacina nenhuma – e, é claro, da
China, a única que aceita a “vacina do Doria”. Como se vê, é guerra, e
guerra grosseira.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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