Ou se inicia o longo caminho de volta, ou a civilização ocidental será
roída por dentro até o amargo fim. Fernão Lara Mesquita, via Estadão:
O único avanço qualitativo do acordo China-Estados Unidos foi o
reconhecimento, por Beijing, da figura jurídica da propriedade
intelectual.
A 8a Cláusula da 8a Seção do Artigo 1º da Constituição americana de
1787 é, de longe, a mais revolucionária depois da que transmite o poder
dos governantes para os governados. Pela primeira vez na historia
tirou-se o trabalho intelectual do limbo em que o poder político e o
poder econômico sempre o mantiveram para subjuga-lo. Os “Pais
Fundadores” guindaram-no ao topo da cadeia de valor ao atribuir ao
Congresso o poder de “Promover o progresso da ciência e das artes
assegurando aos autores e inventores poderes exclusivos sobre seus
escritos e descobertas por um tempo limitado”.
Na sua expertise na arte de colar na testa alheia os próprios
defeitos, a esquerda conseguiu associar monopólio a capitalismo e
propriedade privada a privilégio. Mas a garantia da apropriação pelo
indivíduo do resultado do seu esforço é a condição essencial de
libertação da miséria da massa dos que só tem de seu a própria força de
trabalho. E monopólio – do poder político e do poder econômico – é a
própria definição de socialismo. É precisamente aí que ele mata a mera
possibilidade da liberdade, aliás, pois para além do blábláblá
conceitual, é nas dimensões de trabalhador e consumidor que o cidadão
comum a exerce se, e somente se, puder ser paparicado com reduções de
preço e disputado com aumentos de salário por patrões e fornecedores
competindo por ele.
Ao contrário da lenda, no capitalismo democrático é que o Estado
impõe limites ao poder econômico. No “capitalismo de estado”, novo nome
do socialismo, o Estado detém 100% do poder econômico e sua função é
projetar internacionalmente a hegemonia incontestável que o ditador e
seus “mega-empresários” amestrados já exercem internamente. Olhada
objetivamente a História, o auge da civilização foi, portanto, a
reorientação antitruste da democracia americana na virada do século 19
para o 20 quando passou a ser proibida, mesmo por competência, a
ocupação de mercado além do limite necessário à preservação do “meio
ambiente” que o exercício da liberdade individual requer, restando os
ganhos de produtividade pela inovação como a única via de expansão
legalmente admitida para o impulso da ganância que move o mundo.
Por analogia rolou na mesma época o movimento pela conquista das
prerrogativas de cassar mandatos a qualquer momento, referendar leis dos
legislativos e propor as suas próprias que deu pela primeira vez a
meros “plebeus” a condição de correr atras dos seus direitos sem ter de
pedir licença a ninguém. Como resultado os EUA avançaram mais, econômica
e cientificamente falando, entre as décadas de 20 e 80 do século
passado, que a humanidade em todos os milênios precedentes, desfrutando o
maior grau de liberdade e a melhor distribuição de riqueza de todos os
tempos.
O campo socialista, preso a dogmas petrificados, permaneceu afogado
em sangue, terror e miséria, o que acabou provocando a confusão que a
era do “capitalismo de estado” está desfazendo. Para a ciência e a
inovação, sem duvida alguma, sim; mas para vencer disputas econômicas
liberdade não é um ingrediente essencial. Ao contrário. Uma ditadura
onde tudo depende da vontade de um homem só tem muito mais foco e
velocidade de resposta, o que tirou dos americanos a exclusividade da
flexibilidade de ação que tiveram no século passado. A “vantagem
competitiva” passou a ser do patrão único, dispensado de seguir qualquer
lei nacional ou internacional e com condições ilimitadas de matar
concorrentes por dumping, desde que siga contando com o tiro na nuca e
os campos de concentração, agora urbanos (dê um google em “Uighur
papers”), para resolver controvérsias individuais ou coletivas.
A partir da globalização dos mercados pela expansão da informática
dos anos 80 tudo mudou. A invasão do Ocidente pelos produtos chineses
desonerados dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento e do custo
da dignidade no trabalho dizimaram empregos aos milhões e criaram
pânico. E a primeira vitima foi a legislação antitruste. “Crescer ou
morrer”, para enfrentar monopólios com monopólios, passou a ser a regra e
o mundo começou a caminhar de volta para a Idade Média. Ao fim de
décadas de fusões, aquisições e salários e empregos minguantes, tende a
sobrar um barão com poder de corrupção ilimitado encastelado em cada
monopólio setorial e o resto da humanidade disputando migalhas a tapa.
Seus antecessores, acovardados, correram a “achinezar” seu mercado de
trabalho em vez de tratar de “ocidentalizar” o deles. E o “modo Trump”
de reagir é tosco e pouco inteligente. Mas não se iluda com os desde
sempre admiráveis “palácios” e “muralhas da China” pós-modernos: é
civilização ou barbárie. Ou cobra-se imposto sobre bens em cuja produção
não estão embutidos os custos de direitos do trabalho, concorrência e
pesquisa e desenvolvimento e inicia-se o longo caminho de volta, ou a
civilização ocidental será roída por dentro até o amargo fim.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário