É claro que as cenas e os números vindos da China dão pânico, mas o
vírus respiratório tem letalidade baixa em comparação com 'colegas' da
pesada. Vilma Gryzinski:
Quem não sente um aperto no estômago quando vê multidões andando de
máscara na China, acompanhadas de número de grandeza chinesa: 50 milhões
imobilizados em duas cidades enormes do interior do país, atrações
turísticas fechadas, aeroportos e estações de trens tomados por agentes
de saúde tomando a temperatura de todo mundo?
Para não falar nas “projeções por computador” prevendo 65 milhões de infectados.
Obviamente, a culpa não é do computador.
O coronavírus, com seu nome tão bonito, realmente dá um medo danado.
Mas os exageros sobre sua propagação e seus efeitos criam um pânico
desnecessário. O vírus tem letalidade baixa, calculada em 4% . O tipo de
Ebola mais recente, que devorou mais de onze mil vidas na África
Ocidental, matava 90% dos contaminados.
Para não falar no HIV, outro vírus de origem africana, com letalidade
total quando emergiu catastroficamente, mas hoje passível de ser
controlado por um formidável arsenal de tratamentos médicos pesquisados e
aperfeiçoados em poucas décadas.
O HIV é o vírus mais letal da história recente, com cerca de 35
milhões de mortos, tendo sido especialmente devastador para
homossexuais.
Parece muito, mas é uma alteração relativamente pequena comparada à
longa história humana de batalhas contra agentes biológicos
incrivelmente capacitados para nos destruir.
Só no século XX, a varíola matou entre 300 milhões e 500 milhões.
De modo geral, os vírus que causam doenças respiratórias surgem no
Oriente e os da família das febres hemorrágicas saem da África.
Pacientes de Ebola chegaram a “chorar” sangue, tamanha a virulência da
hemorragia nos órgãos internos.
A forma como passam dos seus hospedeiros originais para o homem também costuma ser de arrepiar.
O paciente zero da última epidemia de Ebola foi um menininho de dois
anos, Émile Oumouno. Ele morreu em 6 de janeiro de 2013, no interior da
Guiné. Possivelmente um cozido de morcego, um prato não incomum na
região, foi a origem.
O contato deve ter sido anterior à preparação, através do sangue do morcego.
Além de ter aparência pouco amigável – exceto, claro, para os
estudiosos que os amam –, os morcegos são mais suscetíveis às infecções
virais do que os outros mamíferos. É uma característica ligada à baixa
produção de anticorpos.
A ideia de cavernas africanas infestadas por morcegos que podem
desencadear o vírus que destruirá a humanidade e os aventureiros
científicos que os “caçam” obviamente já inspirou muitas obras de
ficção.
Inclusive porque já aconteceu na realidade com o vírus de Marburg,
chamado assim por causa da cidade alemã onde contaminou pesquisadores de
um grande laboratório, saltando para a população em geral.
Foram 31 contaminados e sete mortos.
O vírus de Marburg é parecido com o Ebola nos efeitos e na letalidade.
Guisado de morcego e sopa de cobra, com todo o estranhamento cultural
que provocam, foram atribuídos por cientistas à origem do novo
coronavírus, embora haja divergências.
O marco zero foi localizado num mercado de Wuhan, onde animais vivos
ficam confinados em espaços pequenos (gaiolas, aquários, baldes),
esperando ser levados para a mesa – e todos sabem que chineses gostam de
tudo que anda, nada, voa, salta, rasteja ou simplesmente respira. Tudo
mesmo.
O vasto cardápio dos vírus influenza que regularmente provocam gripes aviárias costumam ter essa procedência.
A convivência forçada entre espécies diferentes – galinhas e porcos,
morcegos e cobras – também favorece a transmissão e adaptação dos vírus.
O “salto” que dão para os humanos é sempre muito investigado – e nem sempre esclarecido – pela ciência.
Todos os primeiros dos 56 mortos por coronavirus na China eram
funcionários ou clientes do mercado que mistura animais vivos e
açougues. Eram também idosos com doenças anteriores, já naturalmente
mais suscetíveis à pneumonia.
Com sua “inteligência” perversa – para nós, evidentemente –, os vírus
se adaptam e descobrem rapidamente novas formas de encontrar
hospedeiros e portadores para se propagar.
Muitas das cenas mais impressionantes do novo coronavírus estão
relacionadas com o uso de macacões para perigo biológico e outros
equipamentos de isolamento que foram aperfeiçoados por causa do Ebola. A
contaminação através de fluídos corporais foi devastadora para
profissionais de saúde na África.
O novo corona tem propagação muito mais fácil, como a da gripe.
Espirros e tossidos disparam mísseis invisíveis carregados do vírus com
“espinhos” que lembram a coroa solar vista nos eclipses.
Pode se adaptar para ficar mais malvado e a velocidade e frequência de viajantes chineses são espantosas.
Pior, o período em que fica incubado e assintomático aumenta os riscos de propagação.
Mesmo com a letalidade baixa e o número relativamente contido – ao
que se saiba – de infectados, já provocou queda na bolsa, baixou o preço
do petróleo, fechou a Muralha da China e espalhou pelo mundo a pergunta
mergulhada no inconsciente coletivo: “E se for dessa vez?”.
Do jeito que está, não é.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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