Gesto de segurar copo com duas mãos não passou despercebido, inclusive
porque seu opositor tem 77 anos e frequentes falhas de memória. Vilma Gryzinski:
Os Estados Unidos estão vivendo dias frenéticos.
Quatro grandes acontecimentos se sobrepõem: os protestos pela morte
de um detido negro, agora insuflados por outro incidente do tipo em
Atlanta; o tombo na economia ensejado pelo novo coronavírus, que já fez quase 120 mil vítimas, e os ânimos acirrados pela eleição presidencial em menos de cinco meses.
Ah, sim, também tem mais um livro que vai “derrubar Trump” – como
tantos outros prometeram. O mais recente é de John Bolton, o ex-assessor
de Segurança Nacional, o posto ideal para contar muitas encrencas em
matéria de política externa.
Mas a postura trêmula que o presidente demonstrou durante um discurso
de formatura dos cadetes de West Point abre um cenário totalmente novo.
Trump
segurou-se no pódio durante quase todo o discurso. Num intervalo, tomou
água segurando o copo com as duas mãos, uma amparando a base.
Todo mundo que já viu um parente ou conhecido com a doença de Parkinson identificou o gesto.
Um dos efeitos mais comuns da doença degenerativa do sistema nervoso são os tremores e movimentos lentos.
O ódio a Trump já levou psiquiatras e psicanalistas a atribuírem a
Trump uma coleção de distúrbios mentais – uma vergonha para os médicos.
Mas os gestos trêmulos do presidente ganham uma conotação especial
porque a idade e os tropeços de fala e memória de seu adversário, Joe Biden, na eleição de 3 de novembro são um dos mais frequentes motivos para ataques eleitorais.
Trump tem 74 anos e Biden, 77. Regulam, portanto.
As diferenças de estilo, porém, ficaram patentes com o novo vírus assolando os mais idosos.
Enquanto Trump aparecia todo dia em entrevistas sobre a doença, Biden
passou dois meses trancado no porão de casa, protegido do coronavírus.
Suas intervenções via digital foram constrangedoras.
Em compensação, Trump usou sua liberdade de ação para sabotar a si mesmo, uma característica frequente nele.
Não reagiu como um estadista à crise do novo vírus, muito ao contrário.
Quando George Floyd foi morto por um policial, nas cenas que chocaram todo mundo, ele se declarou o “presidente da lei e da ordem”.
Seria uma mensagem importante. Com certeza uma fatia enorme da
população americana abomina a morte do detido negro e igualmente a
baderna que tomou conta das ruas em reação a ela.
A palavra de ordem dos manifestantes mais engajados é abolir a
polícia, uma proposta que dificilmente teria a simpatia da maioria
esmagadora dos eleitores.
Durante todo esse período de ânimos em ebulição, Trump conseguiu
brigar com a cúpula militar – os generais estrelados sentiram-se usados
politicamente e botaram a boca no mundo – e repetir ameaças que não pode
realizar.
A maior delas e em relação à “tomada” de alguns quarteirões no centro
de Seattle. Na capital da tecnologia e da maconha liberada, a polícia
saiu correndo – uma reação cada vez mais frequente – e o pessoal
moderninho declarou criada a “Zona Autônoma da Colina do Capitólio”,
CHAZ, em inglês.
Trump disse que vai retomar a área de seis quarteirões, uma versão
contemporânea e mais politizada do paz e amor de Woodstock, o lendário
festival de 1969.
Trump pode fazer o quê? Mandar os marines?
Claro que não.
O que fazer, então? Talvez deixar o pessoal se cansar e perder apoio,
inclusive por tomar o protagonismo dos movimentos negros num momento em
que a questão racial está fervendo.
As reações desarticuladas de Trump desperdiçam a chance de melhorar sua imagem e passar uma mensagem de confiança.
Todo mundo já aprendeu a desconfiar de pesquisas e muitas certamente
dão um retrato irreal da situação, mas Trump está perdendo apoios
importantes.
Entre as eleitoras, por exemplo.
Uma recente pesquisa dá 44% para Biden e 46% para Trump entre os
homens; 56% a 36% entre as mulheres, uma diferença bem maior do que na
eleição de 2016.
Que presidente pode ganhar com uma disparidade dessas e com o desemprego a mais de 13% da força de trabalho?
Talvez um que convencesse os eleitores indecisos que, da mesma
maneira como turbinou os empregos antes da praga maldita, é o melhor
para promover a recuperação do país depois dela, sem atritos inúteis e
desgastantes.
Que presidente pode ganhar com mais de 100 mil mortos pela pandemia?
Talvez um que mostrasse ao menos alguma compaixão pelos que se foram e
assegurasse os que ficaram de que foi feito tudo para combater a praga.
Em quaisquer circunstâncias, Joe Biden seria um candidato fraco.
Embora político profissional a vida toda, não tem a liderança e o
halo de vencedor que os americanos esperam de um presidente, confunde
palavras e fatos, só consegue evitar derrapadas quando está lendo no
teleprompter.
Fala qualquer coisa para ficar bem na foto, cedendo às alas mais à
esquerda do Partido Democrata com um discurso que perde a chance de
conquistar justamente os trumpistas desiludidos.
Proximamente, deverá ganhar grande destaque pela escolha da candidata a vice-presidente – já prometeu que será uma mulher.
As conflagrações em curso praticamente garantem que será, também,
negra. E um pouco mais à esquerda, para compensar a percepção de
centrismo de Biden, escolhido por Barack Obama como vice justamente por
isso.
Se for Kamala Harris, Trump vai deitar e rolar com as coisas que
falou sobre Biden quando era candidata a ocupar o lugar dele na chapa.
Kamala certamente terá respostas na ponta da língua: foi promotora,
fala bem e há muito arquivou seu início de carreira, ajudada pelo
amante, Willie Brown, então prefeito de São Francisco.
O Twitter ferveu com a cena de Trump segurando o copo com as duas mãos. Poderia ser um jeito de apenas não manchar a gravata?
Não no planeta Twitter, a versão eletrônica das arenas romanas.
Depois, ele desceu uma rampa com passos bem cautelosos.
E tuitou:
“Não tinha corrimão e era muito escorregadia. A última coisa que eu faria seria ‘cair’ para as fake news fazerem zoeira”.
A reação ao modo como parecia fisicamente desbalanceado no discurso
aos formandos de West Point pode ser atribuída, em grande parte, mais à
expressão de desejos do que à realidade.
Trump é mestre em sair, mordendo para todos os lados, de encrencas em que se mete por conta própria.
Só para lembrar: como a eleição presidencial é decidida pelos votos
do Colégio Eleitoral, Trump e Biden, na realidade, estão disputando
algumas centenas de milhares de eleitores em estados que podem virar a
balança.
Os demais já estão definidos, fora os eleitores que simplesmente não irão votar por desilusão com ambos os candidatos.
Na última eleição, Trump “formatou” os adversários como pouco
dinâmicos, baixinhos ou até, no caso de Hillary Clinton, portadora de
alguma doença grave e oculta – principalmente depois que ela perdeu os
movimentos na rua e foi transportada de volta ao carro.
Diagnosticar doenças de famosos à distância é anti-ético para os
médicos, tanto para os verdadeiros como para os “doutores do sofá”.
O que não impediu os antitrumpistas de fazer exatamente isso. O site
Politico chamou o episódio de “glass of Watergate”, um trocadilho que só
funciona em inglês.
O site lembrou os males que a aparência de fraqueza ou sinais de doença causam entre presidentes.
Gerald Ford tropeçando na escada do avião presidencial, Jimmy Carter
quase desmaiando depois de interromper uma corrida com a qual pretendia
mostrar vigor, George Bush pai vomitando num banquete no Japão.
Nenhum deles foi reeleito por motivos diversos.
“O desejo de vigor certamente é um remanescente de eras ancestrais,
quando queríamos ter um líder que lutasse contra invasores do alto do
morro, mas ainda tem um papel na parte menos racional do nosso processo
de decisão”, escreveu o Politico.
Em matéria de menos racional, Trump ganha longe.
A batalha dos septuagenários vai ficando cada vez mais interessante.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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